Manchetes comentadas 22: IBGE divulga registros civis dos últimos 10 anos

 

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Saiu essa semana o resultado das pesquisas de registro civil no Brasil de 1998 a 2008. Não sei se eu estou com o olhar enviesado pela excelente palestra da Prof. Fívia Lopes, da UFRN, mas achei interessante como, por mais que alguns de nós tentem negar, somos mesmo o bicho-homem, à imagem e semelhança das teorias evolutivas.

Um dos resultados que me saltou aos olhos (e aos olhos de mais um monte de canais nas internetas) foi a dos registros de divórcio não consensuais. Na verdade esse é um número a corroborar algo que já sabíamos da vida diária: Mulheres acionam o divórcio muito mais frequentemente do que homens. Em geral quem termina as relações são as mulheres, aqui em Mato Grosso, por exemplo, três quartos dos divórcios são pedidos pelas mulheres. Homens tendem a cozinhar as parceiras em banho-maria, dificilmente interrompem uma relação definitivamente, morrem de medo de ficar sozinhos e adoram um flash-back com as ex. Fêmeas em geral, graças a seus caros gametas, são muito mais exigentes com a relação que têm do que os machos. Por deterem um recurso tão caro, as fêmeas se dão ao direito de exigir dos pretendentes mundos e fundos, e enrolar para terminar uma relação que já não garante o que valem seus preciosos óvulos seria por demais custoso. Melhor colocar um ponto final e partir para outra. Já os machos têm um grande retorno para cada fêmea que conseguem para si. Assim, o macho perde muito ao deixar partir uma parceira fixa, o processo de conquista de uma nova será custoso. Seria mais interessante tentar manter a parceira antiga sem muito investimento enquanto ele pode desviar atenção e tempo a novas pretendentes. Talvez esse fato biológico possa explicar um bocado dos dados revelados esta semana pelo IBGE para humanos. Veja bem, em termos absolutos de custos e benefícios energéticos a equação é mais ou menos esta, mas existem centenas de variáveis que podem permear nossa matemática e influenciar nesse resultado. Não fosse assim estudar comportamento seria algébrico demais e interessante de menos para mim e não teríamos tanta variação nos resultados obtidos pela pesquisa.

Outros dados interessantes estão relacionados aos óbitos. Uma análise comparativa mostra que homens morrem de causas violentas com uma frequência quase cinco vezes maior do que as mulheres. Os psicólogos evolucionistas relacionam isto à importância dos machos se exibirem para as fêmeas no processo de corte e na competição, mesmo que indireta, por uma parceira. Os dados apresentados pelo IBGE coincidem fortemente com aqueles da faixa etária em que as uniões dos casais se dão, que também estão ao redor da idade fértil dos parceiros. O jovem pode se envolver em violência ao tentar tomar para sim uma parceira como em uma briga de boate, se exibindo sobre uma moto e sofrendo um acidente, tentando ganhar prestígio ao tornar-se o líder de um ponto de tráfico ou se arriscando em um serviço perigoso para aumentar seus rendimentos. O status oferecido pelo dinheiro, pela platéia aplaudindo sua empinada ou pelo resto da quadrilha podem tornar-se a diferença necessária entre conseguir uma parceira ou ficar só e não se reproduzir. Uma análise interessante seria comparar o número de mortes violentas por estado à razão sexual operacional, ou seja, a quantidade de homens por mulher disponível.

É certo que há uma riqueza intrinseca na diversidade de comportamentos humanos, mas também é interessante compreender as forças que cada fator das nossas vidas exerce sobre esses comportamentos resultantes. Esta compreensão poderá nos auxiliar a pensar nossas vidas de forma mais eficiente e justa, desde que não cubramos nossos olhos para essas influências por preconceito ou medo, que são, mais ou menos, a mesma coisa.

O que pensam os leitores sobre a teoria da evolução?

Já que eu estava demorando tanto para escrever aproveitei para lançar este post no dia da publicação da Origem das Espécies em comemoração. Os dados apresentados aqui foram obtidos através da enquete que fiz dia 7 de outubro último, de um questionário por e-mail ou pessoalmente e de uma tabulação de comentários no próprio blog. Apresentei-os na mesa redonda da qual participei no Enconntro Anual de Etologia sob um enfoque mais comportamental, mas aqui vão só alguns pensamentos que me ocorreram vendo os dados.

