O dia de 25 horas

Sempre achei estranha a nossa forma de ensinar Ciências nas escolas. Ora, a base do pensamento científico é não ater-se à lógica ou ao que o mestre diz, mas contrapor tudo o que se supõe correto à realidade. Testar suas hipóteses. Confesso que eu mesmo, a despeito de toda a força que faço, devo incidir nesse erro de vez em quando. Dizer que o universo surgiu de uma grande explosão e vem se expandindo desde então é tão dogmático quanto dizer que a terra foi feita em seis dias de trabalho de Deus (catolicismo, judaísmo e islamismo), a partir da divisão em dois do dragão Tiamat (mitologia suméria) ou das entranhas do Deus Sol (Índios Cherokee).

Um dos dogmas científicos mais divulgados é que a Terra é um planeta redondo orbitando ao redor do sol. Tudo bem, isso só passou a ser aceito como verdade virtualmente absoluta em astronomia devido à avassaladora quantidade de evidências em favor dessa teoria. Mas, seja franco, quanto foi que você já botou à prova a idéia de que a terra é redonda? Se você ignorar os conteúdos de escola parece bastante intuitivo que a Terra seja plana, já que não é possível ver sua curvatura do nosso ponto de vista. Já estive em paragens abertas como uma giga-plantação de soja no Mato Grosso ou um desfiladeiro em Chapada Diamantina e juro que não vi nem um grauzinho de inflexão em defesa da Terra redonda.

Hoje foi meu aniversário e foi um dia ímpar para mim. Amanheci em Brasília, onde passava alguns dias com minha família. Logo pela manhã peguei um vôo para o Mato Grosso, para encontrar minha esposa e passar o resto do dia. Acontece que o Mato Grosso tem uma hora de diferença de fuso horário em relação a Brasília, por isso meu aniversário foi um dia de 25 horas. Maluquices apenas possíveis graças à nossa Terra redonda.

Se isso não é o suficiente para convencê-lo (Aliás, espero que não seja, afinal, fusos horários são convenções humanas, e não astronômicas) proponho dois experimentos: o primeiro consiste em telefonar assim que o sol se puser para alguém que more em algum ponto mais ao leste ou a oeste e perguntar como está o céu ali. Fiz isso outro dia ligando do Mato Grosso para conhecidos de férias em Recife, parentes no Rio e em Brasília e o resultado foi bem divertido. Outra idéia seria combinar uma hora para que pessoas em vários lugares do globo colocassem no chão uma haste de 30 cm e medissem sua sombra e para que lado ela estaria apontando com a ajuda de uma bússola. Vamos combinar a brincadeira aqui? O dia será domingo, 11/01/2009, vou fazer meu experimento aqui em Cuiabá às 11 h local; meio-dia em Brasília, Rio, São Paulo etc; 13 h em Fernando de Noronha e por aí vai. Se possível batam fotos do experimento e enviem para mim que eu vou fazer outro post nos dias que se seguirem falando sobre isso.

Manchetes comentadas 9 – Padre balonista fica em 1o lugar em prêmio internacional sobre mortes

Padre Carli indo para o céu (Fonte: www.folha.com.br)

Padre Carli indo para o céu (Fonte: www.folha.com.br)


