O Apocalipse Inevitável (parte V)
No deserto do real de Matrix (1999), o planeta está envolto nas trevas. A própria humanidade havia bloqueado a luz do Sol em uma última tentativa desesperada de vencer os robôs, que se alimentavam diretamente de energia solar. Como resposta, e de alguma forma que nunca foi realmente explicada (afinal, é apenas um filme) as máquinas passaram então a colher energia de bilhões de seres humanos cultivados em casulos, com as mentes ocupadas em um mundo virtual.
Começamos falando de Apocalipses da ficção porque em 2007, no deserto real e vermelho de Marte, dois de nossos mais valentes robôs, Spirit e Opportunity, foram atingidos por um problema muito parecido. O planeta árido vê redemoinhos e tempestades de poeira a todo momento, e periodicamente as gigantescas tempestades se reúnem para englobar Marte completamente. Detalhes de seu relevo, que geralmente podem ser vistos claramente a grande distância devido à ausência de nuvens, são turvados por uma espessa camada de poeira. A poeira que se eleva até a alta atmosfera de Marte bloqueia a luz do Sol, praticamente transformando o dia em noite, ou em um “crepúsculo ao meio-dia”, prejudicando assim a fonte de energia das sondas-robô, os painéis solares.
Matrix e Marte, mas nós ainda estamos falando do Inverno Nuclear.
“A sonda espacial americana Mariner 9, o primeiro veículo a orbitar outro planeta, chegou a Marte no final de 1971. O planeta estava envolto por uma tempestade de poeira global. Enquanto as partículas finas lentamente retornaram à superfície, pudemos medir as mudanças de temperatura na atmosfera e superfície. Logo ficou claro o que havia acontecido”, escreveu Carl Sagan em um suplemento dominical lido por milhões naquele mesmo ano de 1983. O título? “O Inverno Nuclear”.
“Eu e meus colegas James B. Pollack e Brian Toon do Centro de Pesquisas Ames da NASA estávamos ansiosos por aplicar estas descobertas à Terra. … Juntando forças com Richard Turco, que havia estudado os efeitos de armas nucleares por muitos anos, começamos a dirigir nossa atenção aos efeitos climáticos da guerra nuclear”. O resultado desse trabalho seria o estudo científico que definiria o Inverno Nuclear.
Se a linhagem direta de conhecimento científico que levou à descoberta dos efeitos climáticos globais de uma guerra nuclear começava com Paul Crutzen e seus estudos sobre alta atmosfera, incluindo o ozônio, o que incluiu um ufólogo alertando sobre o câncer de pele no Congresso, foi Marte e suas tempestades de poeira que levaram Sagan ao Inverno Nuclear. O estudo TTAPS trabalha referindo-se tanto à ciência atmosférica terrestre de Crutzen quanto à extraterrestre desenvolvida entre outros pelo próprio Sagan.
Estes são detalhes deliciosos da história da ciência, no cruzamento entre ficção e realidade, sobre como cientistas planetários estudando a dinâmica de planetas a milhões de quilômetros de distância podem fazer descobertas importantes para bilhões de seres humanos em nossos próprios países. No entanto, estes detalhes curiosamente também seriam, e são usados, para criticar esta mesma ciência.
Desde o início “céticos” e negadores do Inverno Nuclear questionaram a validez do conceito. Décadas de políticas e trilhões de dólares e rublos haviam sido investidos sem considerar os efeitos climáticos globais de um confronto nuclear. Que estes efeitos fossem apocalípticos e questionassem tais políticas não seria aceito sem contestação.
Segundo tais críticos, a promoção intensa feita por Sagan e seus colegas, mesmo antes da publicação na Science, incluindo coletivas de imprensa e inúmeros programas televisivos, incluindo o painel de debate após a exibição de “The Day After”, refletiriam muito mais ativismo político que uma descoberta científica. A crítica se estende até hoje. Recentemente, o escritor de ficção científica (!) Michael Crichton proferiu uma palestra comparando a famosa equação de Drake sobre a existência de civilizações extraterrestres – popularizada principalmente pelo mesmo Sagan – com a ciência do Inverno Nuclear. Para ele, seriam ambas muito questionáveis, enquanto nenhum dos parâmetros usados nos modelos poderiam ser conhecidos com a segurança apropriada. Ficção e ciência, extraterrestres e o futuro da Terra novamente se cruzando, mas para negar o Inverno Nuclear.
Além dos ataques aos proponentes e a seus motivos, o questionamento ao Inverno Nuclear se dirigiria de forma concentrada justamente ao fato de que se baseava em modelos computadorizados da atmosfera. Na década de 1980, com computadores menos poderosos que um aparelho de MP3, o modelo utilizado no estudo TTAPS era de fato primitivo: lidava, por exemplo, com apenas uma dimensão. Toda a complexidade tridimensional da atmosfera, as interações imensamente complexas em diferentes latitudes e longitudes, o comportamento de sistemas complexos e caóticos como nuvens, eram todos simplesmente ignorados em um modelo unidimensional simplificado.
“É um exemplo absolutamente atroz de ciência, mas eu receio muito em expor seus erros publicamente. Acho que vou me distanciar desta: quem quer ser acusado de ser a favor da guerra nuclear?”, teria confidenciado o físico Freeman Dyson a Russell Seitz. Seitz citaria várias outras figuras acadêmicas renomadas criticando a ciência do Inverno Nuclear, incluindo o prêmio Nobel Richard Feynman. “Você sabe, não acho que esses caras realmente saibam do que estão falando”, teria dito. Victor Weisskopf, físico do MIT, resumiria a questão comentando como “Ah! O Inverno Nuclear! A ciência é terrível, mas talvez a psicologia seja boa”.
