Leôncio de Atenas foi uma filósofa que viveu por volta de 300 a.C. e é comumente associada à escola epicurista. Infelizmente, assim como é o caso de muitas filósofas antigas, poucos detalhes sobre sua vida foram preservados, mas sua presença no Jardim de Epicuro, uma comunidade filosófica em Atenas, é reconhecida, e ela é mencionada em fontes antigas, como Diógenes Laércio e Plutarco. Como nos mostra Raquel Wachtler Pandolpho, autora do verbete, Leôncio foi uma pensadora ativa, tendo escrito refutações filosóficas, incluindo uma crítica a Teofrasto, sucessor de Aristóteles. Esse escrito, embora perdido, foi suficiente para que fosse lembrada como uma pensadora audaciosa.
Apesar de sua importância filosófica, Leôncio foi retratada diversas vezes ao longo de escritos de sua época de maneira sexista, sendo frequentemente alvo de rumores difamatórios. Essas descrições buscavam diminuir a autoridade de Leôncio e enfraquecer o movimento epicurista como um todo. Contudo, tais acusações não apagaram a relevância de suas ideias, que eram discutidas e respeitadas dentro do círculo epicurista. O verbete nos mostra que Leôncio também foi inclusive mencionada em algumas fontes como possível líder do Jardim, o que sugere sua influência significativa na comunidade filosófica. Ela teria ocupado uma posição de autoridade ou gestão no Jardim, responsabilidade atribuída a pensadores avançados. Sua figura representa não apenas a mulher pensadora que desafiava as normas de seu tempo, mas também a intelectual que contribuiu para a formação e consolidação do pensamento epicurista.
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Λεόντιον, Leontium, Leontion, Leontina ou Leôncio de Atenas
(fl. 300 AEC)
por Raquel Wachtler Pandolpho,
doutoranda em Filosofia na Universidade Federal de Sergipe – Lattes
Leôncio — nome que significa “pequena leoa” (Gordon, 2012, p.92 e Arenson, 2023, p.81) — floresceu em 300 AEC, atuou ativamente no Jardim de Epicuro, escreveu em habilidoso estilo ático um texto refutativo contraTeofrasto, foi íntima de Epicuro com quem trocou cartas filosóficas que, de acordo com Diógenes Laércio, foram lidas coletivamente e proporcionaram fortes aplausos dos companheiros epicuristas. Apesar de Leôncio ter ficado conhecida como “Leôncio de Atenas” por conta de sua notória presença no Jardim de Epicuro, não sabemos o local de nascimento desta filósofa. Alguns estudiosos defendem que Leôncio era ateniense (Peck, 1898; Castner, 1982; Dorandi, 2005; Ménage, 2009; Usener, 2010), tendo se juntado à comunidade epicurista quando esta se estabeleceu em Atenas (Rist, 1972). Também é possível supor, considerando o longo poema Leontion, composto em dísticos elegíacos por Hermesíanax de Cólofon em homenagem a sua amante, cujos versos foram preservados por Ateneu de Náucratis, que Leôncio começou sua carreira como “acompanhante” em Cólofon (Méndez Lloret, 2004). Contudo, também é possível que a Leôncio de Cólofon, amante de Hermesíanax, não seja a mesma Leôncio do Jardim de Epicuro (Chaussard, 1822). A maioria das fontes (Diógenes Laércio, Plutarco, Sêneca, São Jerônimo e outros) indica que Leôncio teria se casado ou vivido em concubinato com Metrodoro de Lâmpsaco com quem teria tido um filho chamado Epicuro. Certas fontes (Plínio, Ateneu, Alcifrão, Cleomedes e outros) fazem de Leôncio concubina ou amante de Epicuro. Leôncio também teria tido uma filha de nome Dânae que, segundo Filarco via Ateneu, exerceu, como a mãe, a profissão de “acompanhante” ou “companheira” (hetaira).
Embora Leôncio tenha escrito cartas filosóficas e pelo menos um texto de refutação endereçado ao sucessor de Aristóteles no Liceu, seus escritos não foram preservados, nem fragmentariamente. Inacessível para nós, sabemos que o escrito contra Teofrasto impactou o suficiente para essa filósofa ser lembrada séculos depois como “meretrícula” (Cícero, A natureza dos deuses, 1.93) que ousou —ausa est— escrever refutando um peripatético tão eloquente que seu próprio nome significava “orador divino” (Plínio, História natural, prefácio, 29). Da mesma forma que ocorre com outras filósofas antigas, as informações sobre a vida de Leôncio são transmitidas indiretamente e, quase sempre, por meio de menções problemáticas e descrições sexualizadas presentes em testemunhos doxográficos escritos, majoritariamente, por detratores homens. Os ataques a Leôncio, cabe destacar, não só intencionam mitigar a força filosófica desta intelectual, mas buscam atingir também as amigas e amigos da sabedoria que coletivamente viviam no Jardim, já que o tom difamatório inerente à doxografia de Leôncio faz parte de uma ostensiva campanha anti-epicurista.
