A siba mitomaníaca

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Naquela manhã no consultório psicanalítico…
A recepção estava em silêncio e já passava do horário da próxima cliente. A secretária havia tirado a manhã para ir ao médico, estava com medo de ter sido contaminada por um pai barata d’água que estava em crise com medo de não serem seus os ovinhos que protegera com tanto afinco.
A doutora resolveu procurar do lado de fora e percebeu um vulto esgueirando-se do vaso de plantas em direção ao balcão da atendente. Agora, olhando para o balcão, tudo parecia normal. O pote de caramelos, a agenda, os dois porta-lápis, o retrato da família da secretária. Dois porta-lápis? Ali costumava haver um só!
– Bom dia, Srta. Sepia, pode sair do seu esconderijo. Já a vi. – Ao perceber que tinha sido descoberta a siba se dismilinguiu sobre o balcão, os bracinhos, antes perfeitamente parecidos com lápis e canetas coloridas, murchos sobre a mesa e todo seu corpo num tom pálido e decepcionado.

à esquerda o porta-lápis, à direita a siba camuflada de porta-lápis. Repare como os braços imitam bem os lápis.

Fonte: www.submarino.com.br

-Vamos entrando. – Disse a doutora enquanto fechava a porta e a cliente se deitava no divã. Ao virar-se o consultório parecia novamente vazio. – Minha cara, você se importa de NÃO imitar o padrão de cor do estofado. Não me sinto muito à vontade conversando com minha mobília.
-Desculpe doutora. É tão difícil me controlar!
-Controlar… – Ecoou a analista nem em tom de afirmação nem de pergunta, só para instigar a cliente a falar mais.
-É. Não paro de me camuflar.
-Se camuflar? Você gosta de parecer aquilo que não é? – Continuou a terapeuta.
-Não, quer dizer, sim. Não é por mal, doutora. Eu só não consigo evitar. Sabe, doutora, já nem sei como sou de verdade, quero dizer, sem me camuflar em nada. – Foi dizendo o bichinho e passando com leveza para cima da mesa de centro.
-Esse comportamento é típico de quem tem vergonha do seu self. Você tem medo de mostrar ao mundo o seu eu-interior?
-Não, doutora. Eu tenho medo é de mostrar o meu eu-exterior para o eu-exterior dos meus predadores e terminar no eu-interior deles! O recife está coalhado de garoupas com infinitos dentes na boca e elas adoram uma siba como petisco.
-Compreendo. Mas e no momento, o que você tem a temer? – interrogou a psicóloga.
-Aqui no consultório? Nada, oras.
-E por que você continua se camuflando?

Agora de verdade, A siba usa não só cores, mas a posição dos braços para se camuflar.

Fonte: Barbosa et al., 2011 (citação completa abaixo)

-Mas eu não estou… Ah!! – Gritou a siba ao ver que estava com o manto preto, a cabeça e o início dos tentáculos erguidos e  verdes e as pontinhas rosadas como o vaso de violeta ao seu lado. – Doutora, o que está acontecendo comigo?
-Acontecendo contigo? Você está se transformando no Karl von Frisch. – Respondeu a analista sem querer apavorar o molusco.
-Em quem? Ah!! – Outra vez a siba assustou-se ao ver refletida no vidro de uma fotografia emoldurada a mesma imagem de um senhor de cabelos espetados, queixo pronunciado e óculos que estava no retrato.
-Acalme-se! Vamos precisar de mais consultas e vou te recomendar um remédio. Mas você precisa voltar ao consultório duas vezes por semana, Srta. Sepia. – A cefalópode agora estava acuada num canto do consultório, seus oito braços e dois tentáculos envoltos no próprio corpo encolhido e uma lágrima de tinta preta lhe escorria pelo sifão.
-Até logo, doutora. Por favor, não desista de mim. – E a siba saiu pela porta, branca e salpicada de pintinhas pretas como o papel de parede.

Barbosa, A., Allen, J., Mathger, L., & Hanlon, R. (2011). Cuttlefish use visual cues to determine arm postures for camouflage Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences DOI: 10.1098/rspb.2011.0196

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Pensamento de Segunda

À mulher que eu amo

Muita gente ataca o Mar. Eu faço amor com ele.

