Pensamento de Segunda

” A Ciência sempre está errada. Ela nunca resolve um problema sem criar outros dez!”
George Bernard Shaw

O peixe cachimbo grávido

Naquela manhã no consultório psicanalítico

 

ResearchBlogging.org

 

– Ah, que gracinha! Quanto falta para a senhora dar à luz? – Perguntou a secretária novata tentando causar uma boa impressão e interagir com o paciente que acabava de entrar.

– Ora pois! Eu sou macho. Estás a estranhar-me? – O peixe cachimbo respondeu com forte sotaque português e muito mal humor.

A secretária, ligou para a analista: “Doutora, está aqui uma senhora grávida que diz ser macho. Mando entrar?”

– Entre, meu colega d’além mar. – Acolheu-o a psicóloga com um sorriso largo. – Há quanto tempo? Pois vejo que me traz boas novas, está grávido.

O peixe cachimbo entrou no consultório e logo se fez confortável no divã. Era longo o seu histórico de terapia, um caso clássico de crise de identidade, desses de ilustrar livro-texto. A despeito dos anos de terapia o bicho não conseguia quebrar o ciclo de repetir, recordar e reelaborar, talvez não fosse da sua natureza.

– Doutora, até sua secretária me confunde, no estuário todos se põem a rir de mim, caranguejos, camarões, vieiras. Ninguém me dá o devido respeito. Estou farto disto! – Desabafou o peixe cachimbo.

– Sei. E o que o senhor pretende fazer a respeito, Sr. Syngnathus?

– O que eu posso fazer, se nem minha parceira me respeita? – O peixe fez o bico mais comprido do reino animal.

– O senhor se respeita? – Perguntou a analista em tom de desafio.

– Ora pois! É claro que sim. – As nadadeiras dorsais do Sr. Syngnathus agora estavam eriçadas. Após o rompante de ira os longos segundos de silêncio fizeram o peixinho pensar de fato na pergunta à medida que suas nadadeiras baixavam novamente.

– A senhora acha que eu deveria me impor mais? Mas como? A mãe dos filhotinhos que carrego agora é uma fêmea grande, forte, tem quase 3 cm a mais que eu. É prepotente, agressiva. Ela me oprime! Não tem quem se imponha diante dela, espanta a todos os que se aproximam de mim. Na verdade, sei que estão todos a rir de mim dizendo que não sou eu o macho do casal. Só não escuto isso mais constantemente porque ela põe para correr todos os que resolvem criticar nossa relação.

– Então ela te protege vez por outra? – A analista perguntou num tom quase de afirmação.

– Sim, é muito protetora. Lhe adimiro neste ponto, quem me dera saber me impor desta maneira. Quando é assim com os outros não me importo, mas passa que o mesmo modo de lidar com os outros animais do estuário é o jeito dela em casa. Chega a me colocar medo. – Confessou o peixe cachimbo à boca miúda

– Sr. Syngnathus, a relação de vocês é de muita complementaridade, não é? Um é bastante o oposto do outro. Estou certa? – O peixe se restringiu a acenar afirmativamente com a cabeça, meio envergonhado do que assentia.

– O pior é que de uns tempos para cá apareceram mais fêmeas no pedaço. Nunca a vi tão agressiva. Sempre acabava sobrando uma grosseiria para mim. Ela criava confusão com casais a namorar, arrumava casos por aí, até em brigas se envolveu. Eu, por minha vez, só queria saber de romance. – O peixe cachimbo com aquela barriga cheia de filhotes e aquela cabeça cheia de problemas era uma imagem aterradora para a analista.

– O senhor é responsável pela sua vida. Não adianta se queixar, faça por merecer ou aceite a frustração desta relação de vocês. O senhor já considerou mudar-se para um lugar com menos fêmeas, talvez um lugar onde houvesse muito mais mulheres do que homens? – Perguntou a doutora.

Um lampejo de alegria varreu o rosto do peixe cachimbo de opérculo a opérculo e ele abriu o primeiro sorriso desde que a sessão começara.