Dentre os rumores sobre a vida de Leôncio, existe a poderosa fofoca filosófica de que essa pensadora teria, temporariamente, assumido a direção —prostasia— do Jardim (Festugière, 1946; Castner, 1982; Mazel, 1988; Snyder, 1989; Kersey, 1989) ou talvez alguma outra posição de autoridade na hierarquia didática epicurista, uma vez que os avançados na doutrina se responsabilizavam, quando delegados por Epicuro, por diversas atividades relacionadas à gestão do Jardim, além de se engajarem nas produções desenvolvidas na Casa Editorial (provavelmente localizada no demo de Melite) dessa comunidade filosófica. A base comum que conduz à inferência dessa posição de autoridade que Leôncio teria alcançado na comunidade epicurista é a interpretação proposta por Jensen (1933) de um fragmento de Filodemo que preserva uma carta de Epicuro em que é mencionada essa nomeação de Leôncio para o cargo, nomeação que parece ter suscitado críticas por parte de Timócrates. No trecho: “Asclépio tranquiliza Epicuro contra as críticas de Timócrates sobre sua nomeação de Leôncio para este cargo (a carta é aparentemente de Epicuro para Idomeneu sobre o assunto do orgulho)” (Castner, 1982, p.56, n.16). Cabe citar a versão de Festugière que oferece uma re-leitura da interpretação de Jensen desse trecho, em Epicuro e seus Deuses (1946, n.18).
Agora, quanto aos insultos que ele (Timócrates) reuniu contra você, ele nem mesmo consegue caluniar você quando ele chama de vergonhoso para todos vocês que Leôncio tenha recebido por um curto período a presidência sobre os outros discípulos, mesmo sobre uma mulher casada (Temista). Ele não tem o direito de rir de tais coisas e ao tentar trazer desonra a você ele mesmo é desonrado. A presidência pode ser dada a qualquer um, uma vez que eles sozinhos exercem por sua vez a função de árbitro…
Contudo, nem todos os comentadores estão de acordo com tal leitura de Filodemo proposta por Jensen. Gordon (2004), por exemplo, considera sem fundamento a análise do trecho realizada por Jensen. De todo maneira, se foi diretora do Jardim ou não, existem outros testemunhos que endossam essa posição de prestígio que Leôncio parece ter desfrutado nos meios epicuristas. Em Plínio, o Velho, por exemplo, consta na História natural (35.99 e 35.144) que Leôncio foi pintada pelo menos duas vezes por artistas tebanos. O enciclopedista indica uma pintura de Aristides de Tebas — que parece ter sido contemporâneo da epicurista (Gordon, 2012, p.104) — retratando “Leôncio de Epicuro” (Leontium Epicuri) e ao abordar Theoros de Tebas, o naturalista romano descreve uma pintura ainda mais relevante para a construção da imagem de Leôncio como filósofa, afirmando que Theoros teria pintado: “Leôncio de Epicuro pensando” ou “meditando” (Leontium Epicuri cogitantem). Como notou Capasso sobre esta arte de Theoros, a nítida referência do pintor à atividade meditativa de Leôncio está alinhada a uma tradição retratística tipicamente filosófica e característica da cultura figurativa ática, especialmente após Platão (Capasso, 1991, p.303).
Ainda sobre representações artísticas associadas a Leôncio, cabe mencionar as inovadoras pesquisas feitas a respeito da estátua de Santo Hipólito, atualmente localizada na Biblioteca do Vaticano. As análises de Guarducci (1974) demonstram que, apesar da parte superior da escultura representar Santo Hipólito, os pés e as bainhas caneladas das roupas que adornam a figura revelam que a estátua original representava uma mulher. Guarducci vai mais longe ao propor que, considerando a posição em que a figura está sentada — com a perna direita projetada para frente e a esquerda relaxada, assemelhando-se às estátuas de Epicuro — e a estilização do trono (arredondado com apoios dianteiros na forma de cabeças e pés de leão), a estátua original provavelmente representava uma líder do Jardim de Epicuro. Enquanto Guarducci associa essa líder epicurista à Temista de Lâmpsaco, Fischer (1982) defende que há maior probabilidade dessa estátua representar a filósofa-hetaira Leôncio.
A obra de Leôncio
É possível distinguir na doxografia de Leôncio dois tipos de testemunhos. O primeiro tipo, infelizmente mais raro, apresentou esta intelectual grega como um modelo a ser seguido já que suas origens humildes não a impediram de filosofar, tal qual o sapateiro Héron (Aélio Theon, Progymnasmata 8, 2.111-112). Nesse primeiro tipo de fonte, Leôncio também é retratada como: uma pensadora admirada por Epicuro (Diógenes Laércio, Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres, 10.5), uma mulher que foi escolhida como esposa por Metrodoro (Sêneca, Sobre o casamento, Fr.45 = U19; Jerônimo, Contra Joviano, 1.48), uma filósofa rememorada como ativa interlocutora do fundador do Jardim até por epicuristas tardios (Filodemo de Gádara, Vol. Herc. 1, II.9 e Vol. Herc. 2, I.119 e I.149), uma humana agraciada por Atena e Afrodite: “Eu, o lápis, era prateado ao sair do fogo, mas em suas mãos eu me tornei dourado como ouro. Assim, encantadora Leôncio, Atena te presenteou com supremacia na arte e Cípris com supremacia na beleza.” (Anônimo, Antologia grega, 16.324). Adiante detalharemos melhor a importância deste epigrama para criação de uma elegia a Leôncio.