Jacques Cousteau

Pensamento de Segunda

Ainda não vejo deus aqui de cima.

 

Yuri Gagarin

Eduardo Bessa entrevista a Ariranha

Além da entrevista com o Johny e seus peixes-boi eu aproveitei a ida a Manaus para conversar com o Prof. Fernando Rosa, também do INPA. O Fernando é uma dessas pessoas que entrega o gosto que tem pelo seu objeto de estudo na primeira vez que fala deles, seja por um brilho nos olhos, seja pela disponibilidade em atender e conversar comigo. Nesta entrevista (que teve um pequeno probleminha técnico com relação ao som que eu não dei conta de corrigir, mas que não atrapalhará se você aumentar o som) conversamos sobre um acidente entre uma ariranha, uma criança e um bombeiro ocorrido no zoológico de Brasília que virou uma lenda urbana nacional, discutimos conservação das ariranhas, comportamento desses animais e os prazeres e agruras do trabalho com mamíferos aquáticos no Brasil.

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Um diálogo chato entre um cientista e um pós-modernista



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Pós-moderinista: Ei, cientista,
os conhecimentos científicos são só uma invenção humana.

Cientista: É, mas ela funciona.

Pós-modernista: E toda essa
história de suficiência amostral e método de coleta e muito mais é pura
arbitrariedade.

Cientista: Sim, mas uma
arbitrariedade que funciona.

Pós-modernista: Além disso, o
resultado de tanto trabalho não é definitivamente a verdade absoluta.

Cientista: Não, mas funciona.

Pós modernista: E vocês cientistas
não conseguem atingir a neutralidade que desejam nas pesquisas que fazem.

Cientista: Não totalmente, mas
ainda assim fnciona.

Pós-modernista: E esse
conhecimento que o povo acredita ser puro e imparcial é um produto da cultura
na qual vocês estão inseridos.

Cientista: É, mas ele funciona.

Pós-modernista: Além do mais, a
indução dos resultados necessária à generalização que vocês tanto valorizam
pode não acontecer sempre.

Cientista: Pode, mas em geral
funciona.

Pós-modernista: Com todos estes
defeitos, por que é que você continua fazendo ciência?

Cientista: Por que ela funciona.

Pós-modernista: Ai, não dá para
discutir com estes cientistas bitolados. Eles não têm profundidade de
argumentos.

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Arte e Ciência 3- Escher no Rio

Que tal usar conceitos de geometria e neurofisiologia para compor obras de arte? É isto que M. C. Escher fez em suas obras que estão em uma exposição no CCBB do Rio de Janeiro até o dia 27 próximo. A exposição conta com um conjunto de obras do artista, um vídeo 3D sobre seus sólidos impossíveis e um conjunto de instalações sobre as obras que usam ilusões. Tudo muito bem feito e organizado, vale a visita.


Por trás de todo homem existe uma grande mulher.

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Não temam, não há crise nenhuma! Um diálogo dialético com Boaventura de Souza Santos

“De certa maneira, o sujeito dialético é interpolado em uma narrativa construtiva que inclui a cultura em sua totalidade. Abundantes teorias existem enfocando o paradigma textual da narrativa, mas o modernismo sugere que o consenso é, apenas e tão somente, um produto da comunicação, desde que o ensaio de Lyotard sobre a narrativa construtiva seja considerado válido. Assim, diversas construções acerca do paradigma materialista do gênero podem ser desveladas.”

Sabe do que se trata o texto acima? Nem eu. Ele foi produzido por sorteio de palavras no divertido site Pos-modernism generator e traduzido livremente por mim. Comecei o texto com esta citação falsa para dar uma ideia de a que sobrevivi.

Semana passada superei um desafio: Li de capa a capa um livro cujo conteúdo eu discordava escrito em uma linguagem que entendo pouco e que, mais importante, me seduz menos ainda. Em um grupo de discussão do qual participo sobre o conceito de ciência nos foi sugerida a leitura e discussão do livro “ Um discurso sobre a ciência”, do sociólogo português Boaventura de Souza Santos. Em síntese o autor sugere que a ciência como a conhecemos está em crise e se encaminhando para ser substituída por uma nova forma de fazer ciência. O livro foi o texto curto mais longo que já li. Apesar de serem apenas 51 páginas, tudo é escrito em termos tão empolados e circulares, como bem cabe a um pós-modernista, que poderia muito bem ter sido gerado no programa do site referido acima.