Desde que soube da história do Padre Adelir Antônio de Carli a primeira coisa que me veio à cabeça foi o prêmio Darwin. O padre desapareceu no domingo, 20 de abril, ao tentar fazer um vôo suspenso por balões de festa cheios gás hélio. Antes de sumir do mapa ele telefonou ainda duas vezes, uma para pedir ajuda no uso do GPS (ora, meio tarde, não?), a outra pedindo resgate porque iria cair no mar. Apenas a metade inferior de seu corpo foi encontrada mais de 70 dias depois pela marinha próximo a Macaé, RJ. A identificação só foi possível através de teste de DNA. Agora o ocorrido é o favorito para levar o prêmio Darwin de 2008.
O prêmio Darwin é uma brincadeira (talvez de mau gosto) sugerindo que seus ganhadores favoreceram a humanidade ao deixar de passar adiante seus genes inclinados a atos idiotas. Seu site oficial tem histórias bem pitorescas e segue o mote “honrando aqueles que melhoraram a espécie ao acidentalmente remover-se dela”. Só dois lembretes: 1) evolução de forma alguma menciona a melhoria da espécie. O nível de atuação da seleção natural está no indivíduo, no gene, na família pode ser, até em grupos alguns sugerem ultimamente, mas na espécie NÃO! 2) Ao se tornar padre o Sr. Adelir de Carli já havia retirado seus genes do pool da nossa espécie (a menos que ele quebrasse o celibato e deixasse filhos por aí). Em se tratando de evolução, de nada vale viver sem deixar descendentes.
Afinal, a história do Padre Carli pode ter sido desastrada, mas vale a pena recordar o que ele procurava com o tal vôo. Seu objetivo era sim permanecer 20 h no ar com os balões e entrar para o Guiness, idéia que, por si só, já me parece meio besta. Esse recorde, afinal, não era assim tão sem sentido, a intenção do padre era chamar a atenção para a Pastoral dos caminhoneiros, dedicada a reduzir o uso de anfetaminas e prostitutas por essa categoria. O Padre Carli também atuou contra maus tratos a moradores de ruas de Paranaguá. Era bem intencionado, mas desses o hospício está cheio.

Manchetes comentadas 8 – Paes assume com decreto contra nepotismo


www.oglobo.com.br

www.oglobo.com.br


 
 

Parece que agora vai. Mais uma tentativa de coibir a prática do nepotismo entre os cargos de confiança, desta vez na prefeitura carioca em resposta a uma súmula do STF. O nepotismo, para quem não sabe, é o ato de nomear parentes para cargos com salários atraentes, mesmo que eles nada tenham a contribuir com aquela função. Assim, os empregos acabam servindo de cabide, o parente nem aparece, mas recebe o seu. Nepotismo pode ser a maior calhordice política, mas tem boas bases biológicas.

Em se tratando de evolução impera o egoísmo. Cada indivíduo prefere agir em seu próprio proveito. Algumas exceções, porém, intrigaram por muito tempo os etólogos. O esforço em proteger a prole é um claro exemplo disso. Fêmeas chegam a colocar a si próprias em risco para defender seus filhotes. Corujas solteiras ficam nos ninhos e ajudam a criar suas irmãs. Há muitos exemplos em que parentes próximos se auxiliam mutuamente.

Baseando-se nisso um novo nível de atuação para a seleção natural foi sugerido. Ela não apenas pode selecionar indivíduos, mas também seus genes. Assim, um tiziu pode não conseguir acasalar-se, mas se ele ajudar um irmão a fazê-lo irá, indiretamente, ajudar a proliferar seus genes através do irmão. É a teoria da seleção de parentesco, proposta por Bill Hamilton, da qual eu já falei na manchete comentada 4. Segundo ela, se você pode ajudar alguém, o mais indicado para receber a tal ajuda seria seu parente mais próximo.

Vereadores e prefeitos têm uma grande oportunidade de ajudar pessoas com suas indicações a cargos de confiança. Indicar seus parentes próximos é simplesmente o biologicamente mais natural a fazer. É lógico que esperamos de nossos políticos algo além do biologicamente mais natural, o Macaco Tião do post passado sabia seguir muito bem seus instintos biológicos. Sair tentando copular com a primeira gostosa que passasse pela frente é igualmente instintivo, mas desenvolvemos um sistema cultural que nos faz desviar da obviedade instintiva (ok, ok, Bill Clinton é exceção). Por isso o nepotismo não deveria ser tolerado. Não elegemos nossos políticos para expressarem suas animalidades, elegemos para sermos representados, e por pessoas competentes para os cargos, não parentes queridos dos governantes.