Eu na televisão!
Hehe, andei escrevendo sobre a emigração dos grandes centros urbanos e sobre a importância da relação entre o pesquisador e a mídia, isso tudo foi decorrência de uma matéria que gravei com a Globo semana passada falando sobre pessoas que deixam os grandes centros urbanos para ir morar no interior. A matéria saiu esta tarde no Jornal Hoje no quadro Mercado de Trabalho sob o elogioso título de “Interior atrai profissionais qualificados”. Valeu pelo “profissional qualificado”. Abaixo segue a matéria.
Lá aonde a luz não chega
Não sei se é muita calhordice, mas assim que vi o tema da blogagem coletiva decidi escrever sobre a vida onde não há luz. Nos idos do Lablogatórios postei um texto sobre peixes abissais e suas esquisitices, portanto vou mudar o enfoque aqui. Neste carnaval científico retornarei aos primórdios de minha vida acadêmica e lhes contarei um pouco sobre organismos cavernícolas.
A fauna cavernícola inclui três categorias de organismos: troglófilos, trogloxenos e troglóbios. Troglóxenos são animais que usam a caverna como abrigo, mas precisam sair para realizar suas atividades diárias. Morcegos são um bom exemplo, passam o dia pendurados de ponta-cabeça no teto da caverna e de noite saem para se alimentar, ursos são troglófilos durante o inverno no hemisfério norte, andorinhões, roedores, jaratatacas, traíras e sapos também ocupam esta categoria.
Os troglófilos já estão mais adaptados à vida na caverna, podendo inclusive completar todo seu ciclo vital ali, mas não são habitantes obrigatórios destes habitats. Vivem igualmente bem dentro de cupinzeiros, sob a casca de árvores ou no meio do folhiço das florestas. Bons exemplos de troglófilos são aranhas e centopéias comuns em cavernas.
Por fim, os troglóbios são minha categoria favorita. Estes animais podem ter se originado de troglófilos ou trogloxenos aprisionados no ambiente cavernícola por algum motivo durante a história geológica daquele lugar. Daí só sobreviveram aqueles organismos mais hábeis em viver na zona afótica das cavernas, onde “é preciso tocar seus olhos para ter certeza de que estão abertos”, como disse Bilbo Bolseiro sobre a caverna do Gollum. A fauna de animais troglóbios é grande, mas vou me obrigar a listar alguns para conhecimento de vocês. Há espécies conhecidas de grilos e mosquitos, peixes, principalmente bagres e cascudos, e salamandras, que são ícones cavernícolas nos países do hemisfério norte.
A parte mais profunda do ambiente cavernícola é principalmente caracterizada pela total ausência de luz. Além disto é comum a umidade constantemente próxima ao ponto de saturação, a pequena variação da temperatura e a ocorrência de rios subterrâneos. De fato, a maioria das cavernas foi escavada pela passagem da água entre as rochas alcalinas de terrenos calcários. Devido à total ausência de luz não há organismos fotossintetizantes nas cavernas, por isso o aporte de energia neste ecossistema é extremamente dependente da entrada de matéria orgânica epígea (do lado de cima da terra). Este aporte pode ocorrer através de um rio, caindo de fora da caverna (como em um pit-fall) ou trazido pelos troglófilos. Daí a grande explosão de vida encontrada nas poças de guano (cocô de morcego) nas cavernas.
Sem produtores, dependendo de uma quantidade restrita de alimento trazida de fora e num ambiente com fortes restrições seletivas, é de se esperar que as populações de organismos troglóbios sejam extremamente baixas. O que de fato tem sido visto na maioria das vezes, exceções feitas a cavernas com a presença de quimiossintetizantes.
Outras duas adaptações gritantes à ausência de luz são os órgãos sensoriais e a cor do corpo. Já que a visão perdeu seu papel em animais troglóbios, os olhos tendem à extrema redução, até ao desaparecimento. Por outro lado, o tato e a olfação se desenvolvem a níveis quase inimagináveis, bagres cavernícolas possuem barbilhões enormes, opiliões e amblipígios têm o 2º par de pernas alongados. Pensando que na maioria das cavernas não há nem sinal de uma brisa, o tato pode servir para perceber até o deslocamento de ar causado pela movimentação de um predador nas redondezas. O olfato também se desenvolve e passa a ser a principal forma de comunicação entre organismos da mesma espécie através dos feromônios. Ele também é fundamental para os troglóbios encontrarem o escasso alimento de que dependem. Já com relação à cor do corpo tanto a necessidade de se camuflar quanto de proteger-se da insolação desapareceram, por isso os troglóbios tendem a ser albinos. Antes que algum lamarckista comece a ficar animadinho, tanto a pigmentação da pele quanto um órgão complexo como o olho são altamente custosos em termos energéticos, daí que é vantajoso deixar de gastar energia com estas coisas inúteis e investir em reproduzir-se, por isso os organismos que o fazem propagam-se na população, não por uso e desuso, mas por pura seleção natural.