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Foram obtidas um total de 169 respostas divididas como mostra o gráfico de pizza. Ao lado dele vocês podem perceber uma escala da importância atribuída a cada um dos tópicos que eu mesmo sugeri como os responsáveis pelas maiores críticas à evolução. Outra coisa que achei interessante fazer foi comparar onde há discordâncias entre o que os professores julgam ser inaceitável e o que os aprendizes julgam inaceitável. Isso me remeteu a professores enfatizando pontos passivos e aprendizes não tendo suas dúvidas sanadas.

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Apesar do número relativamente pequeno de críticas ao registro fóssil, um verdadeiro top ten hit nos ataques criacionistas à evolução há exatos 150 anos, vale a pena enfatizá-lo. Dedicar a este ponto o descarte da teoria evolutiva só pode ocorrer por um bom desconhecimento da paleontologia, tanto no que diz respeito à descoberta de fósseis como ao próprio processo de formação deles. Encontrar fósseis não é uma tarefa fácil, os afloramentos onde eles ocorrem são verdadeiras emersões do passado no presente. É como um sonho, a princípio passamos toda a fase REM do nosso sono sonhando, mas apenas nos recordamos do que sonhamos nos segundos imediatamente anteriores ao despertar. Alguns sonhos são nítidos e claros, mas a maioria é fragmentária e confusa. O mesmo ocorre com as jazidas fossilíferas, a maioria do passado fica oculto por toneladas de sedimentos. Isso imaginando que a fossilização ocorreu, o que nem sempre é o caso. De fato, fossilizar-se é mais excessão do que regra, o que torna ainda mais raro ter registros claros do passado. No entanto, quando encontramos jazidas contendo uma história bem documentada da evolução os exemplos são belíssimos, vide “à beira d’água” de Carl Zimmer.

O primeiro ponto em que há discordância entre as dúvidas dos aprendizes e os esforços dos educadores está na crença de que a evolução tem um objetivo. Poucos aprendizes julgaram este como um ponto importante, mas os professores mencionam dedicar-se muito a elucidá-lo. De fato, acho um desserviço à evolução reforçar a perfeição das coisas vivas. Me divirto muito mais enfatizando como somos um amontoado de gambiarras que funcionam mais ou menos bem pelo menos até a hora de acasalar e passar tais gambiarras pra frente. Foi isso que eu e o Carlos Hotta do Brontossauros tentamos passar neste episódio das aventuras do Guto e Dadá, personagens genialmente criados por ele para a Ciência Hoje das Crianças e que eu tive a honra de bolar algumas histórias.

Outra dificuldade  comum na compreensão da evolução é mais um problema dos nossos cérebros pleistocênicos do que da teoria em si. Não fomos programados a pensar com grandes quantias de nada. Lembro-me de uma vez em que um operário muito humilde ganhou na mega-sena e foram perguntar-lhe o que faria com o prêmio de 36 milhões que havia recebido. Ele respondeu que finalmente teria dinheiro para comprar a bicicleta que o filho queria. Não sabemos pensar com 36 milhões de reais assim como não sabemos pensar com 4,2 bilhões de anos. Por isso adoro as projeções de proporcionalidade que fazem disso, como comparar a escala de tempo geológica com o calendário de um ano (vou lançar este post na véspera de ano novo) ou com o comprimento do seu braço que eu repito todo semestre em sala de aula.

O segundo ponto em que as opiniões de aprendizes e professores discordam é quanto à impossibilidade de um processo parcialmente aleatório gerar tamanha complexidade. Aí assustadoramente os professores julgaram a questão sem importância enquanto os aprendizes a julgaram fatídica para a aceitação da teoria. Só para constar, estas discordâncias foram avaliadas pela estatística de qui-quadrado com nível de significância de 0,05 e esperando-se que cada parte dedicasse atenção igual à questão. A resposta deste problema para mim reside no “parcialmente” aleatório. Há que se lembrar que só metade da equação darwinista (herança com modificação) é aleatória. Outro exercício útil aí é a divisão de qualquer coisa complexa em infinitos passos intermediários que poderiam ter surgido casualmente e se dispersado pela população, como Dawkins faz com o olho no relojoeiro cego.

Um outro ponto interessante é que muita gente ainda faz a maior confusão entre as idéias de Darwin e as teorias de origem da vida, um professor meu de muito tempo atrás dizia que a origem das espécies nem diz como surgiu a primeira e nem define espécie. Aí houve mais uma discordância entre a opinião dos parendizes e dos professores. Sendo que, via de regra, os professores afirmavam que seus antecessores não ensinaram evolução direito, por isso os alunos não a compreendiam. Outra crítica interessante e fácil de responder é a que diz que a evolução é só uma teoria, uma prova clara de que quem diz isso não entende filosofia da ciência. Para isso vejam este video formidável que peguei no youtube neste post aqui.