Um episódio especialmente embaraçoso aos defensores do Inverno Nuclear, e especialmente, a Carl Sagan ocorreu em 1991 quando em outro debate televisivo sobre as consequências da Primeira Guerra no Golfo, Sagan previu que a fumaça de centenas de poços de petróleo em chamas no Kwait, consumindo seis milhões de barris diariamente, teria um efeito similar ao de um Inverno Nuclear em pequena escala. A fumaça cheg
aria à alta atmosfera, e todo o sudeste asiático e possivelmente outros continentes ao norte poderiam passar um ano sem verão, frio e seco, prejudicando a agricultura sustentando centenas de milhões de pessoas. Em conjunto com Richard Turco, do Inverno Nuclear, também assinaria os mesmos alertas em editoriais publicados em jornais.
Nada disso aconteceu. De fato o impacto ambiental na região do Golfo Pérsico foi significativo, com dias transformados em noite, e a fumaça densa absorveu a radiação solar. No entanto ela nunca chegou à troposfera, nunca afetou assim áreas mais distantes, e à pouca altitude foi dissipada rapidamente pela ação atmosférica de nuvens e outros processos naturais.
Teria Sagan, ao tentar promover uma Verdade Inconveniente, vendido ao invés a Grande Farsa do Inverno Nuclear? Ao buscar salvar o mundo, teria subvertido a ciência que tanto defendeu como a vela na escuridão e a ferramenta indispensável a garantir nosso futuro? A resposta, ou o melhor que pudermos oferecer como resposta, no próximo nexo.
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O Apocalipse Inevitável (parte IV)
“Imagine uma sala encharcada de gasolina, onde há dois inimigos implacáveis. Um deles tem 9.000 fósforos. O outro tem 7.000 fósforos. Cada um deles está preocupado sobre quem está à frente, quem é mais forte. Bem, esse é o tipo de situação em que realmente estamos”, alertou Carl Sagan.
Era o ano de 1983, e o notório cientista participava de um debate televisivo transmitido logo após a exibição de “The Day After”, retratando os horrores de um confronto nuclear e acompanhado por milhões de norte-americanos. No painel de discussão ao vivo estavam figuras como os antigos secretário de estado americano Henry Kissinger e secretário de defesa Robert McNamara, o sobrevivente do holocausto judeu Elie Wiesel e o ultra-conservador William Buckley.
O debate completo, em oito partes, pode ser conferido no Museum of Classic Chicago Television*: partes 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8. O vídeo que inicia esta quarta parte da série sobre o “Apocalipse Inevitável” é porém um curta-metragem de animação, criado pelo soviético Garri Bardin no mesmo ano. “Conflito” (1983) explora a mesma metáfora dos fósforos e as consequências desastrosas de um confronto. Dos dois lados da Guerra Fria vozes se levantavam a respeito da situação crítica e absurda.
Afinal, a metáfora dos fósforos e a gasolina não era apenas um conto de terror. Logo na primeira oportunidade Sagan expôs como a visão tenebrosa dramatizada no filme era em verdade uma versão amenizada das consequências reais ainda mais terríveis de uma guerra nuclear. Em uma das primeiras grandes discussões públicas do conceito, Carl Sagan explicou o que seria o “Inverno Nuclear”. Você confere o doutor Sagan expondo a situação na segunda parte dos vídeos, abaixo (a partir de 1:40s):
Consequência climática global da queima conjunta de dezenas de megalópoles, “como quase certamente ocorrerá”, as dimensões das chamas formariam uma coluna de poeira e fuligem que chegaria até a alta atmosfera. Uma vez chegando lá, circulariam por todo o planeta e levariam vários meses para se dissipar. Todo o planeta passaria à penumbra de um inverno prolongado, mergulhando a temperaturas congelantes de uma Era Glacial instantânea.
Além de “um ou dois bilhões de vítimas diretas” das explosões, os sobreviventes simplesmente não teriam o que comer enquanto a agricultura colapsaria. “Há uma possibilidade real de extinção da espécie humana”. Se o Apocalipse Nuclear era terrível, o Inverno Nuclear mostrava que seria realmente o apocalipse, o fim de nossa espécie.
Neste ponto, o moderador Ted Koppel interrompe Sagan e mostra-se surpreendido com os vaticínios terríveis anunciados. “Se nossos espectadores já não estavam deprimidos o suficiente depois de ver o filme, suspeito que você os deixou ainda piores”, comenta. Recebe a palavra Kissinger, e este é um momento importantíssimo, porque Kissinger, secretário de estado para duas administrações e uma das figuras a moldar os rumos da história no século 20, também se mostra surpreso.
“Eu escrevi um livro sobre este assunto há 30 anos, quando a noção de Guerra Nuclear generalizada surgiu. … E agora temos o senhor Sagan dizendo que é ainda pior do que isto”. O conselheiro de presidentes não sabia bem o que era o Inverno Nuclear, porque este era um efeito descoberto há pouco. A rigor, ainda não havia sido descoberto.