– A Sra. acha que daria certo? Sabe, vou agora mesmo procurar um novo lugar para ir morar. Faz todo sentido, doutora. Muito obrigado, prometo que irei tentar.

Silva, K., Vieira, M., Almada, V., & Monteiro, N. (2010). Reversing sex role reversal: compete only when you must Animal Behaviour, 79 (4), 885-893 DOI: 10.1016/j.anbehav.2010.01.001

Pensamento de Segunda

“A ciência é tudo aquilo que conseguimos explicar a um computador. Todo o resto é arte.”
Donald Knuth

O opilião aproveitador

ResearchBlogging.org

Naquela manhã no consultório psicanalítico

 

– Ah, que horror! – A doutora, preocupada, correu para a antessala ao ouvir o grito de sua nova secretária. Desde que sua última pedira demissão, apavorada com um tubarão martelo enorme que estava deprimido pelo fim da simbiose de limpeza com uma peixinha recifal, ela decidiu contratar uma estudante de veterinária para o cargo. Pelo menos veterinários seriam mais acostumados à fauna que comparecia ao consultório. Na recepção sua secretária estava de pé sobre a cadeira, com um tamanco na mão pronta para atirá-lo. No outro canto do cômodo uma criatura cheia de longas pernas se encolhia contra a parede com os omatídeos arregalados.

pseudopucrolia

O Sr. Pseudopucrólia sobre o divã da doutora.

Foto de Glauco Machado

 

A terapeuta se colocou entre a secretária e o aracnídeo. – Calma, abaixe o tamanco. Ele é um cliente e é inofensivo. Não é uma aranha, mas um opilião. – Depois voltou-se para o bichinho sorrindo e convidou-o a entrar no consultório. Ela não imaginou que uma veterinária não teria familiaridade com animais menores.

Agora o opilião, um macho cheio de espinhos e bolotas nas pernas posteriores estava seguramente deitado no divã – O que tem a me contar, Sr. Pseudopucrolia? – Perguntou a dra.

– É a danada da culpa, doutora. Não sei mais o que fazer com ela.

– E o que te causa tanta culpa? – A doutora estava com um vestido até os joelhos e os cabelos, meio revoltos, soltos por cima dos ombros. Não havia um cliente que não a achasse linda.

– Doutora, sou um pai dedicado, protejo dos predadores meus futuros filhotes em seus ovos, mas no fundo sei que só estou me aproveitando disso. – O opilião respondeu fazendo um muxoxo de tristeza com as pedipalpos.

– E como é que você se aproveita dos seus filhotes? – A analista perguntou enquanto cruzava as pernas e reclinava o corpo para ouvi-lo melhor.

– Cuido bem dos meus ovinhos, mas é tudo uma desculpa para seduzir as mulheres. Tem um monte de fêmeas que ficam caidinhas por um bom pai e eu me aproveito disso. Desde que consegui minha primeira leva de ovos desta estação reprodutiva já acasalei com outras cinco! – Disse o aracnídeo, gabando-se.

– Entendi. É comum que as fêmeas gostem de rapazes que saibam cuidar bem dos seus filhotes, protegê-los e ajudá-los a sobreviver. Não há do que se envergonhar por ser um bom pai, você não está obrigando elas a nada.  Pode ter certeza de que, enquanto você cuida dos seus ovinhos, elas estão por aí, se alimentando, tem até muitos outros ovos mais para deixar com outros machos, se assim preferirem.

– Exatamente, doutora. Às vezes até invejo os machos sem cria, que passam o dia vadiando, sem ninguém a se preocupar além de si mesmos. Mas tenho certeza que na hora do amor é o meu ninho que estará cheio e eles estarão tristes e solitários. Sabe que tem uns caras que, tamanho o desespero, chegam a roubar os ovos de outros pais para fingir que são seus? Um verdadeiro horror! – Confidenciou o cliente.

– Pois acredito em você. Aliás, isso é mais comum do que o senhor pensa aqui no consultório. – Disse a analista.

