O Plágio, o Bacalhau e a Rã
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 18/01/2007)
O plágio humano pode ser uma homenagem. Pode ser um reconhecimento. Pode ser agradecimento público. Pode ser feito às claras.
Mas não é nada disso.
É antes uma forma de usurpação do trabalho alheio. Um conceder de auto-indulgência à mediocridade e ao deixa-andar. Um permanecer no contentamento da pasmaceira intelectual.
O acelerar da tristeza da mediania.
O caso de aparente plágio, e digo aparente porque ninguém, à excepção do Provedor do Público o categorizou assim, muito menos o Sindicato dos Jornalistas, levado a cabo pela jornalista Clara Barata, despertou em mim o desejo de procurar exemplos naturais que estivessem relacionados com plágio.
No artigo que escrevi nestas páginas há uns meses e intitulado Falsificações Naturais referi alguns exemplos de cópias e imitações levadas a cabo na Natureza.
Nele referi casos de Evolução Convergente como, por exemplo, os membros anteriores das aves, dos morcegos e dos pterossauros (répteis voadores, parentes e contemporâneos dos dinossauros).
Um dos casos de evolução convergente que agora quero referir compreende proteínas que evitam o congelamento em águas muito frias.
Este tipo particular de glicoproteínas anticongelantes – AFGPs – permite aos peixes sobreviver em águas com temperaturas tão baixas quanto -1,9º C (a concentração de sal na água do mar baixa o ponto de congelação da mesma…).
Existem diferentes tipos de AFGPs que evitam o congelamento a diversos seres vivos – peixes, insectos e plantas – e em 1997 foi publicado no PNAS o caso de dois grupos de peixes filogenética (não-aparentados) e geograficamente distantes que possuem o mesmo tipo de anticongelante.
Este caso de evolução convergente tem como um dos protagonistas o denominado bacalhau do Árctico – Boreogadus saida (parente do bacalhau do Atlântico, Gadus morhua). O outro actor desta história de plágio natural habita o lado oposto do planeta – a Antártida – e dá pelo nome de Dissostichus mawsoni.
O mais interessante da referida publicação científica é o facto destes dois peixes – o do pólo norte e o do pólo sul, se assim os podemos chamar – terem desenvolvido o mesmo tipo de proteína anticongelante apesar de estarem separados quer ao nível da proximidade física quer “familiar”.
Outro facto curioso é de estes investigadores terem concluído que a mesma AFGP se originou por um percurso genético diferente nos distintos grupos bem como em momentos diferentes do passado. No caso do Dissostichus mawsoni do continente gelado do sul entre os 7 e os 15 milhões de anos; no caso do bacalhau do Árctico foi mais recente, há “apenas” 2 milhões de anos. Grupos e locais distintos utilizam as mesmas “armas”!
A rã do género Dendrobates pode ser uma verdadeira engenheira química. Esta variedade habita a América do Sul e América Central possuindo pele venenosa. Esta toxicidade cutânea tem fundamentalmente dois objectivos: repelir microrganismos que possam atacar a sua pele húmida e, por outro lado, defender-se dos ataques de predadores.
A matéria-prima para esta guerra química provém da ingestão que as rãs fazem quer de formigas, quer de artrópodes. O que investigadores descobriram é que os alcalóides -substâncias químicas tóxicas- não se apresentam na mesma forma em que foram ingeridas. No PNAS de Setembro de 2003, os investigadores relatam que a rã não só é capaz de ingerir os tóxicos como ainda os aperfeiçoa – até cinco vezes mais potentes!
A “maquinaria” celular – enzimas – destas rãs é verdadeiramente notável uma vez que não se limita a fazer “cortar e colar” dos venenos das formigas; melhoram-nos e aprimoram-nos!
Este caso não é plágio do mundo natural e deve servir-nos de referência- aproveitar o que há de bom, modificá-lo e produzir algo de novo.
O aparente silêncio a que a maioria da comunicação social remeteu o referido aparente plágio só me leva a concordar com Clara Ferreira Alves, que na última edição da revista Única do Expresso, escrevia “No mundo dos patrocínios e da subordinação ao economicismo, o jornalismo foi-se diluindo em formas que renegam e abandonam esse corpo de princípios e preceitos que fez o apogeu do jornalismo como quarto poder, e que determinará a sua queda e ascensão tecnológica dos “media” concorrentes.”
Esperemos que não.
Que a Wikipedia e outras formas de massificação da informação nos dias que correm sirvam para que aproveitemos o melhor, o transformemos e criemos algo de verdadeiramente original.
Nota – PNAS refere-se à publicação científica americana Proceedings of the National Academy of Sciences.
Imagens: identificada na primeira e a segunda daqui