Pensamento de Segunda

As fundações de todo império são arte e ciência. Destrua qualquer uma das duas e o império sucumbirá.

William Blake

Bicho Bizarro: Rã madeira


Cara de pau: um casal de rãs madeiras em momentos de intimidade
Fonte: http://animaldiversity.ummz.umich.edu

O bicho bizarro dessa semana é a rã madeira (Rana sylvatica), da qual não me canso de falar. Manter o corpo quente como mamíferos e aves fazem é uma vantagem ao permitir viver em ambientes mais frios, mas esse anfíbio resolveu esse problema de outra forma. Sabe essa frente fria que está gelando boa parte do país? Para a rã madeira, que vive no Alasca e norte do Canadá, ela é fichinha. Ela tolera o frio deixando-se congelar, veja no vídeo desse link. Pouco antes do congelamento seu fígado libera glicose e seu rim uréia de forma a evitar a destruição de células causada pelos cristais de gelo e o ressecamento celular. Tudo fica bem desde que 65% da água no corpo dessas rãs permaneça descongelada. E quando o calor retorna as rãs madeiras procuram poças temporárias e danam a acasalar antes que o inverno retorne. A rã madeira, inclusive, sofre com a redução populacional graças ao desaparecimento dessas poças temporárias, seja pela retração das geleiras, seja pela terraplanagem de extensas áreas.

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Pensamento de Segunda

Um cientista que hesita em sugerir uma hipótese audaciosa por duvidar de seus dados não está pronto para realizar nenhuma grande descoberta.

Jack oliver

Pensamento de Segunda

Para a maioria, educação é levar crianças a se comportarem  como adultos. Para mim educar é fazer pessoas capazes de fazer coisas novas, não apenas de repetir o que outros já fizeram, homens e mulheres criativos, inventivos e descobridores, que possam ser críticos e verificar (não aceitar) tudo o que lhes é oferecido.

Jean Piaget

Viva a segregação!

Para a Kátia, notícias boas não têm hora para vir

Esses dias recebi uma notícia legal, uma gravidez temporã na família. Já é o 4o mês de gestação e nos exames de ultrassom o feto sempre estava numa posição na qual era impossível ver o sexo. Após a última ultrassonografia o médico solicitou um exame do líquido amniótico, tanto devido à sexagem quanto a outras condições da gravidez tardia. No exame, uma agulha guiada pelo ultrassom é inserida dentro da placenta e retira dali alguns mililitros do líquido dentro do qual o bebê fica imerso, como esta bolsa e líquido são produtos do bebê, e não da mãe, os chamados anexos embrionários, analisar as células dali é como analisar as células do próprio bebê.


Infelizmente eles não são coloridos assim dentro das suas células.
Fonte: www.brasilescola.com

Mas o que se pode analisar num exame desses? A disposição dos cromossomos do feto pode falar muito sobre sua identidade e saúde. Nós humanos temos um conjunto de 46 cromossomos, 22 pares que tendem a ser idênticos e dois cromossomos sexuais. Os cromossomos sexuais podem ser iguais nas mulheres (XX) ou diferentes nos homens (XY), então ao ver os cromossomos do feto podemos descobrir seu sexo a despeito de seus esforços para manter as perninhas fechadas. Mas não é só, a cariotipagem pode mostrar um monte de coisas sobre alterações cromossômicas.
A segregação que exalto no título não tem nada que ver com preconceito, me referia à segregação cromossômica. Na divisão celular o material genético da maioria dos organismos se duplica e depois se organiza na forma de cromossomos para ser repartido entre as células-filhas. A regra é que metade seja arrastada para uma célula e a outra metade para a outra através de uns filamentos de proteína conhecidos como centríolo. É exatamente isso que ocorre na formação de células como os espermatozóides e os óvulos. Eventualmente, no lugar de puxar um cromossomo de cada tipo para cada célula filha, dois cromossomos vão parar na mesma célula reprodutiva e nenhum na outra. Depois que ocorre a fecundação então passaríamos a ter três cópias ou uma cópia de um determinado cromossomo, em vez das duas usuais. O resultado disso pode variar desde efeitos menos severos como os encontrados em homens XYY (muita espinha na adolescência e alta estatura) até efeitos bem severos como a síndrome de Edwards (três cópias do cromossomo 18) e Patau (três cópias do 13), nas quais a criança apresenta mal-formações graves e pode ser abortada ou não ultrapassa os primeiros anos de vida.
Felizmente o exame nos revelou que nascerá uma menina, a Laura, e que ela tem todos os cromossomos no lugar. Estamos todos ansiosos.

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Concurso cultural- 2a fase concluída

E encerramos também a segunda fase do nosso concurso cultural. A resposta eleita pelos leitores foi a do Flávio Furtado, que seria uma máquina picotadora de gelo. Obrigado a todos que votaram e participaram enviando suas frases!

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Concurso cultural – Enquete

Está lançada mais uma enquete!!!
Se você fosse um equipamento de laboratório, que equipamento você seria? E por que?