– A senhora quer ver uma foto dos meus filhos? Olha que lindos. – O Sr. Pseudopucrolia sacou de um bolso da carteira a foto abaixo. Nada muito visualmente atraente.

 

pseudopucrolia ovos

O bom pai e seus filhinhos

Foto de Glauco Machado

 

-Hum, que gracinha. – Disse a terapeuta sem conseguir disfarçar muito bem o desinteresse.

-Você achou? Quem sabe não gostaria de passar lá em casa um dia desses para conhecê-los melhor? – O opilião estampou um sorriso sedutor nas quelíceras encarando a doutora.

A terapeuta lançou-lhe um olhar de repreensão encaminhando-se à porta. – Estamos conversados por hoje, senhor Pseudopucrolia. Passar bem!

O opilião saiu visivelmente envergonhado do consultório enquanto a doutora dava um profundo suspiro ao notar a escrivaninha da secretária vazia exceto por um bilhete onda a palavra DEMISSÃO podia ser lida à distância.

 

Nazareth, T., & Machado, G. (2010). Mating system and exclusive postzygotic paternal care in a Neotropical harvestman (Arachnida: Opiliones) Animal Behaviour, 79 (3), 547-554 DOI: 10.1016/j.anbehav.2009.11.026

Dispersei

Já está no ar a nova edição do Dispersando, esta especial sobre o incêndio no Butantan. Você que já conhece os textos deste autor pode agora conhecer sua voz! Acesse http://scienceblogs.com.br/dispersando/2010/05/dispersando_especial_-_butanta.php.

Pensamento de segunda

Especial Genoma Artificial!
“É uma grande descoberta científica. Agora temos de entender como ela será implementada no futuro”
Monsenhor Rino Fischella, Academia Pontifícia para a Vida do Vaticano.
“o projeto abre o caminho para a produção de organismos novos”
Craig Venter, um dos autores
“Fingir ser Deus e macaquear seu poder de criação é um risco enorme, que pode levar o homem à barbárie”
Domenico Mogavero, Conferência dos bispos da Itália
Tudo retirado do caderno de Ciência da Folha

Resultado do concurso fotográfico – O Homem e as águas

Algumas semanas atrás eu lancei um concurso fotográfico com o tema “O Homem e as Águas” para premiar com uma cópia do livro Com Quantas Memórias se faz uma Canoa, da Márcia Denadai e colaboradores, oferecido a mim pelo Instituto Costa Brasilis. Abaixo seguem as fotografias recebidas e seus respectivos autores. No final a foto vencedora. Obrigado a todos os participantes e parabéns pelas belas fotos. Em breve mais sorteios, continuem participando.

 

 

Ana Carolina Mascarenhaz

Ana Carolina Mascarenhaz

 

Andre Cury

André Cury

 

Andre Cury2

André Cury

 

Augusto Motta2

Augusto Motta

 

Cecilia Nabuco

Cecília Nabuco

 

Cecilia Nabuco2

Cecília Nabuco

 

Cecilia Nabuco 3

Cecília Nabuco

 

Cristina Brasao

Cristina Brasão

 

Gustavo Mendes

Gustavo Mendes

 

Isis Diniz

Isis Diniz

 

Isis Diniz 2

Isis Diniz

 

Isis Diniz 3

Isis Diniz

 

João Carlos Nunes

João Carlos Nunes

 

João Carlos Nunes 2

João Carlos Nunes

 

José Renato

José Renato Leite

 

Mario Roberto Silva

Mário Roberto Silva

 

Mario Roberto Silva 2

Mário Roberto Silva

 

Luciano

 

Otávio Lacerda

Otávio Laccheti

 

Vania Wernz

Vânia Wernz

 

E a grande campeã

Augusto Motta 1

Augusto Motta

 

Augusto, entro em contato contigo por e-mail para pegar o endereço para te enviar o livro. Parabéns!

A escolha de tornar-se biólogo VI

A escolha de tornar-se biólogo V

Pensamento de Segunda

“Negar tudo e acreditar em tudo são duas verdades igualmente convenientes, te liberam de ter que pensar a respeito.”
Henri Poincaré