Por que o Lago Paranoá de repente se enche de plantas?

 

“Nada es más simple

No hay otra norma

Nada se pierde

Todo se tranforma”

(Jorge DrexlerTodo se Transforma)

 

Adoro crianças e suas perguntas. Uma vez escrevi que todo o mundo nasce cientista, somos nós adultos que assassinamos o espírito indagador das crianças reprimindo suas perguntas, assim, encomendei de uma amiga minha uma coletânea das melhores perguntas que o Víctor Gabriel, filho dela, fez e ficaram sem resposta na certeza de ser uma fonte inesgotável de bons posts. Desta forma, dou por inaugurada a série “Víctor Gabriel pergunta e o Tio Bessa se vira para responder”! A pergunta que intitula este post me foi enviada por ele.

Víctor, quando li a sua pergunta logo me lembrei do enunciado de Lavoisier musicado pelo Jorge Drexler no trecho que transcrevi acima. Na verdade o Einstein subverteu um pouco isto, mas para todos os efeitos em nossa realidade mais simples ele ainda vale. Nada vem do nada, matéria não surge do nada, oxigênio não surge do nada e nem plantas aquáticas. Tudo são peças de um grande quebra-cabeças, mesmo que não saibamos que peça está faltando. Veja se eu estou certo: O lago Paranoá é uma represa artificial no meio da cidade de Brasília feita para amenizar a baixa umidade do inverno candango. Há nele algumas plantas, mas vez por outra, especialmente assim que voltam as chuvas, essa população de plantas explode sem uma razão aparente. É isso?

Ok, não deveria ser tão esquisito assim. A grama volta a crescer, as árvores retomam suas folhas, tudo fica mais verde depois que as chuvas voltam. A água deveria explicar isso. O que parece não se encaixar é que são plantas que vivem na água, elas não estavam sofrendo com a seca. Por que então elas crescem mais? Vamos pensar na chuva, ela não leva apenas água. Repare que a chuva carrega consigo, depois que cai no chão, um monte de coisas como folhas, lixo, esgoto. Cientistas, que são pessoas que adoram inventar nomes estranhos dizendo que é para facilitar, chamam isto de lixiviação. Misture cocô de galinha, restos de comida e folhas com terra e deixe passar algum tempo. O que temos? Adubo! E se misturarmos os mesmos ingredientes à água? É adubo igual, mas adubo para plantas aquáticas! Novamente os cientistas inventores de nomes chamaram isso de hipereutrofização, mas no fundo é adubo mesmo. E adubo faz plantas crescerem, até os aguapés do lago Paranoá. O lixo e esgoto viram adubo que viram planta que enchem o lago, tudo se transforma. CQD!

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Búfalos no meio de um camalote, um banco de aguapés no pantanal. A eutrofização pode ser um processo natural!

 

Não se deixe enganar, porém. Aguapés são naturais, chuvas são naturais, transformar-se é natural. O que não é natural é ter tanto lixo e esgoto nas ruas para a chuva levar para o lago. Sei que o governo de Brasília já tentou vários projetos para melhorar as condições do nosso lago, algumas tentativas bem desastradas, outras boas. Mas se as pessoas não colaborarem jogando lixo e seus esgotos do jeito certo, não há governo que dê conta de despoluir o lago. Assim, as plantas que, de uma hora para outra, surgiram no lago podem ser consideradas um termômetro para mostrar quanta poluição existe naquela água.

Pensamento de Segunda

Um bom mestre tem sempre esta preocupação: ensinar o aluno a desvencilhar-se sozinho.
André Gide

Pensamento de Segunda

É tolo tentar responder uma questão que você não entende. É triste ter de trabalhar para um fim que você não deseja. Coisas como estas frequentemente acontecem na escola.
Polya

Bessa e borboletas hipocondríacas no Correio Braziliense

Só vi hoje, mas na edição de ontem do Correio sairam algumas declarações minhas a respeito de um trabalho bem interessante enfocando Borboletas monarcas desovando em plantas medicinais para evitar um parasita. O texto pode ser lido aqui.

Mudança

Tenho um vergão vermelho em minha canela e minha esposa ri de mim. As diversas camadas de epiderme foram arrancadas pela quina de uma caixa de papelão cheia dos meus livros no chão da sala. Agora a derme aparece como um tecido rosado, úmido e ardido. Mas esta não é a única marca em meu corpo, há outras contusões. Me mudei de casa estes dias e ainda não está formado em meu mapa cerebral a disposição das coisas.

Há em nosso cérebro uma área responsável por identificar a posição de tudo em nosso corpo, é o córtex somato-sensorial. Em parceria com o cerebelo, ele e o córtex motor primário nos fazem arquitetar nossos movimentos friamente calculados baseando-se em uma memória da disposição das coisas conhecidas. Se nosso corpo muda de forma muito rapidamente (como durante um espichão da adolescência ou após a perda de um membro num acidente) o mapa do córtex somato-sensorial não teve tempo de se atualizar ainda. Isto gera dois fenômenos interessantes: os membros fantasmas de pessoas amputadas, tão bem descritos em diversos ensaios de Oliver Sacks e da Suzana Herculano Houzel; e a natureza inexoravelmente estabanada de nossos adolescentes. Enquanto minha memória não fixar a posição dos móveis e objetos na casa nova ainda irei dar diversas topadas, sempre achei que a canela foi talhada pela evolução para encontrar objetos no escuro.