Santos sugere pesquisas emblemáticas da física como a relatividade de Einstein e a Física quântica como evidências de que a ciência vai mal das pernas. Aliás, relatividade e princípio da incerteza de Heisemberg são dois dos conceitos preferidos de quem quer dobrar a compreensão do que é ciência. Isso porque, a princípio, estes campos subvertem algumas de nossas certezas. É de fato desconcertante pensar que um objeto está e não está em um dado lugar ao mesmo tempo, mas todos que se apropriam destes conceitos o tiram de contexto de forma a ajudar a denegrir o próprio empreendimento que os gerou, a ciência. Para entender melhor o que estes conceitos da física falam e como eles foram distorcidos no raciocínio do Boaventura veja o post do Kentaro.

Boaventura segue argumentando que, a seu ver, tudo o que a ciência faz é subjetivo, já que nem suas medidas nem suas ferramentas de análise (a matemática) são precisas. Este é outro exercício corriqueiro dos pós-modernistas. Relativizar tudo (talvez daí o gosto pela teoria da relatividade em mais um mal-entendido) é dizer que nada é bem assim como pensamos que seja. Entes primitivos da matemática como ponto e zero demandam uma definição, mas daí a dizer que nada que use matemática é preciso é um exagero. Assim o autor escreve: “Em vez da eternidade, a história; em vez do determinismo, a imprevisibilidade, […] em vez da ordem, a desordem.” O que ele descreve como sintomas de uma ciência convalescente, quase moribunda, pode ser apreciado por outros como as ideias que permitiram algumas das maiores revoluções tecnológicas para sedimentar a forma atual de fazer ciência. Não existe uma crise na forma com que fazemos ciência.

De fato, a ciência desenvolveu tamanho status que formas de produção de conhecimento, que mereceriam atenção e respeito simplesmente por serem produtoras de conhecimento, disputam para serem aceitas como ciência, muito embora não apliquem o próprio método que define o que é ciência. As limitações e percalços da ciência parecem perder importância, tornando-se a proverbial grama do vizinho.

Boaventura continua discutindo que a ciência está em crise porque não é bela. Em suas próprias palavras: “o conhecimento científico moderno é um conhecimento desencantado e triste, que transforma a natureza num autômato.” Ora, como bom relativista o autor deveria saber que a beleza está nos olhos de quem vê. Parafraseando o livro de Richard Dawkins, um arco-iris é mais bonito se não soubermos que ele é o resultado da difração da luz por gotículas de água dispersas na atmosfera? Acredito que não. Ao contrário, aos interessados, a compreensão só irá aumentar a beleza ou o interesse de determinado assunto.

Boaventura de Souza Santos encerra seu livro apresentando como será o novo modelo de produção científica. Bem, ele tentou ao menos. Seus presságios foram escritos perto de 1985 e até o momento nenhuma de suas profecias passou nem perto de concretizar-se. Ele começa propondo que as ciências duras e humanas se fundirão, convergindo para o modo de ser das ciências humanas. A ciência dura busca isentar-se de interferir em seus resultados, já as ciências sociais acreditam que a interação é inevitável. Buscar alterar o mínimo possível seus resultados precisa ser um objetivo do cientista, abdicar disto é jogar para cima todo o procedimento que fez a ciência atingir seu status atual. Se esta previsão do autor se concretizasse a ciência perderia seu caráter, felizmente ele tem se demonstrado muito ruim de chute.