Dias depois do debate Sagan publicaria na Science o primeiro trabalho científico modelando, confirmando, e de fato cunhando o termo Inverno Nuclear. Conhecido como o estudo TTAPS, devido às iniciais de seus autores (Turco, Toon, Ackerman, Pollack, Sagan), o trabalho derivava de estudos realizados pouco antes por John Birks e Paul Crutzen sugerindo a possibilidade de um “crepúsculo ao meio-dia” após um confronto nuclear. Você pode se lembrar de Crutzen: é o mesmo cientista que também havia alertado sobre o perigo à camada de ozônio devido a poluentes, de que falamos na segunda parte desta série. De fato o Inverno Nuclear também afetaria o ozônio na alta atmosfera, que poderia ser reduzido a níveis baixíssimos também com enorme rapidez. Anos após a penumbra nuclear se dissipar, seria então a radiação ultravioleta direta do Sol a dizimar formas de vida sensíveis, de olhos humanos a plânctons nos oceanos na base da cadeia alimentar.
O Inverno Nuclear era uma descoberta científica de gigantescas implicações, e é assustador constatar como a Humanidade passou tão perto do fim sem nem mesmo imaginar de antemão o que poderia lhe acontecer. Kissinger faz referência a considerações de inúmeros think tanks que aplicavam ciência e tecnologia à análise da guerra, utilizando a matemática da teoria de jogos criada exatamente para este fim, buscando estabilidade, o que levou ao insano conceito da Destruição Mútua Assegurada (MAD, em inglês). E em todos os cálculos sobre o número de ogivas, mortes, cidades e modelos psicológicos do Politburo, ignorava-se que em termos simples a fumaça de dezenas de cidades em chamas poderia cobrir o planeta assegurando, por fim, a destruição de toda a espécie humana. Por três décadas governantes assessorados por inúmeros tecnocratas consideraram a guerra nuclear sem ter ideia de suas consequências.
“Isto é uma boa notícia”, saudou o conservador Buckley ao ouvir a notícia de Sagan. Esta reação surpreendente reflete o fato de que o Inverno Nuclear seria paradoxalmente usado tanto por aqueles que defendiam um aumento no número de armas atômicas quanto por aqueles que promoviam sua redução. Desnecessário explicar os partidários da redução, mas aqueles que apoiavam o Inverno Nuclear como justificativa para que se continuasse aumentando o número de fósforos na sala encharcada de gasolina se baseavam justamente na Destruição Mútua Assegurada, que já contava com a ideia de que a impossibilidade de vencer um conflito nuclear supostamente levaria a uma maior estabilidade e segurança, uma vez que ninguém se atreveria a apertar o botão vermelho. Nesta interpretação da Teoria de Jogos, a ciência provaria o absurdo Orwelliano de que Guerra é Paz.
Mas a loucura, ao final, deu lugar à razão. “Modelos realizados por cientistas russos e americanos mostraram que uma guerra nuclear resultaria em um inverno nuclear que seria extremamente destrutivo a toda a vida na Terra”, disse o premiê soviético Mikhail Gorbachev. “Este conhecimento foi um enorme estímulo a nós, a pessoas de honra e moralidade, agir nessa situação”. E eles agiram.
Influenciados seja pelo filme, seja pela ciência do inverno nuclear, seja por inúmeros outros fatores, Reagan e Gorbachev estabeleceram um diálogo e a partir de 1986 EUA e URSS passaram a reduzir seus arsenais nucleares, em uma diminuição que se estende até hoje. O gráfico abaixo traçando a evolução no número de ogivas nucleares no mundo fala por si mesmo.
Há enorme esperança aqui: no debate em 1983, McNamara, Kissinger e quase todos parecem concordar que uma redução dos arsenais a mesmo metade das dezenas de milhares de armas disponíveis em um prazo de uma ou duas décadas seria muito pouco provável. Mas foi o que aconteceu. O pouco provável aconteceu. O fim da própria União Soviética é provavelmente o fator determinante para essa redução, mas há enorme esperança no fato de que a redução se iniciou mesmo antes disto, e é possível que tivesse continuado fundamentada simplesmente na tomada de decisões políticas e morais baseadas em conhecimento científico a respeito de nosso futuro. Isso é possível.
De sua participação no trabalho científico sobre o Inverno Nuclear a seu ativismo transmitindo diretamente à população estes resultados, com a ajuda de um filme feito para a TV, Carl Sagan salvou o mundo.
A história, no entanto, não parou aí, enquanto o próprio Inverno Nuclear seria questionado como uma pseudociência. Na continuação.
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* Os vídeos do debate realizado após “Day After” foram disponibilizados pelo Museum of Classic Chicago Television, e estavam originalmente bloqueados aos internautas brasileiros. Solicitei ao administrador, que gentilmente liberou o acesso. Caso aprecie assistir na conveniência de seu computador esta peça relevante da história, um momento raro no cruzamento de ciência e política, faça uma doação ao museu sem fins lucrativos.
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O Apocalipse Inevitável (parte III)
Na noite de 20 de novembro de 1983 quase 100 milhões de americanos assistiram a um filme na TV. Era “The Day After” (1983), produzido por uma das principais cadeias televisivas, retratando em mais de duas horas e da forma mais realista possível – a um filme dramatizado – os efeitos de um confronto nuclear entre forças da OTAN e a então União Soviética. No clipe acima, que pode ser perturbador, estão os trechos mais impactantes do ataque nuclear em si mesmo, com ogivas explodindo sobre duas cidades do Texas e seus efeitos imediatos nos arredores.
