Aprender de Ouvido

Em crianças, balbuciamos o que ouvimos, esperando que nos escutem. Praticamos futuros discursos a partir de ouvidas conversas, trauteando a música de palavras que desconhecemos, cobertos por emprestadas capas sonoras.
Vemos os nossos pais também com os ouvidos, numa aprendizagem que é conhecida por todos, enfim.
Mas não somos os únicos a fazê-lo.
Cheryl Warrick1.jpgAs aves canoras aprendem igualmente com um adulto a arte que as irá transformar em verdadeiras bandas-sonoras ambulantes. Aprendem de ouvido, deduzo.
O que agora revelam os cientistas é a descoberta de uma zona cerebral responsável pela memorização/aprendizagem do canto pelas aves.
ResearchBlogging.orgA novidade científica é importante para a poesia ou para a compreensão dos processos biológicos dos animais que povoam os nossos céus, arrisco. Para os colegas cientistas, o essencial desta descoberta reside em que poderá contribuir para a compreensão dos processos de aprendizagem da linguagem no ser humano. Tal como nós, nas aves canoras as zonas da memória auditiva e da produção sonora estão localizadas em áreas distintas dos seus cérebros. A memória auditiva, por vezes negligenciada tanto no nosso imaginário, como sobretudo em áreas da pedagogia, tem um papel vital na aprendizagem da produção oral.
Memorizar o que se ouve é fundamental na aquisição e desenvolvimento da linguagem pelas crianças. Há que ouvir, para depois falar, sempre ouvi dizer… as aves que o comprovem, canto eu de galo.
As memórias sonoras parecem ser assim responsáveis pela iniciação musical das divas que voam nos campos.
Numa das suas saborosas crónicas, Fernando Alves citava um destes dias um provérbio chinês: “Um passarinho não canta porque tem uma resposta. Canta porque tem uma canção.”
Cheryl Warrick.jpgE de onde lhes vem a canção que cantam?
Já vimos que ouvindo um mestre, mas é preciso algo mais que saber ouvir.
O cérebro das jovens aves revive, durante a noite, o canto do progenitor, sendo activadas as zonas cerebrais da memória sonora. A activação neuronal nocturna implica, assim, a memória auditiva.
Para cantar, a jovem ave sonha com o canto do mestre, penso eu.
Sem solfejo ou conservatório, as aves canoras aprendem.
Aprendem de ouvido.
Nos dias alcatifados de sons em que vivemos, estará a arte de aprender ouvindo próxima do silêncio total?
Referência:
Gobes, S., Zandbergen, M., & Bolhuis, J. (2010). Memory in the making: localized brain activation related to song learning in young songbirds Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, 277 (1698), 3343-3351 DOI: 10.1098/rspb.2010.0870
Imagens: Cheryl Warrick
Publicado no jornal barlavento de 20 de Janeiro de 2011