Por fim, o tópico mais mencionado foi o da discordância entre religião e evolução. O Osame Kinouche, do Sem Ciência, lembrou em seu comentário que não existe nenhuma correlação intrinseca entre a aceitação da evolução e a crença religiosa. De fato, as duas coisas pertencem a esferas da nossa vida bem distintas, fé não se discute, não exige evidências materiais. Só acho que trabalhar suas idéias com crítica e exigindo sustentação factual quando se está pensando cientificamente e desligar essa chave mental quando entra-se no templo (qualquer que seja ele) é uma postura meio esquizofrênica que eu não conseguiria levar, mas se você consegue é melhor aceitar a evolução em paralelo a manter sua religião do que jogar fora o bebê junto com a água da banheira.

Feliz aniversário de 150 anos da Origem das Espécies a todos. Vamos unir esforços porque esta idéia vale a pena!

Enquete sobre evolução

 

A enquete sobre a compreensão pública da evolução só fica mais esta semana no ar, daí irei tabular os dados para minha palestra e para um post futuro. Quem ainda não respondeu, não deixe de participar. Não desligue, dentro de instantes iremos atendê-los, a sua participação é muito importante para nós!

 

Para acessar a enquete clique aqui.

Pensamento de segunda

“Platão é meu amigo, Aristóteles também, mas minha melhor amiga é a realidade.” (Isaac Newton)

Pensamento de segunda

“Nós descobrimos o segredo da vida.” (Francis Crick)

Pensamento de segunda

Feliz dia das crianças

 

“Um cientista em seu laboratório é como uma criança numa loja de brinquedos.” (Marie Curie)

Memórias do cárcere

A restrição da liberdade é uma das formas de punição mais distribuídas nas sociedades humanas, mas também a aplicamos constantemente a animais nos jardins zoológicos. Entre os humanos a reclusão é um estímulo aversivo que pretende inibir determinados comportamentos inaceitáveis, mesmo assim os presos têm seus direitos e até sabem se organizar para fazer exigências, como mostra o filme “Salve Geral” que assisti este final de semana. Já os animais de zoológico, que nada fizeram contra a sociedade, são mantidos em cativeiro com pelo menos três funções:

  1. Preservação ex situ de animais silvestres, ou seja, a manutenção de alguns exemplares protegidos, mesmo que fora de seu ambiente natural.
  2. Possibilidade de pesquisar animais raros ou pouco afeitos ao contato humano.
  3. Ferramenta de educação ambiental para a sociedade aprender a cuidar dos que permanecem em liberdade.

 

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Onças do zoo da UFMT tomando um delicioso picolé de sangue e vísceras nos fundos do seu recinto

 

Assim, é fundamental que os animais ali mantidos tenham a oportunidade de viver da forma mais salutar que a perda da liberdade pode oferecer-lhes. Estas condições de vida ideais são básicas para assegurar os três objetivos mencionados acima, muito embora apenas bem recentemente tenha-se começado a pesquisar formas de proporcionar bem-estar em cativeiro. A principal linha de esforços neste sentido é o enriquecimento ambiental, um tipo de terapia ocupacional para animais cativos. Estas técnicas procuram atiçar os sentidos, entreter cognitiva ou socialmente, desafiar espacialmente ou variar a alimentação dos animais e tem sido utilizada amplamente por zoológicos, mas também em aquários públicos (siiiim, enriquecimento ambiental para polvos e raias!) e a cobaias de laboratório.

 

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Chimpanzé em Curitiba “lê” para afastar o estresse

Fonte: www.uol.com.br/sciam

 

Duas instituições estão em momentos diferentes deste processo por aqui. A Scientific American Brasil publicou recentemente um artigo sobre os trabalhos já bem estabelecidos no Zoológico de Curitiba para enriquecer o cativeiro de répteis, onças e lobos-guará. Segundo o artigo esta iniciativa já atinge 1400 animais ali expostos e reduziu sobremaneira as ocorrências veterinárias entre os animais. A outra face da moeda está no zoológico da UFMT, em Cuiabá, onde meus alunos e eu acabamos de publicar um artigo pela Shape of Enrichment, a maior organização de enriquecimento ambiental de que tenho notícia, sugerindo técnicas de enriquecimento para onças pintadas em um clima muito quente. Por aqui ainda temos muito o que caminhar, mas a interação com os bichos tão íntima como é nos trabalhos de enriquecimento ambiental e o interesse do pessoal da UFMT tornam o caminho muito prazeroso.