O segundo tipo de testemunho, embora abunde em informações, carrega, para além do ódio ao epicurismo, uma postura declaradamente misógina, criando caricaturas pornográficas e deturpando a imagem não só desta mulher filósofa, mas hipersexualizando também várias outras hetairai epicuristas, transformando o hedonismo moderado praticado no Jardim num tipo de sensualismo desenfreado e frenético (Capasso, 1991, p.300). Desse tipo são os testemunhos de Plutarco, Cícero, Plínio, Ateneu, Alcifrão, Cleomedes e Clemente de Alexandria. Essa visão corrompida do epicurismo começou a se originar quando a geração de fundadores do Jardim ainda vivia. Epicuro tinha inimigos profissionais que ganhavam a vida espalhando calúnias sobre sua filosofia. Ressentidos com o Jardim, Teodoro e Timócrates — irmão de Metrodoro — não perdiam uma só oportunidade de debochar do epicurismo. Segundo Diógenes (10.6-7), ambos citaram Leôncio e outras hetairai em tom depreciativo ao formularem suas críticas ao mestre epicurista, nas obras Contra Epicuro e Prazeres.
Posto que a pauta da participação feminina no epicurismo é reportada por esse segundo tipo de testemunho apenas para censurar tal abertura e denunciar a “licenciosidade” da comunidade epicureia, é com muito cuidado que devemos proceder na utilização dessas fontes. Entretanto, é importante não as ignorar, extraindo delas o que pode ser vantajoso para regeneração da herança filosófica de Leôncio. Plutarco, por exemplo, repete em cada um de seus ensaios anti-epicuristas que os livros, cartas e ensinamentos de Epicuro eram direcionados para “todo homem e toda mulher” (Não é possível viver prazerosamente seguindo Epicuro, 1094d; Contra Colotes, 1126f; Se “vive despercebido” foi sabiamente dito, 1129a). Ateneu, por sua vez, apesar de introduzir Leôncio com uma piada histerofóbica que reforça a competição feminina (Banquete dos sábios, 13.49, 585d), aponta que Leôncio mantinha, simultaneamente, sua atividade filosófica e a profissão de hetaira (Banquete dos sábios, 13.53, 588b), além de trazer uma intrigante história sobre Dânae, filha de Leôncio, apresentando-a como uma hetaira de lealdade heroica (Banquete dos sábios, 13.64, 593b-d).
Já na obra ficcional Cartas das cortesãs, escrita por Alcifrão, deparamo-nos com uma Leôncio que manifesta intensa repulsa por Epicuro, retratado como um idoso possessivo. A filósofa epicurista, em desabafo com a amiga Lâmia, afirma que não sabe quanto tempo mais irá suportar o filósofo e suas cartas incompreensíveis, revelando que seu desejo é ser “senhora (kuria) de si mesma” (Alcifrão, Cartas das cortesãs, 4.17.2). Como notou Fletcher, a Leôncio alcifroniana: “resiste à autoridade da filosofia epicurista, tornando-se sua própria kuria. No entanto, e aqui está a reviravolta, ela o faz de acordo com os princípios epicuristas. Ao rejeitar Epicuro, ela segue fielmente suas diretrizes.” (Fletcher, 2012, p.79). Cícero, por sua vez, imputa a Leôncio a autoria do escrito contra Teofrasto (A natureza dos deuses, 1.93). Tal autoria feminina do polêmico escrito refutando Teofrasto é reafirmada por Plínio que, buscando descredibilizar estoicos, lógicos e outros críticos de sua obra, afirma: “até mesmo uma mulher certa vez escreveu contra Teofrasto, um homem tão eminente por sua eloquência que ganhou seu nome, o qual significa orador divino, e dessa circunstância se originou o provérbio ‘escolher a árvore para se enforcar’.” (Plínio, História natural, prefácio, 29).
Refutando as subestimações sexistas de Plínio, o Velho, o escrito de Leôncio contra Teofrasto não performou um “suicídio literário e filosófico” (Capasso, 1991, p.311). Muito pelo contrário, é exatamente pela combatividade audaciosa de sua escrita que Leôncio foi e continua sendo — ainda que não o bastante para torná-la amplamente popular ou devidamente reconhecida — rememorada pela posteridade, marcando presença também em obras medievais como em Mulheres famosas de Boccaccio (1361-1362). Boccaccio, contudo, menospreza Leôncio, afirmando que sua invectiva contra Teofrasto foi “motivada pela inveja ou pela temeridade feminina” (2003, p.124), inventando que tal filósofa possuía uma “disposição invejosa” mesmo sem nunca ter lido sua obra. Em seguida, Boccaccio chama Leôncio de “pequena vagabunda” de “coração impuro” que “manchou a Filosofia”, pisoteando-a com “pés lascivos” e mergulhando-a em “esgotos imundos” (idem, p.125).
