5) Até aonde vai a proximidade?
Vocês já ficaram trancados na sala até 1 da manhã de uma terça-feira, já dividiram o quarto do hotel num congresso, já até saíram para almoçar, mas a relação orientador-aluno não pressupõe amizade. É claro que uma relação saudável, de respeito mútuo e fraternidade deve surgir, mas não espere que o orientador seja seu amigo. Ele irá fazer críticas tão duras a você que te deixarão com raiva, irá te ignorar em horas que ele é tudo o que você precisa, irá falhar contigo e te decepcionar, irá até saber facilmente resolver uma dúvida que te remói há dias e não lhe dirá. Além disso, cada pessoa é única. Tem orientador que critica tanto o trabalho do orientando que o resultado parece nunca estar bom o suficiente para ser divulgado. Tem orientador que aprova tudo sorridente e depois levamos ferro dos referees da revista ou da banca. Tem orientador que vai saber lidar com sua insegurança pré-banca e te colocará para cima, tem outros que não sabem lidar com sentimentos. Esteja pronto para trabalhar com um gênio intelectual na pele de um idiota social. Assim, o que vier é lucro.
Pensamento de segunda
“Física é como sexo. Certamente pode gerar resultados práticos, mas não é por isso que fazemos” (Richard Feynman)
4) Que postura devo adotar?
Seja aberto e receptivo, sem perder o senso crítico. Você tem todo o direito, até o dever, de opinar e tomar decisões, mas não passe por cima da hierarquia. O orientador espera que você tenha suas próprias idéias, mas sabe provavelmente melhor que você sobre falhas lógicas, metodológicas ou conceituais. Mas não acate a tudo sempre, discutir decisões não precisa ser um processo traumático e demonstra iniciativa. Argumente! Saiba, porém, que algumas coisas não estão abertas a negociação. Aqui no LECR (Laboratório de Ecologia Comportamental da Reprodução), onde eu trabalho, tenho quatro regras: i) Nossas reuniões de quarta-feira são sagradas; ii) Todo o mundo tem que sair dos cafundós do Mato Grosso para participar pelo menos uma vez de um congresso em nível nacional; iii) Todo o mundo precisa divulgar para a sociedade de alguma forma o trabalho que está desenvolvendo; e iv) Trabalho concluído significa artigo submetido. Todo orientador terá as suas reivindicações. Descubra-as antes de vender-lhe a alma ou será tarde demais.
3) Como funciona a rotina?
Graças ao dia-a-dia cheio de atividades dos professores de ensino superior eles não estarão sempre disponíveis. Tenha certeza de compreender quais os horários que seu orientador tem para te orientar. Fora isso, fique por dentro da rotina do laboratório, de limpar frascos de meio de cultura fedendo a banana podre a proferir seminários para os colegas, os laboratórios em geral têm uma rotina com divisão de tarefas para todos. Fure com estas responsabilidades e o orientador terá todo o direito de furar contigo também.
Pensamento de segunda
“Faça muito exercício para manter-se saudável e não leia tanto, mas poupe-se um pouco até que esteja crescido.” (Albert Einstein a seu filho)
2) E o que cabe ao orientando?
Ser orientado é um processo muito mais ativo do que passivo. Você precisa ler. Você precisa escrever o projeto. Você precisa entender a metodologia. Você precisa se engajar no laboratório. Você precisa realizar seus experimentos. Você precisa ler mais e discutir seus dados. Você é o único responsável pela conclusão do trabalho. Orientadores são co-responsáveis pelo seu sucesso ou fracasso, mas não dá para obrigar ninguém a nada!
Sobre a relação orientador-orientando
Aos meus apóstolos nas santas ceias de almoço
de quarta-feira por tudo o que têm me ensinado
Ter meus próprios orientandos é uma experiência muito legal. Durante a pós eu carregava sempre um caderninho no qual anotava ideias interessantes de experimentos para um dia poder realizar. Só que as ideias no caderninho cresciam em progressão geométrica, enquanto que a lista de idéias realizadas crescia em progressão aritmética, por isso em alguns semestres descobri que algumas daquelas páginas cobertas de pensamentos estavam fadadas ao ostracismo. Foi aí que descobri para que servem os estagiários, voltei a minhas notas e dali nasceram diversos projetos. Ainda há muitos por parir, mas hoje fico mais aliviado de não ter torrado fosfato à toa.
No entanto, a relação que emerge entre o orientador e o aluno é única. Pautada por regras silenciosas e uma etiqueta bastante rígida. Não sou nenhum orientador sênior, estou ainda engatinhando neste quesito, também não acho que eu seja parâmetro para a maioria dos orientadores ou alguém exemplar. Mas percebi que numa busca por como proceder nesta relação não havia nenhum material a contento, então resolvi escrever esta semana uma série de seis posts sobre isto.