Os efeitos especiais de quase trinta anos podem parecer hoje datados, ainda que alguns momentos tenham sido extraídos diretamente de filmagens de testes nucleares reais. As imagens, no entanto, ainda devem causar impacto: abstraia as limitações dos efeitos especiais e lembre-se de que esse Apocalipse foi, e é, muito real. No evento de uma guerra nuclear, com a detonação de uma ogiva nuclear mesmo a quilômetros de distância, todos os seus aparelhos eletrônicos, computadores, Internet, celulares, irão queimar com o pulso eletromagnético, exatamente como os carros e o blecaute no filme. Momentos depois o estrondo, com a destruidora onda de choque e calor poderão atingi-lo. Ainda que se escape do impacto e calor, a batalha pela sobrevivência se dará com os efeitos da radiação e o colapso social, estes abordados ao longo do resto de “The Day After”. Se isto não lhe causar calafrios, nada mais o fará.
As cenas podem ser mais do que perturbadoras, traumatizantes, e com razão. Precisamos, e devemos temer este cenário, representando aquilo que sob nenhuma hipótese deve ocorrer. “The Day After” foi produzido em um momento crucial quando a Guerra Fria se aquecia novamente e um novo presidente republicano, Ronald Reagan, prometia que os EUA poderiam vencer um conflito nuclear com um número aceitável de “baixas”. Mostrar que este número “aceitável” de mortes era inaceitável para toda a população sob qualquer ponto de vista era o objetivo do drama.
Segundo o diretor de “Day After”, Nicholas Meyer, quando três anos depois Reagan ao invés disso comprometeu-se a um tratado de redução de mísseis nucleares com o premiê soviético Mikhail Gorbachev, teria lhe enviado um telegrama: “Não pense que seu filme não teve parte nisso, porque teve”. Um filme salvou o mundo. Mas não apenas um filme, claro.
Logo após a exibição de “Day After”, com a população chocada pelo que havia assistido, o canal exibiu um debate com cientistas, políticos e representantes do governo. Presentes estavam nada menos que Henry Kissinger e Robert McNamara, o congressista William F. Buckley, o secretário de estado George Shultz e como cientista, o doutor Carl Sagan. Era finalmente hora de Sagan também salvar o mundo.
No próximo texto.
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O Apocalipse Inevitável (parte II)
Esta é a história pouco conhecida de um homem que salvou o mundo. Físico e meteorologista na Universidade de Arizona, EUA, James McDonald tornou-se mais conhecido porém por sua apologia aos OVNIs. Acreditava firmemente que eram um mistério não resolvido e que a academia e órgãos oficiais não lhe dedicavam a atenção devida. Chegou a testemunhar no Congresso defendendo os discos voadores.
Foi sobre outra questão que McDonald testemunhou no Congresso pela segunda vez, em 1970. Já há mais de uma década políticos nos Estados Unidos discutiam a criação de sua própria frota de aviões supersônicos comerciais – abordamos a rocambolesca história do Concorde aqui. Mais alto, mais rápido, questão de orgulho nacional enquanto os europeus e os soviéticos investiam em seus aviões supersônicos. Como ser contrário a tal progresso?
Havia um problema: a poluição lançada por esses aviões diretamente na alta atmosfera, alterando a composição entre outras da camada de ozônio. Anos antes cientistas já haviam notado que esta poluição poderia interagir com o ozônio, diminuindo sua concentração e a proteção que ofereceria ao barrar radiações solares mais intensas. Diferentes acadêmicos incluindo Paul Crutzen – que ganharia o prêmio Nobel por tais pesquisas – alertariam sobre as possíveis consequências das emissões de óxido nítrico por aviões supersônicos.
Entra McDonald e seu segundo testemunho no Congresso. “É minha estimativa presente que a operação de SSTs [aviões supersônicos] nos níveis de frota estimados atualmente para 1980-1985 poderia aumentar tanto a transmissão de radiação solar ultravioleta a ponto de causar algo na ordem de 5~10.000 casos adicionais de câncer de pele ao ano apenas nos EUA”. Lembra o Sunblock 5000, não? Levem o projeto à frente, e verão milhares de mortes por câncer, advertiu McDonald.
Funcionou. O Congresso cortou o financiamento ao avião supersônico americano, depois de já ter investido mais de um bilhão de dólares, à época. Mais do que convencer o Congresso, o risco à camada de ozônio e as milhares de mortes que poderia causar foram explorados pela imprensa e impressionaram o público, tornando-se elemento importante no movimento ambientalista. Tão relevante que tais temores foram finalmente amplificados, tornando-se conhecimento comum e mesmo alvo de paródias de Hollywood, após a descoberta de que de fato havia uma diminuição na concentração do ozônio sobre a Antártida – nunca chegou a formar um buraco de fato, mas constitui uma rarefação significativa – e o entendimento de que, mesmo sem centenas de aviões supersônicos na estratosfera, poluentes então largamente usados em geladeiras ou latas de spray, os CFCs, silenciosa e lentamente rumavam até o espaço onde destruíam a camada protetora.
Não foi tudo apenas devido a McDonald, é bem verdade – o Concorde europeu, como vimos, foi levado até o fim causando prejuízo a britânicos e franceses, sem nunca se tornar economicamente viável e com apenas 20 aviões produzidos em toda a história, por isso mesmo de efeitos negligenciáveis sobre a camada de ozônio. No início da década de 1970, discutiam-se frotas de centenas de aviões supersônicos voando diariamente, e isso nunca se concretizou, talvez nunca se concretizasse. Lembre-se também que McDonald não foi o único a alertar sobre os perigos ambientais de poluir a alta atmosfera, e outros cientistas como Crutzen foram mesmo premiados com o Nobel por suas pesquisas na área. Não falamos aqui de um super-herói que interrompeu sozinho um asteróide em direção à Terra, estes são infelizmente apenas personagens de ficção. O que temos é a história real, e nesta história, o ufólogo sim desempenhou seu papel. E ao invés de levar o Nobel, McDonald suicidou-se poucos meses depois de seu testemunho no Congresso.