De todo modo, Boccaccio finaliza a entrada LX da obra Mulheres famosas admitindo a força de Leôncio, que perverteu a fraca Filosofia como quis: “Honestamente, não sei se devo dizer que Leôncio era a mais forte das duas, pois arrastou a Filosofia para um lugar tão perverso, ou que a Filosofia era a mais fraca porque permitiu que um coração iluminado fosse dominado pela licenciosidade…” (idem, p.125). Essa coletânea de biografias de Boccaccio foi, muito provavelmente, lida pela filósofa Christine de Pizan, influenciando na elaboração de seu livro Acidade das damas (1405). Lembrando e fazendo lembrar diversas mulheres de grande erudição, Pizan defende Leôncio dos ataques de Boccaccio, descrevendo-a como “uma filósofa tão hábil que resolveu repreender e refutar com argumentos claros e justos o filósofo Teofrastes, tão ilustre em seu tempo.” (Pizan, 2012, p.132).
Na obra História das mulheres filósofas (1690)de Gilles Ménage, Leôncio é recordada junto a outras duas epicuristas, a saber, Temista e Teófila. Em Fragmentos e elogios de mulheres gregas que usaram prosa, publicado em 1739 por J. Ch. Wolf, testemunhos doxográficos de Alcifrão, Ateneu, Cleomedes, Diógenes Laércio e Plutarco sobre Leôncio são reunidos e organizados ao lado de fragmentos e testemunhos da escrita em prosa de outras filósofas gregas, tais como Mia de Crotona, Aspásia de Mileto, Hipárquia de Maroneia e outras. O nome de Leôncio aparece também em vários dicionários, enciclopédias e outras compilações (Tooke, Beloe & Nares, 1798; Díez Canseco, 1844; Andrews & Lewis, 1879; Peck, 1898; Bowder, 1982; Kersey, 1989; Dorandi, 2005), além de ser, por vezes, recordado em estudos sobre mulheres na Antiguidade (Chaussard, 1822 e Pomeroy, 1999), especialmente naqueles que tratam de filósofas ou escritoras (Wider, 1986; Snyder, 1989; Alic, 1991; Bruzzese & Martino, 1994; Hawley, 1994; Dueso, 2013; Arenson, 2023)
Cartas
A produção epistolar está nas origens do epicurismo e se mantém vital no decorrer do desenvolvimento desse modo de filosofar e viver: antes do Jardim ser fisicamente fundado, em 306 AEC, as longas viagens que Epicuro fazia para visitar seus amigos-filósofos e a correspondência que o filósofo mantinha com eles iam delineando os contornos dessa singular filosofia, pavimentando os caminhos que posteriormente possibilitaram a criação de tal comunidade filosófica. De acordo com Laércio, Epicuro foi um autor muito produtivo: “ultrapassou todos no número de obras. Com efeito, rondam as trezentas” (Vidas, 10.26). Contudo, somente algumas de suas cartas e máximas foram preservadas até nossos dias. As epístolas de Epicuro, geralmente endereçadas a seus companheiros e companheiras em filosofia, sintetizavam os principais ensinamentos do mestre que, muito provavelmente, também eram expostos de modo mais complexo e detalhado em outros escritos.
Sabemos, sobretudo por meio de Diógenes, Filodemo e Alcifrão, que Leôncio também se envolveu na correspondência epicurista. No livro X de Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres, Diógenes informa que Epicuro: “se correspondeu com muitas outras hetairai, em particular com Leôncio, por quem Metrodoro também estava apaixonado.” (10.6). Lembrando que é possível entender as hetairai como “acompanhantes” profissionais e também é possível compreendê-las como “companheiras” em filosofia, associadas ao Jardim. Laércio preservou a seguinte frase de umas das cartas de Epicuro para Leôncio: “Deus da Cura! Senhor! Pequena Leôncio querida, que transbordamento de alegria me inspirou a leitura de tua carta!” (10.5). Apesar de breve, essa frase de Epicuro endereçada a Leôncio é valiosa por muitos fatores. Nela podemos constatar a admiração de Epicuro e outros companheiros em filosofia por uma carta de Leôncio, informando que essa epístola foi lida coletivamente, talvez no Jardim, talvez na Casa de Melite, talvez em ambos os ambientes, mas certamente servindo como ferramenta de instrução para as/os colegas epicuristas.
Em A dimensão comunitária do Jardim de Epicuro, Rebeca Martins elenca os seguintes modos de transmissão da doutrina epicurista: (1) leituras em conjunto, (2) exercícios de decoração dos principais pontos da doutrina epicurista, por vezes sintetizados em máximas, (3) debates filosóficos que valorizam a oralidade, além da possível presença de (4) reuniões para os mais avançados na doutrina, conforme reportado por Timócrates, que provavelmente ocorriam na Casa de Melite (Martins, 2023, p.104). Nesse sentido, a leitura em conjunto da carta de Leôncio sinaliza que a produção epistolar dessa membra do Jardim era estimada por seus companheiros em filosofia, performando um importante material didático junto a outras cartas epicuristas. Enquanto uma amiga-filósofa avançada na apreensão e discussão da doutrina, Leôncio possivelmente participava também das reuniões que parecem ter ocorrido na Casa de Melite. Localizada no demo de Melite, esta casa de Epicuro, além de ser a residência do mestre e dos primeiros membros da comunidade epicureia, parecia funcionar: “como uma espécie ‘gabinete’ editorial, de onde saiam cartas e textos do mestre e, muito provavelmente, desses outros epicuristas…” (Martins, 2023, p.80).
