Mail Columbiforme
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 10/01/2008)
Nos tempos que correm quase ninguém passa sem enviar ou receber mails. Boas e más novas chegam ao nosso conhecimento sob a forma de impulsos eléctricos materializados num qualquer ecrã.
A piada do amigo, a foto do sobrinho, o documento do chefe, tudo nos chega pela via electrónica.
Esta facilidade e rapidez incrementa o que se envia e recebe, não permitindo a necessária filtragem arbitral que o tempo concede.
E quando se estava no tempo em que a biologia condicionava a troca de informação?
Em o que o ritmo informativo era mantido pelo sangue do animal e não pelo silício dos circuitos?
A ideia absurda de me entrar um pombo-correio pelo monitor adentro, com um ficheiro anexo no bico, fez-me escrever este texto – descansem os leitores que não me encontro, ainda, em delírios surrealistas a La Buñuel ou Dali.
A utilização de meios biológicos na comunicação humana é antiga. No caso dos pombos-correio (ordem Columbiformes, espécie Columba livia domestica) os primeiros registos datam do séc. XII na Pérsia (actual Irão), embora seguramente possam ser mais antigos.
A utilização destas aves assenta na sua capacidade de regresso aos locais de onde partiram. Assim, eram utilizados no passado, para transportar informações, em especial de natureza militar. Curioso que a Internet também surgiu de um objectivo militar…
Foram feitas diversas experiências com o objectivo de avaliar a capacidade de regresso a casa dos pombos. Transportaram-se os animais em caixas de metal (a fim de evitar a localização magnética) e anestesiados, para locais remotos. Ainda assim, os pombos conseguiram regressar aos seus pombais de origem.
Tal como os mails, os pombos-correio chegam aos seus destinos em dias de sol e dias encobertos e, se treinados, viajam mesmo de noite. Das poucas condicionantes que inviabilizam o seu labor é a chuva forte. Já os mails dependem se se pagou ou não ao servidor de acesso.
A navegação dos pombos é feita com base na observação do sol, por olfacto e por intermédio do uso de uma “bússola”. Foi detectada a presença de material ferromagnético (Fe3+) no bico destas aves.
Da mesma forma que uma bússola funciona graças à sua agulha magnetizada, também os pombos-correio se servem daquelas substâncias magnéticas na sua orientação.
Evolutivamente, esta capacidade de navegação parece ter-se desenvolvido para permitir um regresso seguro ao ninho após longas viagens em busca de alimento. A selecção artificial feita pelo Homem “aperfeiçoou” esta característica.
Actualmente a utilização de pombos-correio faz parte dos hobbies. Concursos são realizados internacionalmente sendo a maior distância percorrida por um pombo-correio, nos EUA, de 1800 km. Apesar da sua enorme capacidade de orientação, existem sempre casos de desnorteamento
Se ainda dependêssemos do pombo-correio, poderia existir o spam Columbiforme. Este, manifestar-se-ia pela entrada massiva destas aves pelas nossas janelas. Ainda que de arma em riste, seria complicado afastar essa chuva de publicidade não desejada. Os vírus informáticos teriam a sua versão pré-digital na forma da gripe-das-aves. Ao contrário da binária, a biológica afecta os mensageiros e não os receptores da informação.
Quando estavam no poder no Afeganistão, os Taliban aboliram o uso dos pombos-correio.
Tal facto só poderá ser explicado pela confusão daqueles com a pomba da Paz…
P.S. – os meus agradecimentos sinceros, uma vez mais, ao Luís Veloso que sempre em-cima-da-hora me “serve” as ilustrações.
A segunda ilustração é de Hanzlik et al.
Referências
Hanzlik M.; Heunemann C.; Holtkamp-Rötzler E.; Winklhofer M.; Petersen N.; Fleissner G. 2000. Superparamagnetic Magnetite in the Upper Beak Tissue of Homing Pigeons. BioMetals 13: 325-331.
Walcott, C. 1996. Pigeon Homing: Observations, Experiments and Confusions. The Journal of Experimental Biology 199, 21-27.