Se lembramos aqui como uma curiosidade o interesse e apologia de McDonald a OVNIs, isso certamente não foi ignorado à época em que se lutava ferozmente a respeito. E em se tratando de verbas de bilhões de dólares à indústria aeronáutica, não faltaram os que ridicularizaram o físico por suas crenças em discos voadores. Um congressista foi especialmente enfático e buscou direcionar o questionamento a McDonald à ufologia, que em nada se relacionava com a questão do ozônio e aviões supersônicos. Mas, argumentou o congressista, qualquer um que acreditasse em homenzinhos verdes não merecia ser levado a sério.
Depois de mais de uma década de confrontos e ostracismo por seu envolvimento com OVNIs, somado a problemas pessoais, James McDonald decidiu tirar a própria vida em 13 de junho de 1971. Mesmo hoje o envolvimento de McDonald com OVNIs é usado por aqueles que defendem que a idéia do buraco no ozônio seria uma farsa, uma conspiração – assim como o aquecimento global. Buscam ressaltar o envolvimento do ufólogo como se o perigo sobre o qual alertou fosse algo absurdo, comumente omitindo que McDonald foi apenas um dos cientistas que advertiram com base em evidência razoável sobre as consequências de poluir a alta atmosfera. Não foi o primeiro, nem foi o último. Foi apenas um deles, um que também era um ufólogo.
O ufólogo, e físico, e meteorologista, desempenhou sua parte em um esforço que ajudou a preservar a camada de ozônio. O desenvolvimento de modelos atmosféricos confirmaria os fundamentos do alerta, e o cancelamento do projeto supersônico americano e o posterior banimento internacional de poluentes como os CFCs, com sinais de que a camada protetora deve se recuperar, também vindicariam um ponto em que o homem que acreditava em homenzinhos verdes estava essencialmente correto. A seu modo, e fazendo bem mais do que a parte que cabe a cada um de nós, James McDonald salvou o mundo.
A história não pararia aí, e um Apocalipse ainda mais imediato e terrível seria impedido através de ideias derivadas do mesmo buraco na camada de ozônio. Era a vez de Carl Sagan salvar o mundo do Holocausto Nuclear. No próximo nexo.
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O Apocalipse Inevitável (parte I)
Um ufólogo salvou o mundo. Carl Sagan também salvou o mundo. Nós precisamos salvar o mundo. Ou, como George Carlin dizia, precisamos salvar a nós mesmos, afinal o planeta pode se virar muito bem. “Tem estado aí por 4,5 bilhões de anos. O planeta não vai a lugar nenhum. Nós vamos”.
Quem tem mais de vinte anos deve se lembrar do chamado buraco na camada de ozônio. Ele ainda está lá e todos, mesmo os mais jovens, deveriam saber a respeito. Porém há vinte anos o tema era tão ou mais discutido quanto o aquecimento global é hoje. Confira, por exemplo, este comercial futurista do protetor solar Sunblock 5000 em “Robocop 2” (1990):
Paródia, claro, mas representando os temores da época. Duas décadas depois podemos comemorar o sucesso do Protocolo de Montreal e o banimento do CFC, principal vilão da história, e como desde 1994 a concentração de tais substâncias na alta atmosfera vem diminuindo. A camada de ozônio deve se recuperar completamente até a segunda metade do novo século – um bom tempo, mas um bom prospecto e uma prova de que acordos internacionais podem funcionar. O desafio de controlar emissões de carbono é um imensamente maior do que controlar o CFC, mas é extremamente interessante ver como à época, indústrias que lucravam com o CFC também afirmavam que seria primeiro desnecessário, e então de toda forma impossível banir o produto químico tão útil à economia.
Virar o jogo e convencer o público e os governantes da necessidade de medidas economicamente custosas e que só veriam resultados a longo prazo envolveu uma história igualmente longa e complexa, e no próximo nexo abordaremos a participação do ufólogo que salvou o mundo: James McDonald.
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Ciência na Copa do Mundo: Troféu, Vuvuzelas, HD e Sorte
Milhões de brasileiros torcem para que em vinte dias a seleção levante o troféu da Copa. Dourado, erguido duas vezes por nosso time – até o tricampeonato, erguemos, e levamos para casa, a taça Jules Rimet – o troféu tem 36 centímetros de altura e pesa pouco mais de seis quilos, feito de “ouro maciço 18 quilates”, segundo a FIFA.
Há uma mentira no parágrafo acima, você pode descobrir qual é?
Não é a torcida, não é nosso penta. São as dimensões, o peso, a composição do troféu que tanto almejamos para o hexa. Eles simplesmente não batem. Aqui entra ciência, e ciência simples de ensino médio que pode denunciar o que seria uma grande fraude. Vamos lá, para estimar o peso do troféu, sendo este maciço de acordo com a FIFA, basta saber seu volume e a densidade do ouro 18 quilates.
Ouro 18 quilates pesa ao redor de 16 gramas por centímetro cúbico, é sua densidade. Estimar o volume exato do troféu é algo mais complicado, mas podemos fazer uma estimativa com base na fotografia acima: são 600 pixels de altura, 230 no ponto mais largo e 100 pixels mais estreito. Como vacas esféricas, suponha que seja um troféu cilíndrico com 600 pixels de altura por 150 de largura, isto é, quatro vezes mais alto do que largo. Como a FIFA informa que o troféu tem 36 centímetros de altura, o cilindro equivalente para estimar o seu volume teria 9 centímetros de diâmetro.