Testemunhando a intimidade de Leôncio com as produções e discussões dos primeiros membros epicuristas, é oportuno citar dois fragmentos preservados por Filodemo de Gádara. No primeiro deles, reproduzido por Filodemo como proveniente de uma carta de Metrodoro a Crono, o parceiro de Leôncio afirma: “Na verdade, não foram poucas as vezes que Leôncio falou de você a Epicuro em termos lisonjeiros e convenientes…” (Filodemo, Vol. Herc. 2, I.119). Outro fragmento de Filodemo importante de ser destacado — especialmente quando o intuito é sondar as contribuições filosóficas de Leôncio — encontra-se no tratado Peri parrhèsias. Sobre a importância da parresía para a filosofia, cabe citar Foucault: “A parresía como forma de vida, a parresía como modo de comportamento, a parresía até na própria indumentária do filósofo são elementos constitutivos desse monopólio filosófico que a parresía reclama para si.” (Foucault, p.291, 2010). No Peri parrhèsias Filodemo discutiu as especificidades da parresia epicurista e sua relevância principalmente em contextos educativos. Em seu artigo sobre escravizados e hetairai no Jardim de Epicuro, Giovacchini (2022, p.164) relembra que Leôncio é curiosamente mencionada num fragmento deste tratado de Filodemo, exemplificando o exercício parresiasta epicurista que permite ao professor aprender com a aluna e francamente transmitir tal aprendizado para outro aluno: “o que Epicuro aprendeu com Leôncio, ele transmitirá a Colotes…” (Filodemo, Vol. Herc. 1, II.9).
Filodemo também informa — num texto refutativo cujo título preservado de modo fragmentário é Pros tous…, ou seja, Contra o… ou Para o… — que certo homem: “reclamava repetidamente que Leôncio e outra hetaira eram mencionadas na pragmateia e que Nicídion era amante de Idomeneu, Mamarion de Leonteu e Demetria de Hermarco” (Filodemo, Vol. Herc. 2, I.149). Como nota Gordon (2012), esse homem a quem Filodemo se refere já foi visto como um oponente estoico, um desertor tal qual Timócrates e até mesmo um epicurista desarraigado. Atualmente, a interpretação de que esse homem não passava de um epicurista resmungão — “um leitor insensível e preguiçoso dos textos originais de Epicuro” (idem, p.96) — vem ganhando peso. Depreende-se daí que: “Filodemo está criticando um epicurista rebelde por interpretar Epicuro de forma ruim, não por acreditar em mulheres que não existiam; […] a reclamação de Filodemo é que eles são leitores ruins, não que nunca leram o texto…” (idem, ibidem). No que concerne a Leôncio, importa frisar nessa passagem de Filodemo a possibilidade desta filósofaepicurista ter sido citada, ao lado de outras mulheres do Jardim, em textos que ainda eram lidos e debatidos durante o epicurismo tardio, fato que parece ter despertado a efusiva indignação do mau leitor resmungão, atacado por Filodemo.
Ainda sobre o gênero epistolar na escrita de Leôncio, não podemos deixar de relembrar a carta fictícia de Leôncio a Lâmia fabricada por Alcifrão (Cartas das cortesãs, 4.17). Das dezenove cartas criadas por Alcifrão, Leôncio é a única hetaira epicurista em meio a várias outras hetairai literárias e históricas. Alguns comentadores defendem que essa carta, embora fabulada, transmite uma amizade factual entre Lâmia, concubina de Demétrio Poliorcetes, e Leôncio (Capasso, 1991, p.296). Outros, entretanto, indicam que a hetaira Leina (Leoa) era a real correspondente de Lâmia e não Leôncio (Pequena Leoa), sendo essa troca de nomes parte da piada de Alcifrão (Gordon, 2004, p.237, n.44). De toda forma, a maioria dos estudiosos concorda no seguinte ponto: essa carta alcifroniana de Leôncio a Lâmia endossa a posição da hetaira epicurista enquanto autora do gênero epistolar, além de reiterar a importância didática da correspondência filosófica em meios epicuristas.
Contra Teofrasto
Já mencionamos anteriormente que A natureza dos deuses (1.93)de Cícero e a História natural (prefácio, 29) de Plínio são as principais fontes que temos para atestarmos, no primeiro caso, a ousada autoria filosófica do escrito contra Teofrasto de Leôncio e, no segundo caso, a confirmação de que a autora deste texto refutativo é uma mulher na “missão suicida” de escrever filosoficamente contra um homem que foi sucessor de Aristóteles na direção do Liceu e que possui uma habilidade oratória supostamente divina. Impossível imaginar esse embate entre Leôncio e Teofrasto sem rememorar Hipárquia, a cadela-filósofa que de maneira mordaz enfrentou diretamente Teodoro nas vezes em que foi afrontada por este homem. Leôncio empenhou-se em escrever um texto refutando Teofrasto principalmente a partir de argumentos teológicos, assim como a filósofa cínica Hipárquia explicitou seu modo de vida filosófico em seu posicionamento irreverente nos banquetes, do sexo público nas praças e por meio de seus escritos refutativos como Questões para Teodoro, o Ateu.