Deixem uma resposta bem criativa nos comentários, a melhor leva de presente um marcador de páginas personalizado com o seu equipamento escolhido em patchwork. Publicarei todas as respostas no no final do prazo que se encerra na próxima quarta-feira, dia 18, à meia-noite. Não esqueçam de deixar nos comentários um e-mail válido de vocês para que eu entre em contato para enviar o prêmio.


O prêmio será algo parecido com isto
Fonte: http://construcaodesonhos.blogspot.com

A pedidos, vou dar a minha resposta. Eu seria uma ultra-centrífuga, estou sempre às voltas com alguma coisa.

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Rio- o filme

à Jade, minha aluna e coincidentemente apaixonada por araras

Fui conferir essa semana o Rio, estreia nos cinemas, aproveitando uma estreia nacional simultânea em Tangará (em geral aqui os filmes chegam bem depois). O filme é dessa nova safra de filmes infantis que não deixam os adultos entediados e, de fato, até levam alguns adultos sem filhos a irem ao cinema, meu caso. O enredo trata de Blu, uma ararinha azul que é capturada no Brasil por traficantes de animais e termina no frio estado de Minesota, nos Estados Unidos. Resgatada e cuidada por uma menina, Linda. Já uma mulher e sempre dedicada ao seu animalzinho, Linda recebe a visita de Túlio, um ornitólogo brasileiro interessado em acasalar Blu com Jade, uma fêmea de ararinha azul, e dar uma chance à espécie.
O filme aborda o tráfico de animais, questões sociais brasileiras, as dificuldades e medos de cada um, conservação ambiental. Um dos responsáveis por isso é o competentíssimo animador brasileiro Carlos Saldanha, responsável pelo filme. Ele é também um painel incrível sobre o nosso carnaval e a cultura brasileira em geral para o mundo inteiro ver. Tudo isso com muita atenção à fuga aos estereótipos e até a precisão científica. Até ocorrem alguns deslizes que só um zoólogo chato perceberia, como inserir fauna do pantanal e amazônia no Rio de Janeiro; a própria ararinha azul era mais típica da caatinga. No entanto o filme é diversão garantida para adultos e crianças e não deixa o cérebro morrer durante a projeção. Recomendo fortemente.

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A milhafre obsessiva

ResearchBlogging.orgNaquela manhã, no consultório psicanalítico…

A doutora já esperava o aviso de sua secretária quando escutou um barulho na janela do consultório. Apesar de ter amplas janelas de onde se podia ver boa parte da cidade, raramente as cortinas estavam abertas, dando ao consultório um escurinho uterinamente aconchegante. Ao afastar as pesadas camadas de Blackout a doutora reconheceu a cliente marcada naquele horário, uma fêmea do milhafre preto, um gavião migrador, com duas sacolas presas às possantes garras. Na mesma hora a doutora contraiu ligeiramente o canto da boca num sinal reprimido de desaprovação.

-Bom dia, Sra. Milhafre, eu a esperava pela porta da frente.

-Bom dia, doutora. Vim direto do shopping, o caminho mais curto era pela sua janela. Me perdoe.

-Era o caminho mais curto ou a senhora estava evitando minha sala de espera? – Os olhos da ave, em geral ameaçadores, ficaram vazios e ela engoliu seco. Havia algum tempo a analista precisou reprimir esta cliente que estava decidida a redecorar seu consultório e antessala. Ela alegava que mudanças eram necessárias. Na falta de resposta a analista prosseguiu. -Fazendo compras novamente então? – Perguntou fitando as sacolas da Etna e Tok Stok.

-Pois é, doutora, mas juro que não foi por compulsão. Estávamos precisando de umas coisas para casa. Olha essa capa de almofada, que coisa mais linda! Combina com o tapete da mesa de centro e as flores secas. E estes quadros que vou colocar na cozinha, que mimos. Achei baratinhos dois jarros…– A doutora, que acabara de desistir de prestar atenção, certamente não conhecia o ninho da Sra. Milhafre, mas, dado o volume de presentinhos domésticos que ela trazia a cada sessão, ou morava em um palacete ou em um relicário abarrotado de quinquilharias.

-A senhora quer me explicar por que é que estava “precisando” dos enfeites que trouxe desta vez? Convença-me de que estes artigos não são supérfluos. – À primeira vista a doutora teria rotulado esta paciente de leviana, mas ela sabia que ali havia um problema mais grave.

-Doutora, eu sei o que a senhora vai me dizer. Que eu uso isso de cuidar da casa para chamar a atenção do meu parceiro. Que é seleção sexual. Que minha obsessão é uma forma de chamar a atenção e ser mais amada. Que eu preciso encarar meus problemas de frente em vez de me esquivar. Mas dessa vez não é isso! – A analista a encarava curiosa de aonde a gavião queria chegar. – A senhora não entenderia, mas eu me sinto muito mais segura quando meu ninho está enfeitado. Lembro-me de quando era apenas uma mocinha e meu ninho era sem graça, nenhum enfeite. Meus filhotes demoravam séculos para se emplumar e vinham sempre de um em um. Sabe quantos ovos botei este ano? Três ovos, doutora! Todos nasceram saudáveis e estão crescendo lindos. Isso jamais aconteceria num ninho feio.