Com isso obtemos um volume ao redor de 2.290 centímetros cúbicos. Lembrando que cada centímetro cúbico do ouro usado no troféu pesa por volta de 16 gramas, basta multiplicar os valores para estimar o peso do troféu. Resultado: mais de 36kg. Mais de seis vezes o peso informado pela FIFA, e um valor de fato muito grande, parece pouco provável que Cafú estivesse erguendo mais de 30kg acima de sua cabeça com tanta facilidade.
O peso indicado pela FIFA parece ser verdadeiro, então alguma das outras informações não deve estar correta. Mesmo que o volume do troféu fosse estimado pela sua menor largura, que é seis vezes menor que sua altura, ainda teríamos um volume superior a 1.000 centímetros cúbicos, ou 16 kg. Os números não batem, não têm como bater. Seria um troféu de bijuteria?
Como o professor Martin Poliakoff nota, a resposta pode ser simples. O troféu é em verdade oco. Esta explicação faz muito sentido, e significaria que a FIFA não mente em nenhum de seus números sobre a composição, dimensões e peso. Nem mesmo quando informa que o troféu é de “ouro maciço” estaria mentindo, porque em verdade a FIFA informa em inglês que é de “solid gold”, que embora traduzido comumente como “ouro maciço”, pode significar em inglês apenas que é feito de uma só substância, de uma só liga de metal. É de fato sólido, só não é maciço. A FIFA não mente, mas deixa todos presumirem que a Copa do Mundo é um belo troféu de ouro maciço quando, embora de fato belo, deve ter ar em seu interior.
É uma Copa do troféu oco. A ciência demonstra, embora a FIFA não admita, nem à BBC. Só dizem que o troféu é “solid”, não informam que seja oco.
Neste campeonato mundial, a ciência também se envolve com as Vuvuzelas. O scibling Igor Zolnerkevic do Universo Físico publicou um excelente post: Vuvuzelas, aprenda a amá-las sem ficar surdo. Para estimar a frequência do som fundamental das Vuvuzelas, o professor Dulcídio do Física na Veia também trabalhou com vacas esféricas, e com física estimou a vuvuzela como um cilindro de 68 centímetros, obtendo o primeiro harmônico de 250Hz, muito próximo do valor de fato medido e ao qual as vuvzelas são afinadas (pois elas são afinadas, embora irritantes, o que explica por que vuvuzelas soam todas igualmente irritantes). O Igor explica melhor as sutilezas de uma vuvuzela, incluindo como se pode filtrar as frequências específicas para que os jogos pela TV fiquem livres de vuvuzelas.
O problema de filtrar a frequência das vuvuzelas, contudo, é que a voz humana também se sobrepõe ao redor das mesmas frequências, principalmente no primeiro harmônico, justamente o fundamental. O espectrograma abaixo mostra como a vuvuzela se sobrepõe à voz do narrador, e por mais que alguns não apreciem um conhecido narrador esportivo, assistir a uma partida sem narração não deve ser uma experiência muito divertida.
Ao final, e porque as próprias emissoras já processam o áudio dos jogos, reforçando a narração e abafando as vuvuzelas do estádio, pode-se sim remover a frequência das vuvuzelas sem afetar muito a narração, que soa apenas um pouco estranha. Só há mais um problema: caso se escute tempo suficiente ao som com a frequência filtrada, seu ouvido se adapta e… você passa a escutar novamente as vuvuzelas abafadas, e talvez especialmente as vuvuzelas ao vivo em sua sala e vizinhança. Nosso sistema auditivo é algo fabuloso, não?
Um nexo complementar antes de pular ao próximo: filtrar as vuvuzelas e a adaptação de nosso ouvido têm relação com a compressão MP3, uma tecnologia que revolucionou a música. E um dos mais importantes truques que permitem que o formato de arquivo MP3 reduza o tamanho de arquivos de som é similar ao filtro da vuvuzela, mas enquanto calar as vuvuzelas afeta o som da voz humana como o percebemos, o MP3 comprime e remove justamente a gama de frequências sonoras que nosso sistema auditivo não processa muito bem de toda forma. É a psicoacústica. Deixando de lado os sons que não escutaríamos bem, ao contrário
das vuvuzelas, arquivos MP3 soam quase idênticos a gravações integrais do som, a uma fração do tamanho.
Falando em compressão digital, esta Copa também é aquela em que como nunca se promovem transmissões em alta definição, e a curiosa ironia é que, como notou a Folha, “quem assiste ao Mundial com sinal HD via satélite escuta o grito de gol do vizinho muito antes; quanto melhor a recepção, maior é o ‘delay’”. A imagem analógica cheia de fantasmas pode chegar até 15 segundos antes que aquela digital límpida em que se vêem os detalhes da bola. A culpa é, entre outros, da mesma compressão digital.
A imagem em alta definição envolve um volume tão grande de informação que é simplesmente impossível que seja transmitida sem alguma forma de compressão, mesmo no curto trajeto entre o decodificador e a TV. E toda forma de compressão envolverá alguma espécie de “delay”, para que um determinado volume de informações seja acumulado (nos infames “buffers”) para ser então processado e comprimido. Por certo que estes pacotes não duram 15 segundos, podem ser em verdade muito rápidos, mas um sinal de alta definição vindo de outro continente provavelmente será comprimido e descomprimido mais de uma vez, passando por diferentes redes, incluindo, via satélite.