Capasso mostrou, em seu estudo chamado Uma árvore para Leôncio, que ao abordarmos o escrito contra Teofrasto entra em cena uma acirrada contenda, pois os comentadores do epicurismo não conseguem chegar a um consenso sobre quem teria escrito esse texto. Foi Leôncio ou foi Epicuro? Inicialmente Capasso (1991, p.305) recorda Usener supondo que Cícero teria atribuído a autoria a Leôncio seguindo Clitômaco que, por sua vez, teria escutado estes rumores de Carnéades. Postulando tal genealogia, Usener dá a entender que o escrito contra Teofrasto foi composto por Epicuro e com o tempo foi atribuído a Leôncio por sua erudição (Usener, 2010, p.101). Na sequência, Capasso lembra que Isnardi concorda com Usener: o autor do texto seria Epicuro (Capasso, 1991, p.307). Enquanto isso, Bignone e Schmid seguem a passagem ciceroniana (idem, p.306). Já para “Pease e Arrighetti, tanto Epicuro quanto Leôncio podem ter composto escritos contra Teofrasto” (idem, ibidem).
Capasso abraça então essa perspectiva proposta por Pease e Arrighetti, uma vez que: “Teofrasto representou o principal alvo do círculo epicurista. A circunstância pode justificar a existência de escritos anti-teofrastianos de diversos representantes da escola” (idem, pp.307-308). Reiterar aqui a provável existência de um gabinete editorial epicurista, localizado em Melite e que funcionava simultaneamente ao Jardim, ajuda a contextualizar o ambiente no qual esses escritos anti-teofrastianos foram possivelmente produzidos. Ademais, se Filodemo (Vol. Herc. 1, II.9) retratou o preceptor epicurista como uma figura capaz de exercitar a humildade franca da autocrítica e do aprendizado em conjunto com os pupilos (tendo Epicuro transmitido o que aprendeu com Leôncio para Colotes), podemos supor que os escritos dos epicuristas maduros dialogavam entre si, se complementando reciprocamente.
Endossar a hipótese de que foram escritos diversos textos anti-teofrastianos no seio do epicurismo não significa duvidar da autoria de Leôncio. Na verdade, seja supondo a existência de múltiplos escritos anti-teofrastianos, seja supondo uma espécie de autoria polifônica de uma só obra refutando Teofrasto, é necessário ou incluir Leôncio no rol de autores ou ignorar levianamente a passagem ciceroniana que reporta tal autoria do texto epicurista contra Teofrasto. Usener reproduz um testemunho de Plutarco (Contra Colotes, 1110c = U30) sobre este escrito anti-teofrastiano, no qual descobrimos que tal obra era composta por pelo menos dois livros dedicados, entre outras questões, às cores dos corpos em relação às faculdades visuais do ser humano. De acordo com Bignone (1936), tratava-se de um escrito teológico assinado por Leôncio que expunha, não um trabalho teórico particular, mas uma defesa da “teologia de Epicuro” (cf. Festugière, 1946). Nesse sentido, Leôncio teria participado da polêmica entre Epicuro e a escola aristotélica, defendendo Epicuro dos ataques de Timócrates que, colocando-se do ponto de vista teórico da teologia estelar de Aristóteles e Teofrasto, acusou o filósofo do Jardim de ateísmo (Bignone, 1964, p.164, n.2).
Cabe destacar que Teofrasto, conforme Estobeu (Antologia, 4.16.30), dizia que educação em demasia torna a mulher preguiçosa, charlatã e intrometida. Desse modo, Teofrasto defendia “uma paideia que fortalecesse a desigualdade natural entre homens e mulheres da qual falava Aristóteles” (Méndez Lloret, 2004, p.345). Decerto que tais opiniões também devem ter sido influenciadas pela situação embaraçosa na qual Teofrasto se encontrou após ter sido refutado por uma mulher. O plot twist está no fato de hoje Teofrasto ser recordado principalmente enquanto alvo refutativo de Leôncio. Como nota Méndez Lloret, não sabemos se este texto de Leôncio era uma epístola, um tratado ou algum outro tipo de obra, se era mais ou menos extensa. Não sabemos nem qual era o título desse escrito (idem, p.347, n.18), se era intitulado literalmente Contra Teofrasto, ou não, mas sabemos que:
Esse tipo de escrita tinha o propósito imediato de desacreditar ensinamentos rivais. Parece que era costume o próprio Epicuro assumir esta tarefa no caso dos pensadores vivos, enquanto seus colegas se encarregavam dos mortos e de assuntos de menor importância. Leôncio é uma rara exceção a este princípio (idem, p.345).