Quando eu era apenas um neófito tornei-me estagiário da Prof. Eleonora Trajano em seu laboratório de peixes de caverna. Uma fera em bioespeleologia (a ciência que estuda a vida nas cavernas), aprendi muito por lá e dei minha contribuição comparando o comportamento de duas espécies de cascudos filogeneticamente aparentadas. Um dia ainda volto a brincar disso aqui nessas cavernas quase inexploradas do Mato Grosso.
[Correções apontadas pela Fabiane inseridas no texto]
Pensamento de segunda
À minha sogra, sem maldades
“Eu prefiro ser neto de um macaco a descender de um homem apavorado demais para aceitar a verdade.” (Thomas Huxley)
O pesquisador e a mídia
à Priscila, minha amiga e excelente companhia
Acho que todo pesquisador precisa reservar um tempo em seu cronograma para receber a mídia. Claro que sou um partidário da divulgação científica, se não este blog não existiria, mas advogo em favor do jornalismo científico no geral. Temos dois deveres em relação à divulgação científica: valorizar nosso trabalho e retornar algo para a sociedade.
O que separa um pesquisador de um jornalista
Obtido de http://w3.ufsm.br/reciam/
O público em geral não tem idéia do que um cientista faz. O estereótipo do cientista é um sujeito solitário, de roupa branca, meio desarrumado e enfiado em um laboratório. Nosso produto de trabalho não chega à compreensão de boa parte da população, daí para ela achar que nosso trabalho não é importante é um passo. As repercussões disso vão desde um artigo como aquele da Ruth Aquino, tão acaloradamente atacado e com razão, até as propostas de corte no orçamento das agências de fomento à ciência e tecnologia. Outro ponto interessante é correlacionar o número de ingressantes em carreiras científicas no vestibular com a presença de um dado assunto na mídia. Acompanhei enquanto estudante a chamada geração Dolly, toda uma massa de calouros ingressando na biologia em busca de clonar carneirinhos. Divulgar nosso trabalho garante que no futuro haja quem dê prosseguimento a ele.
Por outro lado, temos todos uma dívida com a sociedade. Em geral nós cientistas, pelo menos no Brasil, dependemos majoritariamente de dinheiro público. Impostos. O cidadão pelo país todo paga seus impostos e uma parcela deles vem parar na pesquisa, seja pagando o salário de um pesquisador na universidade pública ou instituto de pesquisa, seja financiando nossos projetos, seja formando cientistas no ensino superior gratúito. Divulgar nossas pesquisas nada mais é do que prestar contas aos seus provedores, algo do tipo mostrar o boletim aos pais no final do semestre.
Se você morre de vergonha de câmeras e microfones pode aproveitar-se de jornais e revistas. Se gosta de escrever e tem medo dos jornalistas distorcerem suas informações a internet oferece inúmeras formas de comunicar-se com o público. Escolas de ensino médio e fundamental são sempre carentes em atividades alternativas para seus alunos. O MCT realiza todos os anos em outubro a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia que visa justamente abrir o trabalho do pesquisador à sociedade, a deste ano ocorrerá de 19 a 25 de outubro e todo o mundo pode participar, basta entrar no site deles e se informar. Agora é só escolher o seu e boa sorte.
Fugere urben
Numa dessas conversas de botequim com o amigo Alexander Turra, hoje professor do IO USP, concluímos que tudo na vida é composto de três aspectos: vontade, oportunidade e disponibilidade. Aparece um amigo seu oferecendo uma ferrari novinha pela bagatela de 100 mil reais (oportunidade), você sempre quis uma ferrari, é fascinado pela máquina (vontade), mas vendendo tudo o que tem não consegue juntar mais do que 45 mil. Falta a disponibilidade. Outro casal de amigos ganhou um cruzeiro em um navio turístico com direito a acompanhantes e convidou você (oportunidade), você tem mesmo uns dias de férias para tirar do trabalho (disponibilidade), mas a simples menção de um navio já te deixa verde de enjoo e tostar no sol no meio de madames que mais parecem um show-room de plásticas não é exatamente sua definição de diversão. Falta a vontade. Nos dois casos a ação não se efetiva, as mudanças não ocorrem se não houver o tripé vontade-oportunidade-disponibilidade.
