Pirâmides nas trevas
Em 1988, eu e o meu pai tínhamos chegado ao Cairo pela noite.
A escuridão e o calor foram as primeiras sensações que tive do Cairo.
Era tarde e fomos transportados directamente do aeroporto para o hotel. Cansado, acabei por adormecer sem verdadeiramente perceber que estava noutro país, noutro continente.
Acordei bastante cedo, despertado pelo sol que entrava pelas cortinas do quarto. O meu pai ainda dormia. Levantei-me e, como sempre, procurei o sol matinal.
Abri as cortinas com as duas mãos para ver a cidade do alto, já que o nosso quarto estava num dos últimos andares hotel.
Não mais esqueço a sensação que tive de seguida. A interromper a paisagem amarelada, de casas que me pareciam de areia ou cartão, ao fundo plantava-se um objecto geométrico, enorme. A escala do objecto foi o que me deixou sem fôlego. Apesar de estar a vários quilómetros de distância, o objecto, porque apenas um me parecia, interrompia-me o horizonte de uma forma como nada até aí o havia feito.
“Pai, anda ver!”, chamei.
O meu pai, sem que eu tivesse percebido, estava desperto, atrás de mim.
“Sim, são as pirâmides”, disse-me ele.
E ficámos os dois, por uns instantes, a ver aqueles gigantescos objectos que interrompiam o horizonte, como se tivessem caído do céu.
Na véspera, a escuridão não havia deixado perceber a escala das coisas.
Esta banal história veio-me à memória, no meio de informações ininterruptas que me chegam do Egipto e do Cairo.
Algo grande aparece no horizonte, mas ainda não se entende o que é, através da escuridão que é a incerteza.
Que não venham as trevas, espero, quer sob a forma de Irmandades Muçulmanas, quer de quaisquer outros tipos.
Apenas isso.
Que as trevas não impeçam que se veja a escala das coisas.
Já agora: proporá também a Esfinge egípcia um enigma aos manifestantes?
Imagem: daqui