Por último, é importante constatar que, apesar de Cícero (A natureza dos deuses, 1.93) evocar Leôncio no texto maliciosamente, com intenções de deflagrar a licenciosidade do Jardim de Epicuro, chamando-a “meretrícula” que ousou atacar argumentativamente Teofrasto por meio da escrita refutativa, ele não deixa de salientar a elegância do estilo puramente ático (sermone et Attico) desta habilidosa filósofa epicurista. Considerando que este orador romano, como inúmeros outros retóricos do período, exaltava o estilo ático enquanto depreciava o estilo asiático, esse comentário sobre estilística da escritura de Leôncio é um elogio e tanto. O curioso é perceber que também Alcifrão apresenta Leôncio enquanto uma escritora de estilo ático que se incomodava bastante com as “impurezas linguísticas” (Capasso, 1991, p.307) praticadas por Epicuro, que utilizava termos considerados impróprios para um filósofo ateniense (Alcifrão, Cartas das cortesãs, 4.17.5-6).
Artes inspiradas em Leôncio
Além das pinturas dos tebanos Aristides e Theoros retratando Leôncio que foram registradas por Plínio em História natural e da possível representação de Leôncio numa escultura que posteriormente passou a representar Santo Hipólito, essa filósofa epicurista também fez aparições em artes modernas. Por exemplo, na calcogravura de Ludwig Portman, datada de 1803, intitulada Epicuro e Leôncio ou na pintura de William Stott (1857-1900) chamada Esconde-esconde no Jardim de Epicuro, Leôncio e Ternissa. Ademais, em dois manuscritos diferentes (BL Royal 16 G V, f.74; BL Royal 20 C V, f.96v) que contêm traduções francesas anônimas (Le livre de femmes nobles et renomées) da obra Sobre as mulheres famosas de Boccaccio, Leôncio e Epicuro são ilustrados de modo desconcertante. Leôncio parece voltar sua atenção para uma estante de livros enquanto Epicuro, abraçando a filósofa por trás, importuna a mulher leitora, interrompendo sua atividade intelectual de maneira lasciva. Uma terceira iluminura, intitulada Leontion e muita parecida com essas outras duas, pode ser encontrada num manuscrito francês (Cas des nobles hommes et femmes, ms. francês 12420, f. 93r, Biblioteca Nacional da França, Departamento de Manuscritos).
Leôncio também inspirou poesias e outros gêneros literários. No epigrama anônimo no livro XVI da Antologia grega, por exemplo, a hetaira-filósofa é associada a um lápis, lápis que funciona no epigrama como o Eu lírico do poema. Tal epigrama apresenta Leôncio de forma elogiosa ao dizer que nas mãos dessa hetaira-filósofa o lápis teria passado da prata ao ouro, retratando-a também enquanto mulher agraciada por Cípris e Atenas. Em O sonho de uma garota grega sobre as ilhas abençoadas de Thomas Moore, Leôncio aparece logo no terceiro verso, como fonte de amor e sabedoria. Lope de Vega, por sua vez, em A donzela Teodor, relembra Leôncio e seu escrito contra Teofrasto ao lado dos feitos de outras pensadoras como Hipátia, Teano e Sosípatra. Em Conversas imaginárias de Walter Savage Landor, o escritor inglês imagina um diálogo entre Epicuro, Leôncio e Ternissa.
Mulheres no Jardim de Epicuro
Não é possível concluir se as epicuristas foram rotuladas como “hetairai porque se envolviam em comportamentos incomuns e possivelmente percebidos como escandalosos em sua época, como filosofar junto com os homens” (Arenson, 2023 p.83) ou se elas atuaram como “acompanhantes”. Da mesma forma, é difícil definir qual era a atuação das “companheiras”. Sabemos que a “invenção da hetaira” (Kurke, 1997) depende de, no mínimo, duas dicotomias: hetaira-porne (prostituta comum) e esposa-hetaira. Kennedy (2015) argumentou que as hetairai eram mulheres de elite, educadas, às vezes estrangeiras e às vezes cidadãs, que participavam dos simpósios e desfrutavam de estilos de vida luxuosos. Nesse sentido, o que essas mulheres tinham em comum, além da atuação banqueteira, não era a carreira na indústria do sexo e sim a solteirice imposta por circunstâncias financeiras e/ou políticas, por exemplo, não terem condições de bancar o dote ou serem estrangeiras. É exatamente por esse status de não-casáveis que as “acompanhantes”foram hipersexualizadas.
Reunindo os nomes mencionados por Laércio, Plutarco, Filodemo, Cleomedes e Ateneu, chegamos à seguinte listagem de mulheres epicuristas: Batis (irmã de Metrodoro e esposa de Idomeneu), Boidion, Demetria (amante de Hermaco), Erótion, Filênis, Hedeia, Leôncio, Mamarion (amante de Leonteu), Nicídion (amante de Idomeneu) e Temista (esposa de Leonteu). Se contarmos com Dânae, filha de Leôncio, a quantidade de epicuristas ultrapassa uma dezena. Das epicuristas listadas, apenas Batis e Temista são lembradas como esposas e não como hetairai. Apesar de Filodemo mencionar Demetria, Hedeia, Leôncio, Mamarion e Nicídion, não podemos atestar que essas mulheres participaram do Jardim, nem assegurar sua atuação filosófica em tal ambiente, sendo que algumas delas podem ter sido inventadas ou associadas ao epicurismo por fontes hostis que seguiram as pistas de Timócrates, como Plutarco e Cleomedes (única fonte a inserir Filênis no meio epicurista).