A Milhafre em momento nenhum olhava para a analista, ela não tirava os olhos de um quadro de Niko Timbergen que a psicóloga havia propositalmente entortado antes da sessão a título de teste. A ave tomou fôlego e prosseguiu. – E sabe do que mais? Até os engraçadinhos sem-teto que viviam invadindo meus ninhos antes de eu começar a enfeitá-los desistiram de se aproximar. É, de longe meu lindo lar demonstra que ali vive uma família sólida e decidida a cuidar do que é seu. Tenho muito menos trabalho com malandros hoje em dia. Só preciso evitar que alguém encontre e coma meus ovos, mas ladrões de ninhos, nunca mais.

– Estou convencida, Sra. Milhafre. A senhora está de alta! – Sentenciou a doutora.

– Quer dizer que estou curada?

– Não precisa mais voltar aqui. – Concluiu a analista sem responder diretamente à pergunta.

A milhafre antes de retornar ao consultório para pegar suas sacolas

Fonte: rezowan.wordpress.com

A doutora acompanhou a cliente até a janela de onde ela alçou voo com uma sacola em cada pé. Seu voo era livre e confiante como a doutora nunca havia visto, mas por dentro ela se perguntava. Se toda aquela racionalização estivesse correta, então sua obsessão pelo ninho era boa e deveria ser mantida. Se fosse apenas um subterfúgio, a analista já estava cansada de assistir sua cliente se justificando e repetindo os mesmos erros. Para se enganar era melhor que ela economizasse nas consultas. De todo modo o mais correto era dispensá-la das sessões.

Sergio, F., Blas, J., Blanco, G., Tanferna, A., Lopez, L., Lemus, J., & Hiraldo, F. (2011). Raptor Nest Decorations Are a Reliable Threat Against Conspecifics Science, 331 (6015), 327-330 DOI: 10.1126/science.1199422

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Doutores demais?

Ao Rafael, que nada disso o aflija

Algumas semanas atrás saiu na Nature (Jenifer Rohn, Give postdocs a career, not empty promises. Nature 471, 7 (2011); doi:10.1038/471007a) uma matéria acerca do que fazer com os doutores que se formam sem que haja vagas suficientes para absorvê-los. A autora sugere abrir uma nova carreira de pesquisador auxiliar em um laboratório já estabelecido e reduzir o número de pessoas aceitas para o doutorado ou o pós-doutorado em função do número de vagas disponíveis no mercado de trabalho, evitando assim as falsas esperanças referidas no título. O texto desencadeou uma onda de comentários que eu nunca tinha visto em matérias desta coluna. Boa parte deles fizeram dos comentários um consultório sentimental dando vazão a seus medos e experiências ruins. No entanto, não me senti de todo confortável com a posição da autora, ao que responderei aqui.
O principal temor da autora era a escalada de buscas por cursos de pós-doc como uma alternativa à falta de um emprego formal para os pesquisadores (e tenham em mente que no exterior a indústria tem muito mais olhos para os cientistas do que no Brasil, ampliando a área de atuação do cientista). De fato, outra matéria da Nature aponta que 43% dos doutores formados procuram um pós-doutorado, 16% fazem um segundo pós doc e 3,6% um terceiro. Não se sabe quantos destes o fazem em busca de maior conhecimento, incremento das redes de trabalho ou para aprender uma nova técnica, mas a autora acredita que a maioria é levada ao pós-doutorado simplesmente por falta de emprego. Felizmente o Brasil passa por um período diferente deste anunciado nas duas matérias, pelo menos em comparação com o passado recente. A crise financeira ainda afeta o orçamento de muitas instituições de pesquisa nos EUA e na Europa, enquanto que a política brasileira tem investido fortemente nas universidades, inclusive em contratações. Desta forma, talvez estejamos em situação menos desesperadora. E é exatamente por aí que vai minha discussão.
Se uma coisa é certa nesse mundo é que as coisas irão mudar. Se estão boas irão piorar, se estão ruins uma hora melhoram. Então, se reduzimos hoje as vagas de doutorado e pós-doc, o que nos garante que em breve o número de empregos não irá aumentar e então teremos escassez de pessoas aptas a ocupá-las? Cercear a qualificação em relação à disponibilidade de empregos seria um tiro no pé. Imagine se quando o mercado mudasse os cursos de pós reabrissem suas vagas de doutorado. Vagas não podem esperar por quatro anos para serem preenchidas, elas terminariam por ser ocupadas por pessoas com menor qualificação e os doutores formados dali a quatro anos permaneceriam sem emprego. Assim como a instituição que teve que se dobrar e contratar mestres teria de abrir mão deles em seguida para que estes se qualificassem.
Em conclusão, formar profissionais que terão que duelar a faca as vagas existentes pode ser uma boa maneira de obter os melhores, mas não é por isso que vale a pena manter as taxas atuais de pós-graduados. Flutuações que virão com o tempo têm que ser previstas e supridas pelos pensadores que devem ser formados na pós graduação.

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