Em mais um exemplo de malabarismo literário o autor afirma que, em sua ciência pós-moderna, não haverá mais separação do conhecimento em áreas. Novamente transcrevendo-o: “Todo conhecimento é local e total […] Sendo um conhecimento disciplinar, tende a ser disciplinado, ou seja, segrega uma organização do saber orientada para policiar as fronteiras entre as disciplinas e reprimir os que as quiserem transpor.” Mais uma vez o autor não conhece nada de como se faz ciência de ponta hoje, numa edição recente da Nature a matéria de capa estudava a relação entre formas de governo polinésias usando sistemática filogenética, uma ferramenta tradicionalmente da biologia. Atravessar barreiras é uma das formas mais culturalmente ricas e cientificamente elegantes de gerar novos conhecimentos. Talvez aí o autor acerte caso suas premonições se concretizem. Particionar o conhecimento em disciplinas acontece porque o volume de informação é tão grande que é impossível dominar muitas áreas. Já que a ciência pós-moderna que ele propõe parece inviabilizar a produção de um grande volume de conhecimento, é possível que com o tempo voltemos a dominar muitas áreas como na época da história natural.

As duas últimas propostas do autor são: a ciência do futuro será uma forma do cientista se auto-conhecer e que todo conhecimento científico quer ser conhecimento popular. O primeiro é mais uma investida relativista, cientista que quer se conhecer não vai estudar as ligações atômicas possíveis entre elementos químicos, vai fazer terapia! A ideia é que as pesquisas, as hipóteses e as conclusões que um pesquisador elabora falam mais sobre o pesquisador do que sobre a pergunta. Não é que não falem sobre o pesquisador, mas o foco delas não é este. Quem quer auto-conhecimento não vira pesquisador, vira sujeito experimental. Quanto ao senso-comum, até poderia aceitar que seria interessante que o conhecimento científico fosse tão bem divulgado que fizesse parte do repertório de conhecimento do cidadão comum, mas não tornando-se saber popular. Ele pode ser dominado pelo público sem perder seu caráter de ciência.

Se valeu o sofrimento da leitura? Como disse o Karl, pelo menos o livro ainda gera discussões e posts. Mas nas próximas reuniões vou pressionar para ser algo mais digesto. E chega que eu acho que este é o post mais longo da história do Ciência à Bessa…

Pensamento de Segunda

O sábio começa no fim. O tolo termina no começo.
G. Polya

Pensamento de Segunda

Não conhecemos coisa alguma além do nosso modo de perceber os objetos, um modo que nos é peculiar e não necessariamente compartilhado por outros seres.
Immanuel Kant

A caranguejo ferradura adúltera

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Naquela manhã no consultório psicanalítico…

 

Outra vez a Terapeuta aguardava com a porta do consultório aberta a chegada do próximo cliente. Ela detestava ter que fazer isto porque considerava que sua sala deveria ser algo mais reservado. Simbolicamente, o consultório é quase um útero, diria Jung. Então ali estava a Dra., com seu útero aberto, tudo por causa da secretária. Desde que um caranguejo chama-maré com síndrome da hiperatividade beliscara a secretária a ponto de arrancar-lhe a carne, haviam as duas acertado que em dia de consulta daquele ou outros crustáceos a secretária não compareceria. O cliente de hoje era, de fato, um quelicerado, mas a Dra desistiu de discutir os detalhes taxonômicos com a funcionária e a liberou.

A criatura que saiu do elevador mais parecia uma dessas semi-esferas usadas para separar duas pistas seguida de um rabinho triangular esquisito. Arrastava-se com dificuldade desde o paleozóico até o presente, consultório adentro.

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Umas fiéis (abaixo) outras se divertem(acima)
Fonte: Searcy & Barret, 2010, Animal Behaviour

-Bom dia, Sra. Límula. Seja bem vinda. Como vão seus 54208 filhos? – Saudou-a a psicanalista.

-Bom dia, doutora. Veja, agora já são 115892, mas não tenho muitas notícias deles. A última vez que os vi foi na forma de ovinhos pela areia da praia.

-Huh! Compreendo. E o que me conta hoje? – Perguntou a analista ajudando a cliente, que media 30 cm, a subir no divã.

-Ah, doutora, a estação tem sido ótima. Acabamos de ter uma maré alta perfeita, o amor estava por todos os lados, as águas tépidas. A sra. já esteve no México na primavera? Tudo é tão bonito lá, as praias têm areias brancas e águas azuis…

-Sra. Límula, a senhora não veio aqui conversar sobre o México. Por que não corta o papo e vai direto ao assunto que está tentando evitar? – Disse a analista em um tom paciente, mas assertivo.