Como observou Gordon: “Talvez Leôncio (cujo status não é apenas o de ‘hetaira’), Batis e Temista fossem as únicas mulheres participantes de conversas filosóficas no início do Jardim.” (2012, p.97). Contudo: “Se descontarmos o relato de Timócrates sobre o estilo de vida epicurista, no entanto, e eliminarmos os nomes que soam eróticos de nossas listas de epicuristas de primeira geração, ficamos com pouquíssimas mulheres.” (Gordon, 2004, p.237). Já Nussbaum, em A terapia do desejo (2013), elegeu Nicídion para protagonizar sua peregrinação terapêutica, imaginando-a como discípula a percorrer diversas escolas filosóficas. Ao mesmo tempo, Nussbaum, assim como Snyder (1989), acaba tornando fictícias várias mulheres epicuristas na passagem em que chama atenção para a erotização exacerbada de seus nomes. Castner, por sua vez, comprovou, analisando inventários de oferendas dedicadas a Asclépio e Anfiarau, que a maioria dos nomes das epicuristas eram reais e até, como no caso de Hedeia (Prazer), mais comuns do que costumamos imaginar, mas isso não significa que tais epicuristas foram, de fato, dedicantes nestes templos, já que os inventários reuniam muitos nomes e de modo anacrônico (Gordon, 2012, pp.101-102).
Ao analisarmos os testemunhos que tratam das epicuristas, notamos a presença de uma analogia entre o prazer sexual (classicamente relacionado a figura da hetaira) e o prazer sensual que um alimento sofisticado ou uma taça de um bom vinho podem suscitar. Para os inimigos do epicurismo, as amigas que circulam no Jardim não seriam filósofas, mas meras companheiras sexuais dos amigos-filósofos e esses não conseguiriam cultivar os desejos naturais e necessários, tornando-se, então, glutões tarados, incapazes de saciar seus apetites, que se escondiam no Jardim com suas companheiras para se embriagar e se empanturrar, desfrutando sem julgamento alheio de uma vida de excessos. Como detalhou Gordon (2004 e 2012), podemos encontrar essa associação entre mulheres e outras fontes de prazeres corpóreos já em Timócrates, via Laércio (Vidas, 10.7), se repetindo em vários autores, principalmente em Plutarco (Não é possível viver prazerosamente seguindo Epicuro, 1089c e 1097d-e; Se “vive despercebido” foi sabiamente dito, 1129b), mas também em Ateneu (em diversas passagens do livro 13 do Banquete dos sábios), Alcifrão (Cartas das cortesãs, 4.17), chegando a fazer aparições até nas fontes mais amigáveis como em Laércio (Vidas, 10.132).
Se as epicuristas eram hetairai e se a hetaira, às vezes, oferecia prazeres sexuais dentre os serviços de entretenimento banqueteiro nos quais era versada, surgem daí várias questões, por exemplo, sobre qual o papel dos prazeres eróticos no hedonismo moderado epicurista e sobre como ocorreriam os relacionamentos amorosos no Jardim. São questões delicadíssimas e, sobre isso, recomendamos a leitura dos estudos de Arenson (2023), Fletcher (2012) e Mazel (1988). Ainda a respeito destas questões, gostaríamos apenas de destacar a possibilidade do Jardim ter se configurado enquanto uma comunidade de relações amorosas “livres” (Martins, 2023, p.98). Endossa essa hipótese o fato de o epicurismo considerar o desejo sexual como natural e não necessário, pois a paixão erótica pode ser prejudicial e trazer perturbações após ser realizada. É nesse sentido que: “os parceiros epicuristas estarão pelo menos mais atentos aos sinais de apego obsessivo, que eles verão corretamente como uma ameaça à sua ataraxia.” (Arenson, 2023, p.95). Assim, a/o colega epicurista parece ser uma opção mais segura para casual envolvimento sexual do que uma pessoa aleatória. Fechando esse verbete com lápis de ouro (Anônimo, Antologia grega, 16.324), celebramos a memória do afeto e da admiração que Epicuro nutriu por suas amigas-filósofas Leôncio e Temista, dedicando-as epístolas e outras obras, como a obra Néocles que, segundo Laércio foi: “dedicada a Temista” (Vidas, 10.28) e a obra Sobre ocupações que, como já foi sugerido por certos estudiosos (Gordon, 2004), pode ter sido direcionada a Mys e Leôncio.
Referências Bibliográficas
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As passagens de Filodemo, Jerônimo, Plutarco e Sêneca citadas no verbete podem ser encontradas em: Usener, H. (2010). Epicurea. Cambridge: Cambridge University Press.
O epigrama sobre Leôncio de autoria anônima presente na Antologia grega que foi citado no verbete pode ser consultado em: https://topostext.org/people/3870. No mesmo link é possível consultar em grego e em inglês as passagens de Alcifrão, Ateneu, Cícero, Diógenes Laércio, Plínio e Plutarco que mencionam Leôncio.
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A escultura de Santo Hipólito, as pinturas e as gravuras de Leôncio mencionadas no verbete podem ser visualizadas nos links abaixo: