As Maravilhas de S.J. Gould

A Moby-Dick pode esperar…eis o Indohyus!

Whale AncestorA maioria das pessoas desconhece que os cetáceos, grupo a que pertencem as baleias e golfinhos, já foram animais terrestres.
Na sua história evolutiva verificaram-se alterações morfológicas que lhes permitiram um “regresso ao mar”.
Uma das características deste grupo é serem, assim, totalmente aquáticos. Para além deste factor são os maiores animais que já existiram – a baleia-azul, com um máximo na 33 m de comprimento e 190 000 kg de peso, mas podendo ter “apenas” 1,4 m e 45 kg, como a Toninha da Califórnia ou vaquita (Phocoena sinus).
Estes dois extremos do grupo Cetacea colocam várias questões evolutivas importantes, e algumas semelhante às colocadas nos dinossáurios saurópodes: que modificações sofreram estes animais para atingirem tamanhos descomunais? E como se deram esses processos?
Entre as alterações morfológicas verificadas na evolução dos cetáceos contam-se a redução do esqueleto apendicular, a alteração da forma dos dentes e modificações na estrutura do ouvido interno.

INDOHYUS2UM NOVO ELEMENTO NA HISTÓRIA DOS CETACEA
Depois de já anteriormente ter levantado a ponta do véu sobre a história evolutiva dos Cetacea, foi publicado hoje, na revista Nature.
Uma das conclusões deste estudo é o da proximidade de parentesco e semelhanças morfológicas entre o Indohyus (família Raoellidae, pertencente á ordem Artiodactyla) e os cetáceos. Esta descoberta permite inferir que o habitat aquático terá entrado na vida destes animais antes mesmo de surgirem os verdadeiros Cetacea. Este estudo aponta também que a mudança de dieta terá surgido na “transição” dos Artiodactyla para os Cetacea.


INDOHYUS

Outra das questões ainda não totalmente esclarecidas diz respeito à “causa” evolutiva que explique a transição do meio terrestre para o meio aquático destes animais. Alguns autores referem a dieta como sendo o fio condutor dessa “viagem”.
As evidências morfológicas surgem através dos dentes fossilizados deste grupo, que apesar de serem perfeitamente diferenciáveis das espécies actuais não permitem inferir com completo rigor a dieta do animal.

Thewissen 2002

ESMALTE E DIETA
Com o objectivo de averigua o carácter aquático do Indohyus, este novo estudo incorpora a análise da proporção entre os isótopos δ18O e δ13C do esmalte dentário. Estes isótopos são bastante estáveis após a morte do animal e posterior conjunto de fenómenos conducentes à sua fossilização e podem ser, e são, utilizados como um indicador do tipo de dieta do animal em estudo. Por exemplo, o isótopo δ18 do oxigénio revela quer a alimentação quer o tipo de água ingeridas, tendo-se verificado que os valores de δ18 presentes no esmalte do Indohyus eram inferiores aos dos mamíferos quer terrestres quer semi-aquáticos, do Eocénico.
Este facto permite inferir que este animal viveria num ambiente aquático, embora não se podendo afirmar se exclusivamente.
Apesar de passar muito tempo dentro de água, alimentar-se-ia também de vegetação em terra, um pouco à semelhança do que acontece com o hipopótamo.
A análise morfológica dos ossos encontrados e da composição química do esmalte dentário permite aos paleontólogos afirmar que o Indohyus não era um nadador exímio, tendo provavelmente vivido em ambiente aquáticos de pequena profundidade, com os membros assentes ou semi-assentes no fundo. Este animal alimentava-se também em terra, embora este estudo aponte a possibilidade de uma dieta aquática.

INDOHYUS1

TIPOS LOCOMOÇÂO AQUÁTICA DOS “VELHOS”
CETACEA

Se os modernos cetáceos apresentam formas muito semelhantes de locomoção aquática, o mesmo não se pode afirmar dos seus directos antepassados directos. No Eocénico (entre os 55 e os 34 milhões de anos atrás) os cetáceos apresentavam diversas morfologias corporais e consequentes modos distintos de natação que iam do balanço da barbatana caudal (nos Dorudontidae, semelhantes a golfinhos) até ao simples “remar” com os quatro membros (nos Pakicetidae).

GOULD

Stephen Jay Gould descreveu grande parte das “peripécias” paleo-cetáceas no seu ensaio mensal na revista do American Museum of Natural History “Natural History”, em 1994. O artigo “Hooking Leviathan by Its Past”, foi compilado no livro “Dinosaur in a Haystack”, editado em Portugal pela Gradiva, mas não me recordo do título…

 