O curioso é que mesmo o sinal analógico também possui um “delay”, afinal, mesmo a velocidade da luz não é instantânea. Leva pouco mais de um décimo de segundo para dar a volta ao mundo – rápido, mas não instantâneo. A “via satélite”, contudo, é um caminho muito mais longo do que uma volta ao mundo! Satélites de comunicação em órbita geoestacionária se encontram a aproximadamente 36.000km de altitude (de fato, em órbita), e um sinal leva um quarto de segundo para chegar até lá e retornar a outro ponto da superfície. Menos rápido, e bem menos instantâneo. Um hipotético cabo de TV ligando diretamente a África do Sul ao Brasil permitiria gritar “Gol!” frações de segundo antes que todos os outros mesmo em suas TVs analógicas via satélite.
Volume de cilindros e densidade do ouro, vuvuzelas e psicoacústica, compressão digital e órbitas geoestácionarias é apenas algo da ciência e tecnologia presentes em todos os aspectos de nossas vidas, por trás de cada torcida, de cada “fóóóóm”. E a ciência, em especial a matemática estatística, pode fornecer mesmo uma revelação inacreditável sobre a Copa do Mundo.
Todos presumem que a seleção campeã de uma Copa seja merecidamente a melhor seleção. Mas pense um pouco sobre isso: como podemos estar seguros de que a seleção campeã era mesmo a melhor de todas, 32 no total, quando joga apenas sete partidas rumo ao troféu? Sendo que pode empatar ou mesmo perder em jogos durante as três primeiras partidas nos grupos? Qualquer um pode entender que, para assegurar que uma seleção é a melhor de todas, deveria jogar pelo menos uma vez contra todas as outras 31 seleções. Provavelmente mais.
Pesquisadores norte-americanos do Los Alamos National Lab, Eli Ben-Naim e Nick Hengartner mostram que o número de partidas necessário para garantir que a melhor equipe ganhe um campeonato é realmente muito, muito maior. Algo em torno do número de equipes elevado ao cubo, o que no caso da Copa do Mundo significariam 32.768 partidas (ao invés de meras 64). Cada seleção precisaria jogar em torno de 1.000 partidas, ao invés de sete.
Mais de 32 mil jogos, mil para cada seleção. Apenas isso asseguraria matematicamente com margem de erro desprezível que a melhor seleção se sagre vencedora de um campeonato. A diferença destes números aos números da Copa (64 e 7, respectivamente) mostra o quanto a Copa do Mundo e a seleção campeã dependem do acaso.
Ao final, que erga um troféu de ouro sólido, mas oco, pode não ser tão inapropriado assim. Não é apenas a FIFA que não diz toda a história ao falar de seu troféu, a seleção campeã, mesmo uma pentacampeã, também não irá fazer questão de dizer que ganhar depende tanto de habilidade quanto da sorte.
Boa sorte, Brasil!
Teseu e o fio de Ariadne
“Segundo a mitologia grega um jovem herói ateniense chamado Teseu, ao saber que sua cidade deveria pagar a Creta um tributo anual composto de sete rapazes e sete moças a serem entregues ao insaciável Minotauro que se alimentava de carne humana, solicitou ser incluído dentre eles.
O Minotauro vivia em um labirinto, constituído de salas e passagens intrincadas do palácio de Knossos, cuja construção é atribuída ao arquiteto Dédalo.
Ao chegar em Creta, Teseu conheceu Ariadne, a filha do rei, que se apaixonou por ele. Ariadne, resolvida a salvar Teseu, pediu a Dédalo a planta do palácio. Ela acreditava que Teseu poderia matar o Minotauro, mas não saberia sair do labirinto.
Ariadne deu um novelo a Teseu recomendando que o desenrolasse à medida que entrasse no labirinto, onde o Minotauro vivia encerrado, para encontrar a saída. Teseu usou essa estratégia, matou o Minotauro e, com a ajuda do fio de Ariadne, encontrou o caminho de volta”. [fonte]
Na fotografia, capturada em 14 de maio de 2010, vemos o ônibus espacial Atlantis em sua última viagem rumo ao espaço. A trilha que deixa desde o solo lembra o fio de Ariadne, ligando a Terra às grandes altitudes, em um tênue rastro de produtos de combustão que todavia logo irá se desfazer ao vento. Os herois que sobem ao vácuo do espaço devem encontrar seu próprio caminho de volta.
Mas há ainda outra interpretação no mito do fio de Ariadne e a exploração espacial: estamos em verdade dentro do labirinto do Minotauro, lutando e sacrificando milhões de jovens e moças em conflitos estúpidos e ultimamente fúteis nos meandros deste único planeta. Um Pálido Ponto Azul, como dizia Carl Sagan, um grão de poeira suspenso em um raio de Sol, um palco muito pequeno em uma imensa arena cósmica.
E, no entanto, jamais saímos dele. O mais longe a que enviamos herois foi a nossa própria Lua. Estamos presos em um labirinto e somos nossos próprios monstros, quando há um Universo infinito de possibilidades e conquistas aguardando para ser explorado.
Os fios de Ariadne que criamos com nossas naves espaciais indicam não o caminho de volta à Terra, mas o de destino ao Universo sem fim. [foto via Bad Astronomy]
Benjamin Redentor
“E os soldados, tecendo uma coroa de espinhos, lha puseram sobre a cabeça, e lhe vestiram roupa de púrpura. E diziam: Salve, Rei dos Judeus”. – João 19:2-3
Com quase 40 metros de altura, o Cristo Redentor no Rio também usa uma coroa de espinhos, mas uma que é raramente vista e não faz exatamente parte do projeto artístico do monumento religioso, porque é parte do sistema de pára-raios que o protege contra descargas elétricas. Na fotografia acima, de Ricardo Zerrenner (clique para ampliá-la), pode-se ver a “coroa” e o sistema que se estende também pelos braços da estátua.
