O esquilo hipocondríaco
Naquela manhã, no consultório psicanalítico…
Já haviam se passado dez minutos da consulta. A doutora ouvia do lado de fora a voz esganiçada do cliente da vez e sua nova secretária, uma adolescente que contratou depois de meses sem recepcionista porque poucas topavam atender animais. Decidiu tomar uma atitude.
-Bom dia, Sr. Urocitellus. Não vai entrar?
-Num, instante, doutora. Ele só está terminando de compartilhar comigo umas receitas para os cravos no meu nariz. – Antecipou-se a secretária à resposta do esquilo.
– Receitando!? Que eu saiba o senhor não é médico dermatologista, é? E a senhorita tem o dever de manter minha agenda em dia para não atrasar outros clientes. Quem sabe, ao invés de se consultar comigo, o senhor não prefira atender minha secretária? Nesse caso a senhorita lhe pague seus serviços e volte a me chamar quando o próximo cliente chegar, por favor.
– Não, não, doutora! – Gritou o esquilo passando por entre as pernas da lacaniana ligeiramente e saltando para cima do divã.
– Melhor assim. – O olhar severo da analista se transmutou em seu melhor sorriso num instante. – Bom dia. Pelo que vejo ainda anda preocupado com sua saúde.
– Sim, senhora. E isso não é uma coisa boa? Vivemos em tempos de cuidados ao próprio corpo, todos se exercitam, se alimentam melhor. Preocupar-se com a saúde é politicamente correto. – Respondeu orgulhoso o roedor.
Silêncio.
Silêncio.
Mais silêncio…
– Doutora, me ajude. Não consigo me livrar dos remédios. Cada vez que tento parar de tomar começo a sentir comichões por todo o corpo, me sinto coberto de pulgas, carrapatos, piolhos e sarnas. Meu estômago fica embrulhado só de pensar nos vermes que devo ter. – Choramingou o esquilinho com os pelos das costas eriçados e coçando o pescoço com as patinhas de trás.
– Sr. Urocitellus, sente-se aqui à minha frente, deixe-me dar uma olhada em você.
O esquilo posicionou-se de costas para a doutora que começou a revirar seus pelos em meio a guinchos de deleite do cliente. A pelagem era de um cinza mesclado nas costas, tornando-se castanho dourado na barriga. Os pelos brilhavam com o viço de um macho saudável. A doutora não encontrou nenhum parasita, aliás, como das outras vezes que havia feito o mesmo. Entre os pelos só havia pequenas feridas causadas pelo próprio esquilo de tanto se coçar.
– Hum, muito preocupante! – Exclamou a analista.
– O que, um monte de carrapatos nas minhas costas? – Entrou em pânico o analisado.
– Não, um monte de minhocas na sua cabeça.
– Mas, doutora. Essa semana encontrei uma lêndea na minha barriga. Estou infestado, tenho certeza. A senhora procurou direito?
– Todos nós temos pequenos defeitos, são eles que nos fazem humanos, digo, esquilos. Por que esse medo todo das suas imperfeições? Por que esse desejo de um ideal platônico inalcançável? É um fardo pesado demais para um esquilo carregar. – Perguntou a psicanalista.
– E que fêmea irá querer um macho infestado e doente como eu? Acho que nem ganhar peso depois da hibernação eu ganhei esse ano.
– Sr. Urocitellus, as mulheres não olham só para essas coisas. O senhor está nublando seu olhar com essa busca insalubremente exagerada pela saúde e deixando de fazer o que geralmente conta. Está desperdiçando os poucos dias de cio das suas amigas procurando pulgas que não existem. Olha, pense nos seus colegas mais bem sucedidos com as meninas da área. Eles são totalmente livres de parasitas? – Enquanto a doutora falava o esquilo lembrou-se de como ouviu algumas fêmeas cochichando e rindo sobre como era sexy a forma como um macho rival coçava a barriga com as mãozinhas felpudas enquanto tomava sol.
– Acho que o senhor deveria se concentrar em cuidar desses pensamentos que te sugam e esquecer os parasitas imaginários. Tenho certeza de que eles afetam menos seu sucesso com as garotas do que sua autoestima. Nossa sessão acabou por hoje, mas quero voltar a vê-lo antes da próxima hibernação para saber como passou a estação reprodutiva e se seguiu meus conselhos.
Na saída do consultório o esquilo precisou interromper duas vezes a secretária, que não parava de espremer o nariz, para que ela preenchesse seu retorno dali a algum tempo.