1) Para que serve um orientador? O orientador é a figura que vai orientar (Cara, como é que eu ainda não ganhei o Nobel?) seu trabalho. Está na alçada dele direcionar a escolha de um tema, recomendar leituras, métodos e análises. Ele deverá te ajudar na escrita do texto final (seja uma tese, um artigo etc) e te ajudar a corrigir problemas ou antever críticas. Não se esqueça: ninguém te deve nada! Não dá para exigir do orientador atenção ou exclusividade além dos limites. Orientadores em geral também são professores, gestores universitários, pesquisadores, “extensores” e seres humanos comuns, então ele não irá viver em sua função. Alunos de graduação exigem mais atenção do que mestrandos, mestrandos mais do que doutorandos e estes mais do que pós-docs. Optar por um orientador com muitos orientandos passa por saber-se preterido em alguns momentos.
Pensamento de segunda
“Experimentos fisiológicos com animais se justificam pela investigação verdadeira, mas não por mera e detestável curiosidade.” (Charles Darwin)
Manchetes comentadas 16 – Encontrado (outro) elo perdido
Hoje pela manhã fui dar a última aula de Zoologia de Vertebrados deste semestre, pelo menos a última aula teórica. O tema dela é a evolução humana. Antes de começar já veio uma aluna me perguntar se eu tinha visto a novíssima descoberta do nosso elo perdido no jornal da noite anterior. Não tinha. Coincidência! Aproveitei que durante esta aula projeto para a meninada um documentário da BBC chamado “Walking with the cave men” e dei uma escapulida para me interar e comentar a novidade.
A descoberta em questão causou frenesi na mídia pelo mundo todo a ponto de tornar-se banner do dia no Google. Tai, antes achava que reconhecimento seria quando tivesse uma entrevista com o Jô Soares falando mais do que me ouvindo. Mudei meus parâmetros. Agora chique mesmo é ser banner do Google!
O fóssil do tamanho de um gato parece ter sido coletado há mais de vinte anos em um sítio arqueológico na Alemanha, mas ficou desconhecido até recentemente, quando Jorn Hurum, pesquisador da Universidade de Oslo, estudou-o em segredo por dois anos. O resultado destes estudos foi divulgado hoje. O fóssil de 47 milhões de anos pertence a uma espécie de primata ancestral dos macacos e humanos modernos. Ele se assemelha a um lêmure (eu me remexo muito…), mas apresenta um polegar opositor e unhas planas no lugar de garras.
O grupo de cientistas que realizou o estudo referiu-se a seus achados com termos como “cálice sagrado da paleontologia”, “oitava maravilha” ou “arca perdida”. A equipe sugeriu que “este fóssil será figura obrigatória em todos os livros de biologia dos próximos cem anos”, que “é a evidência final da veracidade da teoria evolutiva” e que “este é o primeiro elo de nós humanos e o mais perto que chegaremos de um ancestral direto”. O boom midiático é parte de uma estratégia de marketing científico pioneiro e já estão programados um documentário no History Channel semana que vem e um livro logo a seguir.
Ok, a descoberta foi muito legal, mas os pesquisadores e a imprensa estão exagerando um pouco. O fóssil é tão extraordinário quanto vários outros. Quando voltei à sala de aula o filme que eu passava mostrava um extra com o Prof. Walter Neves, meu ex-professor de evolução humana. Fiquei imaginando o que não estaria ele achando da tempestade em copo d’água. Por outro lado, fico tentado a deixar os cientistas-astros curtirem seus 15 minutos de fama. Nossa profissão já é tão desvalorizada e carece de auto-estima. Qual o problema em deixar uma novidade científica ter a visibilidade que esta vem demonstrando, mesmo que meio indevidamente? Se isso favorecer o interesse pela ciência e repercutir na valorização de todos os cientistas acho perdoável.
Mas temos que dar algum crédito aos caras. O fóssil tem uma posição na história evolutiva dos primatas realmente interessante, a mudança de prossímios para macacos é uma das mais mal documentadas da paleontologia. Soma-se a isto o caráter extremamente bem preservado do fóssil, 95% intacto, que permite análises muito detalhadas do animal. Por fim, a descoberta coloca a Europa como outro palco importante para a evolução dos primatas, antes centrada na África. Isto é tudo! Qualquer alegação maior é um desserviço de jornalistas mal informados ou de pesquisadores com egos inflados ou querendo supervalorizar sua pesquisa. Eu também acho a ecologia comportamental da reprodução em peixes o assunto mais importante do mundo.