A proteção dos pára-raios é muito necessária, uma vez que como o periódico O Dia não deixou de notar, “proteção divina não foi suficiente para preservar uma das Sete Novas Maravilhas do mundo”. Parte do dedo da mão direita e pedaços da testa foram danificados em 2007, e autoridades eclesiásticas alertaram que a proteção tecnológica dos pára-raios estava danificada e inefetiva.
Reformas recentes restauraram também o sistema de proteção redentora, pára-raios inventados por Benjamin Franklin em 1749.
O curioso aqui, além da ironia do monumento religioso portar uma coroa de espinhos derivada da ciência da eletricidade, é que o famoso experimento de Franklin ao empinar uma pipa em meio a uma tempestade é em si mesmo uma anedota científica. Embora a imagem icônica do cientista americano de óculos (bifocais, que ele também inventou) empinando uma pipa em meio a relâmpagos seja bem conhecida, fato é que Ben Franklin apenas propôs o experimento e há sérias dúvidas de que alguma vez o tenha realmente conduzido.
Outros cientistas sim levaram o experimento a cabo, mas alguns deles encontraram como consequência um triste fim. Empinar pipas em meio a uma tempestade é um grande risco, como o próprio Franklin sabia muito bem. Como boas histórias acabam logo se tornando “História”, a exemplo de anedotas religiosas, a do cientista com peruca branca empinando pipas na tempestade continua sendo recontada. Se a ciência salva o Cristo Redentor, o faz através de conhecimento que também se conta por anedotas. Em dois mil anos é provável que se Franklin ainda for lembrado, o seja por um experimento que nunca realizou.
Por que falar subitamente do Cristo Redentor e pára-raios? Os nexos foram motivados por uma notícia recente indicada pelo professor José Ildefonso. Uma outra estátua com quase vinte metros de altura de Jesus em Ohio, EUA, foi atingida por um raio nesta segunda-feira.
Ao contrário de nosso Cristo Redentor, devidamente protegido por um pára-raios, a obra construída por uma vertente cristã local era feita de plástico, fibra de vidro e uma estrutura de aço… sem pára-raios. Era um convite ao desastre, ou talvez fé demais em uma proteção divina. Erguida em 2004, é mesmo notável que tenha durado tanto – embora dificilmente seja um milagre. Após o raio que cedo ou tarde cairia, pouco restou do monumento religioso:
A religião precisa se curvar à ciência? Todo Jesus precisa de uma coroa de espinhos de Ben Franklin? A imagem das labaredas acima lembra um anjo com asas abertas? Deixamos as interpretações e lições de moral destes contos sem fadas, mas com Messias, aos leitores, e encerramos com mais um nexo curioso.
As estátuas monolíticas da ilha de Páscoa seriam resultado da mitologia dos nativos, e de certa forma, podem ser monumentos religiosos mais sofisticados que o de Ohio, e mesmo o Cristo Redentor com sua coroa de pára-raios. É a fabulosa teoria defendida pelo professor Francisco Soares, da Universidade Federal do Maranhão, segundo a qual os Moai seriam em si mesmos grandes pára-raios.
Distribuídas ao redor da Ilha, as estátuas com até dez metros ofereceriam proteção a áreas habitadas ao atrair descargas em tempestades. Os chapéus de rocha vermelha porosa que ostentavam seriam capazes de dissipar as descargas elétricas, e os olhos de rocha branca chegariam a brilhar quando atingidos. Deveria ser uma visão magnífica. Os raios não seriam um inconveniente natural ao qual seria necessário uma coroa de espinhos de metal, e sim um fenômeno controlado e apreciado em si mesmo através de grandes monumentos combinando superstição e tecnologia.
Uma história fantástica, com o pequeno detalhe que talvez não seja verdadeira. Não pude encontrar referência a avaliações independentes à teoria de Soares, e a crítica mais elementar que se pode fazer é por que as estátuas não parecem funcionar mais como pára-raios, o que se presume que deveriam continuar agindo como se ainda estão de pé. O microclima na ilha de Páscoa já foi bem diferente, principalmente no ápice da cultura Rapa Nui que erigiu os Moai, e talvez a ilha fosse palco para constantes tempestades elétricas, e talvez os Moais desempenhassem a função proposta. Mas a arqueologia mainstream não parece dar muita atenção à ideia.
Seja qual for a resposta, esta viagem pelos muitos nexos entre religião, superstição, raios, história e tecnologia já está de bom tamanho. Que um raio caia na minha cabeça se estiver mentindo.
Mergulhando em um Fractal 3D
“Split point”, é o novo vídeo de teamfresh mergulhando fundo em um fractal, desta vez uma Mandelbox em três dimensões.
A paleta de cores e a boa qualidade do vídeo enfatizam a similaridade com arquitetura, lembrando uma catedral gótica. Que lembre uma caixa também trouxe à mente a Lament Configuration da série de filmes de terror Hellraiser.
Teamfresh também produziu um deep zoom no bom e velho conjunto de Mandebrot. [via misterhonk]
Entendendo o Diagrama de Venn
Dificilmente poderia ser mais claro. Até porque os diagramas de Venn foram criados em 1880 pelo lógico inglês John Venn para representar mais claramente relações entre conjuntos. Você pode ler o interessante artigo de Andrzej Solecki para entender mais sobre o Diagrama de Venn.
Isso, claro, depois de rir com a imagem acima. [via Neatorama, é o design para uma camiseta]