REFERÊNCIAS

Gingerich PD, Arif M, Bhatti MA, Anwar M, Sanders WJ. 1997. Basilosaurus drazindai and Basiloterus hussaini, new Archaeoceti (Mammalia, Cetacea) from the middle Eocene Drazinda Formation, with revised interpretation of ages of whale-bearing strata in the Kirthar Group of the Sulaiman Range, Punjab (Pakistan). Contrib. Mus. Paleontol. Univ. Mich. 30:55-81
Gingerich PD, Haq M, Zalmout IS, Khan IH, Malkani MS. 2001. Origin of whales from early artiodactyls: hands and feet of Eocene Protocetidae from Pakistan. Science 293:2239-42
Gingerich PD, Raza SM, Arif M, Anwar M, Zhou X. 1994. New whale from the Eocene of Pakistan and the origin of cetacean swimming. Nature 368:844-47
Gingerich PD, Smith BH, Simons AL. 1990. Hind limbs of Eocene Basilosaurus: evidence of feet in whales. Science 249:154-57
Gingerich PD, Wells NA, Russell DE, Shah SMI. 1983. Origin of whales in epicontinental remnant seas: newevidence from the early Eocene of Pakistan. Science 220:403-6
Thewissen, J. G. M. & Williams, E. M. 2002. THE EARLY RADIATIONS OF CETACEA (MAMMALIA): Evolutionary Pattern and Developmental Correlations. Annu. Rev. Ecol. Syst. 2002. 33:73-90
Thewissen, J. G., L. N. Cooper, M. T. Clementz, Sunil Bajpai, and B. N. Tiwari. Whales originated from aquatic artiodactyls in the Eocene epoch of India. Nature 450: 1190-1194.

IMAGENS – Carl Buell; Thewissen, J. G. M. et al. 2007; Thewissen, J. G. M. & Williams, E. M. 2002; Thewissen, J. G. M. et al. 2007.

VIDEO

Equilíbrio Pontuado

As relações amorosas sofrem do mesmo mecanismo que a Evolução das Espécies – Equilíbrio Pontuado.
Permanecem estáveis e imutáveis durante muito tempo – Estase.
Depois, e em períodos muito curtos, alteram-se e surgem novas relações.
E espécies.

A Evolução escondida nos Cartoons

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 10/11/2005)
A História da vida animal está cheia de alterações na forma dos seus corpos. A análise da forma (análise morfológica) é um das ferramentas no estudo da história evolutiva dos seres vivos.
Um dos essenciais evolucionistas do nosso século – Stephen Jay Gould da Universidade de Harvard – utilizou o melhor da dedução científica para analisar um dos ícones da Disney.

Gould recolheu uma sequência cronológica de Ratos Mickey, desde os anos 20 até à actualidade, analisando alguns traços morfológicos desta figura da banda-desenhada – altura e tamanho geral do crâneo, bem como o tamanho dos olhos. Constatou que ao logo das mais de cinco décadas da história do pequeno ratinho, os parâmetros analisados tinham aumentado. Por outras palavras, Mickey tinha-se transformado: de uma figura de crâneo pequeno e alongado e de olhos pequenos num ratinho de crâneo arredondado e alto com olhos proporcionalmente grandes. Se olharmos para a figura qual dos dois extremos “evolutivos” de Mickey nos parece mais atractivo?
A maioria das pessoas referirá que o da direita (olhos maiores, crâneo mais arredondado)Estas características morfológicas podem ser reconhecidas, na grande maioria dos casos, como sendo características de crias de mamíferos. Todos nós facilmente identificamos que os bebés apresentam um crâneo e olhos proporcionalmente maiores do que os adultos. Estas particularidades têm um efeito sobre os membros de uma determinada espécie e igualmente nos humanos. Características morfológicas de juvenis parecem desencadear reacções de protecção e carinho – um crâneo grande e arredondado, olhos enormes, mandíbula pequena, etc.

Estes são alguns dos traços morfológicos apelativos nos mamíferos. Desta maneira Gould constatou que os desenhadores da Disney alteraram a fisionomia de Mickey atribuindo-lhe características morfológicas juvenis com o objectivo o tornarem emocionalmente mais apelativo.

Pelo contrário, podem ser encontradas algumas morfologias opostas em alguns dos vilões da Disney. Estes apresentam características anatómicas geradoras de desconfiança – crâneo afilado, olhos pequenos, mandíbula proeminente. Enquadram-se neste grupo a Rainha da Branca de Neve, a bruxa da Bela Adormecida e o feiticeiro Jafar em Aladino.

Mas o que tem isto a ver com a evolução?
Gould não perdeu o seu tempo com esta actividade aparentemente estéril. Pretendia ilustrar, com exemplos facilmente reconhecíveis, alguns conceitos da morfologia evolutiva. Uma das noções subjacentes ao estudo dos Mickeys é o da Pedomorfose – aquisição no adulto de um grupo descendente de características morfológicas juvenis do grupo antepassado.
Existem alguns exemplos muito evidentes de Pedomorfose – a salamandra mexicana Ambystoma mexicanum exibe quando adulta guelras, prova morfológica juvenil dos seus ancestrais.
Este conceito está englobado num conjunto maior que é a Heterocronia – em sentido geral, a variação no tempo de aparecimento de uma característica morfológica de um grupo descendente comparativamente ao aparecimento dessa característica no grupo antepassado.
De uma maneira mais simples: podemos ver a “quantidade de transformação” que um indivíduo sofre ao longo do seu desenvolvimento é a mesma, maior ou menor do que do seu antepassado (aqui em sentido de evolutivo e não de progenitor).

O estudo da Heterocronia tem chamado a atenção nos últimos anos dos investigadores da Evolução. É um campo complexo mas muito apelativo e em que têm sido feitas inúmeras descobertas no estudo da morfologia de seres vivos actuais ou dos seus antepassados fósseis.

Outro dos exemplos de Pedomorfose no mundo não-natural é a evolução do símbolo da Shell. O seu logotipo é o bivalve Pecten tendo este “evoluído” desde o início do século por redução do número de “linhas” na concha, aparecendo assim menos complexo e mais juvenil.
Mas existem muito exemplos que podem ilustrar os conceitos evolutivos já referidos: é fazer uma busca na Internet pela “evolução” do Snoopy…