Tento na Língua
Nenhum dos casos é muito agradável, muito menos para mentes eticamente bem formadas ou estômagos sensíveis.
Ainda assim, encontro-lhes pontos de contacto.
O parasita Cymothoa exigua é um crustáceo isópode que actua de maneira singular.
Explico, enquanto se torcem.
Já na boca do peixe, o C. exigua fixa-se na boca do peixe por intermédio de patas semelhantes a ganchos (pereópodes), começando por sugar o sangue dos tecidos da língua, até que esta acaba por atrofiar.
Após o repasto, que pode durar algum tempo, o parasita de até quatro centímetros, passa a alimentar-se do que o peixe ingere, substituindo-lhe a língua por completo.
Curiosa é a semelhança de forma entre a desaparecida língua do peixe e o recém instalado. Para além de função análoga, já que o parasita desempenha a usurpação lingual com enorme competência, também o aspecto da cavidade bucal do peixe parece quase inalterada. Brusca e Gilligan avançam com a hipótese de que peixes parasitados poderão ter melhor desempenho alimentar que peixes sem língua.
Ou seja, em termos de eficiência, esta relação parasítica parece conceder alguma vantagem sobre patologia ou doenças que afectem a língua de peixes.
Pois…melhor uma língua substituta que nenhuma, parece ser a conclusão.
Quanto ao segundo caso, apenas deixo um vídeo.
Deixo aos leitores o estabelecimento de paralelismos.
A existirem.
Referências:
Brusca, R.C. and Gilligan, M.R. (1983): Tongue replacement in a marine fish (Lutjanus guttatus) by a parasitic isopod (Crustacea: Isopoda). Copeia 813-816.
Brusca, R., & Gilligan, M. (1983). Tongue Replacement in a Marine Fish (Lutjanus guttatus) by a Parasitic Isopod (Crustacea: Isopoda) Copeia, 1983 (3) DOI: 10.2307/1444352
Mark Carwardine. 2005.Natureza radical. Ediouro Publicações Ltda. Rio de Janeiro.
Zimmer, C. 2000. Parasite Rex. Arrow Books. London.
Imagens:
Matthew Gilligan – primeira, adaptada do livro de Mark Carwardine; segunda daqui
Peixes e tugas
Pela segunda vez num curto espaço de tempo, a nomenclatura zoológica ocupa este espaço, depois de “Chernes e ornitorrincos”.
Explico: num hilariante artigo de Ferreira Fernandes no DN, soube da troca de galhardetes, entre o colunista Tony Parsons, do Daily Mirror e o embaixador português em Londres. Por motivos que aqui não repetirei, o cronista britânico dirigiu-se ao representante luso nos seguintes termos: “Feche a sua estúpida boca de comedor de sardinhas.” Não terá tomado muito chá este Tony Parsons.
O provérbio português afirma que “A mulher e a sardinha nem a maior nem a mais pequenina”, apoiando que o ponto médio da distribuição de tamanhos da sardinha será a melhor em termos gastronómicos. Quanto às mulheres talvez não seja tão verdade como isso. Ao jornalista inglês faltou um pouco de meio-termo, pois ansiava que o embaixador tivesse afastado a brasa da sua sardinha e, já agora se possível, sem a comer…
Peixe não puxa carroça, mas neste caso o cronista Daily Mirror sem dúvida que a puxou …
Estes mimos zoo-gastronómicos acordaram outras memórias da relação cultural dos portugueses com os peixes.
Em visita familiar ao Brasil, e para além de habitual repertório de anedotas sobre lusitanos, foi avisado de que os nossos conterrâneos eram frequentemente chamados de “papa-bacalhau” devido à nossa paixão por aquele peixe.
Há cinco anos atrás, encontrava-me a trabalhar no American Museum of Natural History, quando outra referência ao fiel-amigo e os portugueses, foi-me introduzida por uma zoóloga canadiana. Durante a nossa apresentação, fui brindado com “Ah, vocês comem muito bacalhau, não comem? É que os stocks estão quase a desaparecer por vossa causa!” Depois do aperto-de-bacalhau literal, tentei argumentar que o bacalhau era muito mais do que um mero alimento em Portugal, que o papel deste peixe na vida dos portugueses não se limitava apenas a satisfazer a gula de uma qualquer refeição. Como castigo desta argumentação, pouco tempo depois andava eu, desesperado de desejo, pelos supermercados mexicanos de Brooklyn à procura de uma mísera posta de bacalhau…
Continuando em ambiente ictiológico, sempre que num congresso ou numa revista científica um grande especialista opina, é habitual que os colegas portugueses o designem por truta. Não imagino a origem de tal designação nem o porquê de sermos um povo que apesar de venerar dois peixes de mar – o bacalhau e a sardinha – utilizarmos um peixe de rio como sinónimo de perito.
Paradoxalmente ao que se diz no ambiente académico, aprendi que “A truta e a mentira, quanto maior melhor”. Resta-me apenas continuar a aprender com os trutas da minha área…já agora, de todas as áreas.
Apesar de se poder cair na brejeirice, a alusão piscícola que mais me agrada, é a proferida pela comunidade masculina sempre que se avista uma representante do sexo feminino de bela morfologia: “Mas que faneca!”.
Concluindo só me resta concordar com o dito “ O peixe deve nadar três vezes: em água, em molho e em vinho.”
Imagens:
EGEAC
Pieter Bruegel – “Les gros poissons mangent les petits” (1557)
Prato de bacalhau com grão
Cate Blanchett, actriz de “Little Fish”
Gustave Klimt – “The Blood of Fish” (1898)