 

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Esta pauta foi gentilmente sugerida pela Scientific American Brasil.

Edward Wilson no TED

Para quem eu prometi o link da palestra do Ed Wilson no TED mencionando por que preservar espécies, mas principalmente lançando seu espetacular projeto: a Enciclopédia da Vida. Para ver as legendas clique em “view subtitles” e escolha Português (Brasil). A legenda é, em parte, um oferecimento do pessoal do Discutindo Ecologia.

Manchetes comentadas 21: Grávida engravida nos EUA

Saiu hoje no “O Globo”, Julia Grovenburg concebeu um segundo embrião duas semanas e meia após engravidar. O caso é raro e arriscado para o segundo filho, pelo menos no caso dela são poucos dias de diferença, uma colega de trabalho contou que teve uma aluna que tinha cinco meses de diferença da irmã mais velha.

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Gravida de dois. E não são gêmeos!

Fonte: oglobo.com

Quando uma mulher engravida ocorre uma tempestade hormonal que age desde a diminuição da libido em alguns casos até a transformação do útero e paralisação do desenvolvimento dos óvulos nos ovários. O principal destes hormônios na verdade nem é produzido pela mãe, mas pelo embriãozinho, é a gonadotrofina coriônica (HCG). Este hormônio faz com que o corpo da futura mãe continue produzindo progesterona e estrógeno de forma a manter o endométrio no qual o embrião se fixará e irá trocar nutrientes e gases com a circulação da mãe. Só que a manutenção destes dois outros hormônios acaba inibindo toda uma orquestra hormonal na cabeça, principalmente na hipófise, evitando que novos óvulos entrem em maturação e sejam liberados e fecundados.

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Bom, isto é o que ocorre na maioria das pessoas, mas variações sempre ocorrem. Ainda mais numa cascata de eventos fisiológicos sistêmicos finamente organizada onde alguma pecinha sempre pode sair do lugar, é mais fácil algo dar errado do que tudo sair perfeitamente conforme o planejado, mais ou menos como tudo aquilo que nos surpreende ou causa repulsa nos filmes do 007. Caso o HCG não seja produzido em quantidade suficiente a mulher pode permanecer menstruando normalmente durante os primeiros meses de gravidez, desde que o pedaço de endométrio em que o embrião está fixado não se solte. A baixa produção deste hormônio também pode afetar a ovulação da mãe, sendo liberado um segundo óvulo que poderá ser fecundado. Outra forma disto tudo acontecer seria por tratamentos para engravidar, nos quais a mulher toma altas doses de hormônios para estimular a ovulação, o que pode ocorrer mesmo após a gravidez. Não foi o que ocorreu nos EUA, segundo a mãe.

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No primeiro sonograma dá para ver as duas cabecinhas dos bebês

Fonte: webusers.physics.umn.edu

A parte traumática é o parto. Dificilmente se conseguiria num parto normal que o bebê mais adiantado fosse dado à luz e o outro permanecesse no útero. A saída então é a cesariana, mas a anestesia também leva o outro bebê a sérios riscos, assim como a recuperação cirúrgica. No caso de Júlia Grovemburg a diferença é tão pequena que valeria a pena fazer o parto de ambos os bebês ao mesmo tempo, mesmo que um saia prematuramente. Normalmente um dos bebês seria esperado para dezembro de 2009 e o outro para janeiro de 2010.

Ab Initio

Só um post rapidinho para quem estiver na Cidade Maravilhosa.

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O Prof. Franklin Rumjanek, da UFRJ, estará na deliciosa Livraria da Travessa de Ipanema esta noite a partir das 19h para o lançamento de seu mais novo livro: “Ab initio” pela Editora Vieira & Lent. Claro que ainda não li o livro, exceto um primeiro capítulo liberado pela editora à guiza de teaser, mas do que conheço dos livros do autor o texto é delicioso, divertido e muito preciso. Neste título, Rumjanek trata da evolução em seu aniversário de 150 anos, abordando temas como a dificuldade da aceitação da teoria darwinista, se os evolucionistas atuais são unânimes e se a biologia é um desdobramento da física e da química.

Bom programa aos que forem, ficarei daqui do Mato Grosso morrendo de inveja.