Nunca fui muito chegado em grandes cidades (vontade), quando me mudei para São Paulo para estudar valeu muito a pena por causa da instituição formidável que havia me acolhido. Assim que terminei o mestrado (disponibilidade) não via a hora de sair da megalópole, mas primeiro tive uma oportunidade de emprego lá. Como não surgiam convites de outros lugares fui ficando, aprendi muito na vivência de sala de aula, no contato com os alunos e na experiência de estar empregado. Um dia, dois anos depois, descobri um concurso no Jornal da Ciência da SBPC para a Universidade do Estado de Mato Grosso, não vacilei. Me inscrevi, estudei feito um condenado e preparei documentos e aulas para a avaliação didática à exaustão. Surgira a oportunidade que eu tanto esperava.
Aqui em Tangará da Serra a vida é bem mais pacata. Descobri isso no dia que comprei um sofá e foram entregar numa charrete puxada a burrinho! Com essa placidez toda de cidade do interior tenho mais tempo para cuidar de mim mesmo, mais tranquilidade (Outro dia deixei o carro aberto na frente de casa a noite inteira e na manhã seguinte ele estava lá do mesmo jeito, só meio úmido de orvalho.) e bem menos estresse. Claro que sinto falta de um monte de coisas da cidade grande. Adoro teatro, era habitué no Espaço Unibanco, adorava o agito dos barzinhos com música ao vivo e a excelente gastronomia e às vezes ia a grandes shows. Mas o custo do dia-a-dia de tensões não suplantava o benefício dos fins de semana culturais. Fora que nada que uma visita esporádica a Brasília, Rio e São Paulo não resolvam para imergir nos prazeres metropolitanos.
Lar, doce lar
Além disso, os grandes centros urbanos estão ficando saturados de cientistas. Basta ver quantos catedráticos de boas universidades se aposentam por ano e quantos recém-formados são despejados no mercado. É desproporcional, a saída é mesmo ir em busca de novos habitats, migrar. Ouvia muita gente dizer que aqui seria ruim porque não tem estrutura, que a universidade é muito nova. Não deixa de ser verdade, a UNEMAT ainda tem muito o que crescer em nome e estrutura, só não sei se isso é um defeito. Só de imaginar que eu sou o único etólogo da instituição já fico quase me sentindo um Cesar Ades, sou pioneiro da etologia na UNEMAT. As grandes universidades também tiveram seu começo, aposto que em algum recôndito da USP já houve uma bancada de laboratório feita com uma porta como aqui.
Realmente acredito que os aspirantes a acadêmicos que estão em processo de formação e visitam este blog (e a tirar pelos comentários são muitos) devem pensar nisso e preparar-se para descentralizar a ciência do país. Só haverá pesquisa de boa qualidade fora dos grandes centros à medida que bons cientistas venham e mantenham seu bom trabalho aqui no interior.
Para ficar sempre por dentro dos concursos públicos para professor universitário visite regularmente o site do Universia e assine o Jornal da Ciência. Outra dica que me ajudou foi cuidar sempre bem do meu currículo Lattes e manter numa pasta os documentos para comprovar tudo o que está lá, coisa que sempre é pedida nos concursos.
Choque cultural
Há alguns anos assisti no encontro de etologia uma mesa redonda bem interessante sobre cultura. Foram convidados um sociólogo e um antropólogo (por pura maldade) e, por fim, o Biólogo Eduardo Ottoni (IP USP). Este pesquisador fez uma longa lista de comportamentos em animais que variavam de chimpanzés a polvos que se encaixariam perfeitamente na definição de cultura se ela não fosse exclusividade humana. Sou fã desses trabalhos que derrubam nossas vaidades do tipo: os humanos são os únicos seres vivos a acasalar um de frente para o outro, a dar gargalhadas, a usarem ou confeccionarem ferramentas, a usar símbolos ou terem prazer sexual. Todas estas afirmações foram elegantemente refutadas por etólogos ao longo dos anos.