O pior é que entender fisiologicamente o que está acontecendo não me traz consolo nenhum. Melhor eu encerrar este post e ir ajudar minha mulher a enxugar e engavetar os talheres ou minha próxima mudança será para uma casa sem ela!

O díptero traído

ResearchBlogging.org

 

à minha colega, Profa. Celice Silva,

sim, há coisas legais nas plantas também

 

Naquela manhã, no consultório psicanalílico…

 

Já haviam se passado cinco minutos e nada do cliente aparecer. A doutora foi conferir na ante-sala e teve um sobressalto. Sua secretária, rolo de jornal em riste, se preparava para golpear uma mosquinha de asas murchas que havia pousado sobre sua mesa. A doutora deu um ágil pulo e tomou a arma da mão da secretária, salvando assim seu cliente da morte súbita.

-Pode entrar e ir se acomodando, Sr. Megapalpus. Eu vou num segundo. – Disse a analista sem tirar o olhar de repreensão da secretária.

A mosquinha pousou bem no encosto do divã, alheio aos gritos do lado de fora da sala, no máximo percebeu uma leve vermelhidão no rosto da terapeuta e suas carótidas saltadas ao entrar na sala.

-Bom dia. Como tem andado o senhor?

-Estou sofrendo de amor, doutora! Num momento nunca tive tanta sorte com as garotas, no seguinte todas me abandonaram. Não tenho mais motivo para viver. A senhora deveria ter me permitido o alívio eterno debaixo daquele rolo de jornal – E o pequeno díptero pontuou a frase com um muxoxo do labro.

-É mesmo? Que coisa. Quer me falar mais sobre esta maré de azar? – A terapeuta era treinada em ignorar rompantes depressivos.

-Olha, doutora. Nunca fui um rapaz de muito traquejo com as fêmeas. Sabe como é, há tantos outros machos por aí com os tergitos sarados de academia. Quase nunca me dava bem. De uns tempos para cá, em uma floreira perto de casa não paravam de aparecer mosquinhas lindas pousadas sobre as belas pétalas alaranjadas que nos serviam de lençol. Elas eram perfumadas como uma flor. Tão lindas, tão acessíveis e tão… tão… tão pouco seletivas!

– E como era a vida de vocês longe da floreira? – Indagou a psicóloga.

-Relacionamento fora da floreira? Doutora, isso praticamente não existia. Elas eram insaciáveis, sempre dispostas a mais e mais. Me aceitavam como sou, me enchiam de amor e prazer. No mais, elas me escutavam e me compreendiam como ninguém. Se eu começava a falar de mim elas eram excelentes ouvintes, jamais me interromperam. Mas era só um interlúdio entre uma sessão de sexo e outra. Nós nos amando no jardim e uma chuva dourada de pólen jorrando sobre nós com o frenesi dos meus movimentos.

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É o que não pode ser que não é

Fonte: Ellis e Johnson, 2010

 

-Menos detalhes, meu amigo. Menos detalhes. Quantas eram as suas amigas especiais? Quando começaram estes casos?

-Na primavera. Foram dois meses de muita paixão. Tinha no total dezesseis amantes. – Respondeu o díptero quase orgulhoso.

– E quando e por que tudo terminou?

-Me parte o coração só de lembrar. Ontem pela manhã voltei para minhas deusas na floreira e tudo havia mudado. Nossos lençóis de pétalas alaranjadas caídas sobre a terra, assim como os cacos do meu coração. Todas haviam partido juntas, só restava na floreira os frutos compostos das margaridas em início de amadurecimento. Fiquei tão preocupado com elas, perguntei a uma aranha de jardim que passava por ali. Mas, em vez de me responder, a maldita riu de mim. Não sei se minhas amantes foram raptadas, se me usaram e se cansaram de mim.

-Senhor Megapalpus, tenho outra má notícia para o senhor. – Instantaneamente o rosto da mosca se deformou de preocupação e uma lagrima escorreu do ocelo esquerdo. – Acho que o senhor estava sendo enganado desde o início da primavera. Fêmeas meio inertes, sempre acessíveis, cheirosas como uma flor, encontros sobre as pétalas, tudo começou na primavera, chuva de pólen. Elementar, meu caro díptero, estás sendo ludibriado por flores precisando de um polinizador. Em algumas orquídeas as pétalas simulam em odor e forma uma fêmea que atrai machos para copular. Ao tentar isto os machos se cobrem de pólen que é levado a outra planta quando este macho novamente é enganado. Nunca havia ouvido falar de margaridas fazendo isto com moscas, mas é a única explicação que me ocorre.

Na saída do consultório mosca e secretária se defrontaram novamente. Desta vez ambas estavam com cara de humilhadas; esta por ter sido enganada por uma flor, aquela pela bronca que levara. O Sr. Megapalpus capensis nem se deu ao trabalho de marcar outra sessão, aquela questão seria resolvida com sangue, ou melhor, neste caso com seiva bruta.

 

Ellis, A., & Johnson, S. (2010). Floral Mimicry Enhances Pollen Export: The Evolution of Pollination by Sexual Deceit Outside of the Orchidaceae The American Naturalist, 176 (5) DOI: 10.1086/656487