Pensamento de segunda
“Humanos, que são uma das únicas espécies capazes de aprender com o erro dos outros, também são notáveis por sua determinação em não fazê-lo.” (Douglas N. Adams)
6) E quando o contrato termina?
Algumas orientações são buscadas para a realização de uma tarefa como uma tese ou monografia. Outras são apenas parte dos trabalhos em um laboratório, um teste. Principalmente o início da graduação é um período de descoberta, você passa por alguns laboratórios até se encontrar em algum deles e fincar raízes. O orientador não deveria ficar chateado se você desistir de trabalhar com ele, sabemos que não é nada pessoal. Basta que você seja transparente e jogue limpo com o orientador. Só é proibido abandonar o barco no meio da viagem. Se você recebeu uma bolsa de estudos deve concluir aquilo para que está sendo pago, obviamente. Mesmo que não haja uma bolsa, chega um momento de decidir. Quando o prazo para a realização da iniciação científica, por exemplo, chega, é necessário parar de experimentar e se decidir, mesmo que depois, na pós, mude-se de área. Já no decorrer de um projeto de Mestrado ou Doutorado a troca de orientador é mais traumática e fere egos. Há que se lembrar da teoria da banca futura, você nunca sabe quando um ex-orientador magoado será seu referee, avaliador de bolsa ou banca. E, acredite, a comunidade científica brasileira estas horas é miudíssima.
* Só para fechar a série, gosto das dicas de três fontes. Uma que uso há muito tempo é um pdf do Prof. Tim Clutton-Brock, a sumidade em comportamento de cuidado parental em Cambridge chamada “Survival strategies for Scientists”. A outra é o livro do Prof. Gilson Volpato, “Ciência, da filosofia à publicação” cuja última edição saiu em 2007 pela Editora Best Writing. Por fim, descobri escrevendo esta série um especial do Universia sobre o trabalho de conclusão de curso. Não concordo com algumas coisas que lá estão, mas vale uma visita.
5) Até aonde vai a proximidade?
Vocês já ficaram trancados na sala até 1 da manhã de uma terça-feira, já dividiram o quarto do hotel num congresso, já até saíram para almoçar, mas a relação orientador-aluno não pressupõe amizade. É claro que uma relação saudável, de respeito mútuo e fraternidade deve surgir, mas não espere que o orientador seja seu amigo. Ele irá fazer críticas tão duras a você que te deixarão com raiva, irá te ignorar em horas que ele é tudo o que você precisa, irá falhar contigo e te decepcionar, irá até saber facilmente resolver uma dúvida que te remói há dias e não lhe dirá. Além disso, cada pessoa é única. Tem orientador que critica tanto o trabalho do orientando que o resultado parece nunca estar bom o suficiente para ser divulgado. Tem orientador que aprova tudo sorridente e depois levamos ferro dos referees da revista ou da banca. Tem orientador que vai saber lidar com sua insegurança pré-banca e te colocará para cima, tem outros que não sabem lidar com sentimentos. Esteja pronto para trabalhar com um gênio intelectual na pele de um idiota social. Assim, o que vier é lucro.
Pensamento de segunda
“Física é como sexo. Certamente pode gerar resultados práticos, mas não é por isso que fazemos” (Richard Feynman)
4) Que postura devo adotar?
Seja aberto e receptivo, sem perder o senso crítico. Você tem todo o direito, até o dever, de opinar e tomar decisões, mas não passe por cima da hierarquia. O orientador espera que você tenha suas próprias idéias, mas sabe provavelmente melhor que você sobre falhas lógicas, metodológicas ou conceituais. Mas não acate a tudo sempre, discutir decisões não precisa ser um processo traumático e demonstra iniciativa. Argumente! Saiba, porém, que algumas coisas não estão abertas a negociação. Aqui no LECR (Laboratório de Ecologia Comportamental da Reprodução), onde eu trabalho, tenho quatro regras: i) Nossas reuniões de quarta-feira são sagradas; ii) Todo o mundo tem que sair dos cafundós do Mato Grosso para participar pelo menos uma vez de um congresso em nível nacional; iii) Todo o mundo precisa divulgar para a sociedade de alguma forma o trabalho que está desenvolvendo; e iv) Trabalho concluído significa artigo submetido. Todo orientador terá as suas reivindicações. Descubra-as antes de vender-lhe a alma ou será tarde demais.
3) Como funciona a rotina?
Graças ao dia-a-dia cheio de atividades dos professores de ensino superior eles não estarão sempre disponíveis. Tenha certeza de compreender quais os horários que seu orientador tem para te orientar. Fora isso, fique por dentro da rotina do laboratório, de limpar frascos de meio de cultura fedendo a banana podre a proferir seminários para os colegas, os laboratórios em geral têm uma rotina com divisão de tarefas para todos. Fure com estas responsabilidades e o orientador terá todo o direito de furar contigo também.
Pensamento de segunda
“Faça muito exercício para manter-se saudável e não leia tanto, mas poupe-se um pouco até que esteja crescido.” (Albert Einstein a seu filho)
2) E o que cabe ao orientando?
Ser orientado é um processo muito mais ativo do que passivo. Você precisa ler. Você precisa escrever o projeto. Você precisa entender a metodologia. Você precisa se engajar no laboratório. Você precisa realizar seus experimentos. Você precisa ler mais e discutir seus dados. Você é o único responsável pela conclusão do trabalho. Orientadores são co-responsáveis pelo seu sucesso ou fracasso, mas não dá para obrigar ninguém a nada!
Sobre a relação orientador-orientando
Aos meus apóstolos nas santas ceias de almoço
de quarta-feira por tudo o que têm me ensinado
Ter meus próprios orientandos é uma experiência muito legal. Durante a pós eu carregava sempre um caderninho no qual anotava ideias interessantes de experimentos para um dia poder realizar. Só que as ideias no caderninho cresciam em progressão geométrica, enquanto que a lista de idéias realizadas crescia em progressão aritmética, por isso em alguns semestres descobri que algumas daquelas páginas cobertas de pensamentos estavam fadadas ao ostracismo. Foi aí que descobri para que servem os estagiários, voltei a minhas notas e dali nasceram diversos projetos. Ainda há muitos por parir, mas hoje fico mais aliviado de não ter torrado fosfato à toa.
No entanto, a relação que emerge entre o orientador e o aluno é única. Pautada por regras silenciosas e uma etiqueta bastante rígida. Não sou nenhum orientador sênior, estou ainda engatinhando neste quesito, também não acho que eu seja parâmetro para a maioria dos orientadores ou alguém exemplar. Mas percebi que numa busca por como proceder nesta relação não havia nenhum material a contento, então resolvi escrever esta semana uma série de seis posts sobre isto.
1) Para que serve um orientador? O orientador é a figura que vai orientar (Cara, como é que eu ainda não ganhei o Nobel?) seu trabalho. Está na alçada dele direcionar a escolha de um tema, recomendar leituras, métodos e análises. Ele deverá te ajudar na escrita do texto final (seja uma tese, um artigo etc) e te ajudar a corrigir problemas ou antever críticas. Não se esqueça: ninguém te deve nada! Não dá para exigir do orientador atenção ou exclusividade além dos limites. Orientadores em geral também são professores, gestores universitários, pesquisadores, “extensores” e seres humanos comuns, então ele não irá viver em sua função. Alunos de graduação exigem mais atenção do que mestrandos, mestrandos mais do que doutorandos e estes mais do que pós-docs. Optar por um orientador com muitos orientandos passa por saber-se preterido em alguns momentos.