Raveh, S., Heg, D., Dobson, F., Coltman, D., Gorrell, J., Balmer, A., Röösli, S., & Neuhaus, P. (2011). No experimental effects of parasite load on male mating behaviour and reproductive success Animal Behaviour, 82 (4), 673-682 DOI: 10.1016/j.anbehav.2011.06.018
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Bicho Bizarro: Peixes anuais

Rivulus scalaris. Foto de Wilson Costa em Costa, W.E. 2005. Seven new species of the killifish genus Rivulus (Cyprinodontiformes: Rivulidae) from the Paraná, Paraguay and upperAraguaia river basins, central Brazil. Neotr. Ichthyol. 3(1)
É início da estação chuvosa no sertão e grandes poças começam a se formar onde antes havia um solo rachado pela secura e pelo calor. O homem simples do semiárido nordestino se agacha para encher de água uma moringa e dentro da poça recém-formada percebe um monte de peixinhos coloridos, a conclusão é óbvia: caíram das nuvens com a chuva. Na realidade os ovos dos peixes anuais, ou killifishes como dizem os aquaristas, ficam em meio ao solo e resistem ao período seco. Com a chegada da chuva os peixinhos nascem, crescem rapidamente, os machos disputam ferozmente por parceiras, daí sua coloração vistosa, acasalam e depositam um novo lote de ovos antes que a poça volte a secar. Os peixes anuais são animais belíssimos, têm um colorido tão chamativo que passam muitas vezes por espécies marinhas. Por isso aquaristas do mundo inteiro cobiçam esses peixes que, muitas vezes, são objeto de tráfico de animais ou biopirataria. A pressão é tamanha que Wilson Costa, maior especialista do grupo no Brasil, ocasionalmente evita dar detalhes da distribuição desses animais nos artigos que descrevem espécie novas para não atrair traficantes.
Bicho Bizarro: Fragata
Durante um projeto que desenvolvi em 2004 com pesquisadores do IO USP uma das lembranças mais legais é a de observar as aves marinhas enquanto coletávamos peixes. Uma das minhas favoritas era a fragata. Esse fascinante animal se alimenta principalmente de peixes, ela, no entanto, é uma má pescadora. Fragatas não conseguem mergulhar e para pescar elas riscam a superfície da água com o bico capturando peixes de superfície. O maior volume de sua dieta, no entanto, provém do roubo de alimento de gaivotas e atobás, por exemplo. As fragatas perseguem esses animais e muitas vezes os agridem até que eles regurgitem o peixe que acabaram de comer. A fragata então irá pegar o peixe antes que ele caia no mar novamente num espetáculo de acrobacias aéreas. Outra bizarrice da espécie é o comportamento de corte dos machos. Eles inflam um saco na região do pescoço, jogam a cabeça para trás e abanam as asas para seduzir a fêmea. As populações de fragatas vêm declinando e não se tem uma boa explicação para isso, por isso é importante preservar seus ninhais. Fragatas, assim como outras aves marinhas que nidificam em colônias, são importante fonte de guano para fornecer nitrogênio a plantações.
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Bicho Bizarro: Aardvark
Mais um da série ‘cruzamentos estranhos’. O aardvark parece uma combinação de pedaços díspares de outros animais. As orelhas lembram a de um coelho, o focinho o de um porco, a cauda a de um tamanduá e no final o aardvark não tem parentesco com nenhum deles. Ele é o único representante de toda uma ordem de mamíferos, os Tubulidentata. Apesar de suas adaptações morfológicas para a vida se enterrando e comendo formigas e cupins, esse mamífero africano de cerca de 50 kg é geneticamente pouco modificado comparado aos primeiros mamíferos com placenta. Os aardvarks frequentemente habitam áreas agriculturáveis e acabam sendo afetados pelo uso excessivo de agrotóxicos, seja por envenenamento direto, seja pela perda dos insetos de que se alimentam.
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Simpósio de bem-estar animal – últimos dias
Quem se preocupa com a forma como lidamos com os animais tem na próxima semana uma boa oportunidade de embasar sua argumentação com dados sólidos em vez da abordagem piegas e emotiva que o tema muitas vezes assume. O simpósio de bem-estar animal que ocorrerá entre 3 e 5 de novembro no IBILCE, campus da UNESP de São José do Rio Preto, irá trazer palestras, mesas-redondas e mini-cursos com as mais diversas temáticas. As vagas estão terminando e a oportunidade é imperdível.
Bicho Bizarro: Cobra de vidro
Fêmea de cobra de vidro dando à luz um filhote.
Fonte: arkive.org
Nem cobra, nem de vidro. O bicho bizarro de hoje é um lagarto que vive sob o folhiço nas matas e, por isso, perdeu as patas ficando com a aparência de uma serpente. Ele possui pálpebras e lingua não bifurcada, ao contrário das serpentes (veja no vídeo). Já o vidro deve-se a outra peculiaridade, a autotomia caudal, hábito de perder a cauda quando perturbada. Devido a isso reza a lenda que uma cobra de vidro partida em cem pedacinhos, mas remontada, cicatriza a ponto de ninguém dizer que foi cortada. O pavor infundado humano das serpentes tem resultado na morte de muitos desses lagartos que são eficientes predadores de pragas de hortas e jardins.