A cliente afundou no divã, seus olhos compostos eram duas bolinhas negras de tristeza.

-Tem razão. É que aconteceu uma coisa essa última maré alta. A caminho da praia eu conheci meu marido. Nos encontramos, conversamos e ele era um macho maravilhoso, tinha uma pegada firme, me fez sentir segura com ele. Passamos meses pareados na orla esperando pela maré certa e a espera foi perfeita, nosso amor só crescia.

-Eu pressinto um “mas” vindo por aí. – Murmurou a psicóloga consigo mesma.

-Mas no  dia que subimos à praia não sei explicar o que aconteceu. Assim que chegamos um grupo de quatro machinhos  veio conversar, tinham um papo agradável e meu marido não pareceu se incomodar com a presença deles ali. Eles eram simpáticos, mas não eram o tipo que uma garota escolhe como marido, inspiravam mais uma aventura amorosa do que uma relação séria. Ainda assim, suas personalidades descontraídas e sedutoras de quem passa o dia na praia esperando para a azaração me cativou. Ai doutora, meu corpo tinha urgência de sexo que nas últimas semanas eu não tinha dúvida de que seria com meu marido, mas naquele momento aqueles quatro estranhos ali não me saíam do prossoma. Começamos a cavar um ninho e eles se aproximavam cada vez mais, agora se metendo entre eu e meu marido. Aquele que deveria ser o momento de maior privacidade de um casal agora era compartilhado com aqueles quatro rapazes. – À medida que falava, a Sra. Límula procurava no rosto da terapeuta qualquer traço de reprovação que permanecia oculto. Então ela decidiu seguir adiante. – Dra, acasalamos nós seis juntos. Ao mesmo tempo em que eu desovava na areia e meu marido fecundava meus ovos aqueles quatro pervertidos também jogavam seus gametas entre meus ovos.

-A senhora gostou de ser cortejada por tantos machos? – Perguntou a psicanalista.

-Ora, doutora. Isso não é certo! Eu deveria ter deixado a praia assim que aqueles rapazes chegaram. Uma xifosura séria não deveria…- A frase foi interrompida pela analista.

-Poupe seus recalcamentos para seus diálogos internos. Se a senhora veio em busca de perdão tem uma igreja católica ali na esquina. Aqui é um consultório psicanalítico. Aqueles cinco pretendentes te encheram a bola, não foi?

-Foi sim, doutora! Alimentaram meu narcisismo. Eu adorei acasalar com aqueles cinco homens. Não achei certo com meu marido depois de tanto tempo de devoção. Mas, no que se refere a mim, eu adorei o sexo. Sou uma vadia e gosto disso! – Gritou a carangueja numa catarse que terminou em lágrimas que ela tentou esconder com as quelíceras.

A psicóloga esperou alguns instantes até que a cliente se acalmasse. – Sra. Límula, seu marido não é o único xifosuro interessante no mundo. ele é UM deles. Por que acha que não tem direito ao prazer de ter vários parceiros ao mesmo tempo se o mais interessado na sua monogamia, que é o seu marido, pareceu ceder a ela?

-Mas e a minha segurança? Isso de ter vários parceiros não é perigoso? – Foi a vez da cliente perguntar.

-Sua fecundação é externa, isso reduz o risco de doenças sexualmente transmissíveis. Ainda há outros custos possíveis, mas nenhum parece te afetar muito. Sra. Límula, parece ser uma tática entre alguns caranguejos ferradura ser monogâmicos e outros não o serem. Você deveria se preocupar menos e aproveitar mais, ainda mais sabendo que seu marido aceita essa relação aberta. – Concluiu a doutora no exato momento em que a duração da consulta se esgotou.

A terapeuta ficou assistindo enquanto aquela criaturinha tão primitiva e tão complicada se afastava a passos vacilantes. Dava para perceber que ela deixara o consultório ainda não convencida, mas a semana que se seguiria iria se encarregar de convencê-la através de seus diálogos internos.

Johnson, S., & Brockmann, H. (2010). Costs of multiple mates: an experimental study in horseshoe crabs Animal Behaviour, 80 (5), 773-782 DOI: 10.1016/j.anbehav.2010.07.019