Recentemente escutei de novo no livro da Eva Jablonka (Evolution in Four Dimensions) um caso que me lembrou esta discussão. Então resolvi retomar a discussão adicionando o exemploretirado do livro da Eva Jablonka aos elencados pelo Eduardo Ottoni. Vejamos algumas definições de cultura:
– Processo cumulativo resultante de toda a experiência histórica de gerações anteriores, que limita ou estimula a criatividade do homem (Kroeler).
– Idéias e comportamentos dentro do homem, entre dois homens ou deste com suas ferramentas (White).
– Complexo de conhecimentos e habilidades adquiridos pelo homem na vida em sociedade (Tylor).
– Soma das idéias, reações e comportamentos que os humanos adquiriram por imitação ou instrução (Linton).
– Totalidade das ações e comportamentos dos indivíduos que compõem uma sociedade humana (Boas).
Pode-se perceber que ao longo das definições acima houve uma tendência a expandir o conceito de cultura de forma a englobar a maior parte das atividades e conhecimentos, mas algo de que não se abriu mão foi defini-la como uma propriedade humana.
Algumas coisas chamam a atenção nas cinco definições acima: o caráter de herança cultural, a influência dela no comportamento, a construção da cultura via experimentação ou imitação e sua relação com a socialidade. Vejamos se esses critérios são preenchidos por fenômenos encontrados em outras espécies. Vou explorar para isto uma história clássica na etologia, a dos macacos japoneses (Macaca japonica). Esta espécie de macacos habita montanhas nevadas no Japão, em 1963 uma população que habitava as proximidades de um balneário viu que alguns humanos, apesar do frio que impera ao redor, entravam em poços de água fumegante. É que ali ocorrem águas termais, dessas aquecidas por atividade geotermal, como em Poços de Caldas ou Caldas Novas. Logo uma fêmea começou a frequentar as piscinas sob o olhar descrente dos outros indivíduos, em algum tempo aquela fêmea ensinara seus filhotes a fazer o mesmo e logo toda a macacada se refestelava nos ofurôs naturais.
Essa história ilustra todos os pressupostos de cultura mencionados acima. Há transmissão da idéia de banhar-se nos poços de um indivíduo ao outro, a idéia definitivamente alterou o comportamento daquela população de macacos, a informação “entrar nas piscinas é bom” foi transmitida entre os membros da população por imitação ou experimentação e tal idéia só foi disseminada graças à socialidade desses macacos. Assim, todos os pressupostos das definições de cultura estão respeitados, exceto o que se refere a tal fenômeno só ocorrer na espécie humana, claro. Não seria o caso de deixarmos de assumir esta necessidade então. Acho que para isto só faltam os humanistas perderem esta nova forma de etnocentrismo que exclui as qualidades das culturas de outras espécies, um antropocentrismo.
O caso mencionado é só um exemplo. São conhecidos padrões de apertos de mão entre chimpanzés, ensino do uso de uma pedra como ferramenta para a abertura de sementes em macacos-prego, uso de símbolos por golfinhos e cães e até aprendizado de uma linguagem em bonobos. O filme abaixo mostra os macacos japoneses tirando proveito máximo de seu aprendizado cultural.
Pensamento de segunda
“Esse é o caminho para… para… Esse é o Caminho! Usar letras maiúsculas é sempre uma boa saída para lidar coisas para as quais não se tem uma boa resposta.” (Douglas N. Adams)
Aves respiram mais eficientemente
Toda vez me vejo às voltas para explicar o funcionamento dos sacos aéreos em aves. Como não tenho um projetor multimidia disponível para todas as aulas coisas dinâmicas ficam difíceis de serem visualizadas. Por isso prometi aos meus alunos que colocaria aqui o link para uma animação simples ilustrando o funcionamento dessas estruturas que tornam as trocas gasosas nas aves muito mais eficientes do que nós, tetrápodes mais plesiomórficos. O link segue abaixo:
http://www.sci.sdsu.edu/multimedia/birdlungs/
PS: Depois de postado o texto recebi o comentário do Karl, do Ecce Medicus. Tinha deixado passar o post dele, recente e com mais ou menos o mesmo tema. O texto enfoca um dos aspectos que acho mais interessantes na evolução que são as “gambiarras evolutivas” tecnicamente conhecidas como exaptações, verdadeiras evidências em contrário a um designer inteligente. Não deixem de visitá-lo clicando aqui, aliás, não deixem de ler a série toda da qual este post faz parte.
Pensamento de segunda
“Uma vez me perguntaram o que eu faria se o médico me dissesse que só tenho mais seis meses de vida. Digitaria mais rápido, respondi.” (Isaac Asimov)