O curioso caso de Turritopsis nutricula

Ao Lucas, envelhecendo hoje e minha boa companhia de cinefilia

disponível em www.benjaminbutton.com
Ontem fui ao cinema assistir O curioso caso de Benjamin Button. Gostei do filme, bons atores, bom roteiro. Segundo a sinopse do Globo o filme conta “a história de um homem que nasce com 80 anos e, com o passar do tempo, vai rejuvenescendo, incapaz de parar o tempo”.
Me fez lembrar um artigo sobre uma água-viva capaz de reverter seu envelhecimento após acasalar e voltar à sua forma juvenil. Turritopsis nutricula.
obtido em: www.ville-ge.ch
O padrão da reprodução em hidrozoários, o grupo que inclui Turritopsis nutricula, é o seguinte: Os ovos fecundados passam por um desenvolvimento embrionário que culmina numa larva minúscula e ciliada. Estas larvas encontram um substrato no mar e se fixam, desenvolvendo-se em um pólipo. O pólipo é a segunda fase do desenvolvimento, lembra grosseiramente uma arvorezinha. No que seria seu caule podem formar-se brotos e o pólipo se reproduz assexuadamente, mas nunca ocorre reprodução sexuada. Nas extremidades, porém, formam-se medusas, a forma mais conhecida da água viva parecida com uma tigela de ponta-cabeça e com tentáculos nas bordas. Em biologia define-se como adulto um organismo que produza espermatozóides e óvulos. Nesse caso, a medusa é a forma adulta dos hidrozoários. No interior da dita tigela formam-se gônadas que liberam óvulos e espermatozóide na água do mar. Após o sexo a medusa tem o bom senso de morrer. No mar ocorrerá a fecundação e recomeça o desenvolvimento embrionário e a larva, fechando o ciclo.
ciclo de vida do hidrozoário Obelia obtido em: www.palaeos.com

Ciclo de vida de Obelia sp. um hidrozoário obtido em: www.ville-ge.ch
Turritopsis nutricula faz uma mágica biológica. Depois de liberar seus gametas a medusa reverte seu processo de envelhecimento e retorna para sua forma juvenil. Um Benjamin Button real! Este processo foi chamado de transdiferenciação e ocorre de forma muito parecida com o envelhecimento normal. Um dos mecanismos mais usados neste processo é a apoptose, um suicídio celular programado. Aparentemente o processo de envelhecer e rejuvenescer pode acontecer ad infinitum, tornando o organismo virtualmente imortal.
A dinâmica das populações depende de quatro fatores principais: nascimentos, mortes, imigrações e emigrações. A primeira e a terceira aumentam as populações, a segunda e a última diminuem. Uma espécie imortal tenderia a uma explosão populacional que a forçaria a emigrar e colonizar novos ambientes. É isso que está acontecendo com Turritopsis nutricula, espalhando-se pelos mares do mundo.
Na verdade, rejuvenescer não deveria ser nada tão difícil. Nossas células carregam o mesmo material genético de todas as células e este não muda, salvo alguns detalhes que não devem interferir no nosso caso, ao longo do tempo. Assim, o DNA da Turritopsis nutricula tem as instruções para produzir tanto a medusa quanto o pólipo. O DNA da borboleta tem as instruções para produzir, não só a borboleta, mas a lagarta. No nosso DNA tem instruções para produzir tanto colágeno, que mantém a pele elástica e sem rugas, aos 80 anos quanto aos 8, estas instruções só não serão lidas. O que Turritopsis faz é voltar a traduzir os genes que codificam para o pólipo e deixar de traduzir os da medusa.
Na teoria muito simples, na prática é que a coisa pega. Isto tem carregado uma grande quantidade de pesquisadores a se interessarem por essas medusinhas de 5 mm numa corrida pelo elixir da juventude. No final todos querem saber como retroceder o relógio do tempo.

As bases biológicas do comportamento

Nada como o cheiro das páginas abertas pela primeira vez. O ruido baixo das folhas se desgrudando umas das outras, o odor da tinta gráfica e do papel virgem. Mas se os preços dos livros de verdade aproximam-se cada vez mais do proibitivo para você, um e-book, ou livro eletrônico, pode bem vir a calhar.

O CNPq abriu um canal para aqueles autores de livros científicos que acreditam que conhecimento não tem dono e deve circular livremente por aí. Um desses autores é Marcus Lira Brandão, professor da USP Ribeirão, que disponibilizou a versão revisada de sua obra “As bases biológicas do comportamento”. O livro é uma compilação de artigos de diversos autores e torna a neurociência um terreno menos árido para os que o têm como guia. Eu, que já sou fiel a esse título desde sua versão impressa, acho o livro o melhor do assunto em português, sempre passo alguns capítulos para meus alunos ingressantes no LECR (Laboratório de Ecologia Comportamental da Reprodução, onde trabalho na UNEMAT).

No mesmo espaço o Prof. Kleber Del-Claro, da UFU, ofereceu outro livro na área de comportamento animal. Introdução à Ecologia Comportamental é a transformação em livro daquele professor que te instiga a saber mais e adorar as aulas. Mais uma leitura indispensável aos meus discípulos que está gratuita online.
Para os interessados e ainda não iniciados, alguns outros canais oferecem muitíssimos títulos nas mais diversas áreas gratuitamente online. São exemplos o Projeto Gutemberg, a e-book cult e o Domínio Público, montado pelo governo federal.

Pensamento de segunda

“A grande tragédia da ciência – a destruição de uma linda hipótese por fatos terríveis.” (Thomas Huxley)

Vida selvagem de pertinho

Ao Gaio, neo-cacerense, colega na USP e agora na UNEMAT e ainda incólume às onças

 
Gatos são animais ariscos e curiosos por natureza. Um gato doméstico seria muito sorrateiro com sua comida. Mas, tendo em vista que se ele não se dispuser a comer com gente em volta fazendo barulho vai passar fome, chega uma hora que o felino deixa de lado seus pudores e aceita a nova situação. Agora substitua o gatinho doméstico por uma onça. No Pantanal o ecoturismo tem se intensificado tanto e de forma tão segura para os animais que alguns estão deixando de ser tão arredios. É o que mostra o vídeo abaixo gravado em Cáceres, MT. Aqui perto de mim.

Tomara que os políticos e fazendeiros percebam o valor que uma onça dessas viva pode render a mais do que uma morta, seja por caça ou por perda de habitat.
Tomara também que essa habituação com os humanos não descambe para a inclusão da nossa espécie no cardápio das onças. Por mais que eu mesmo conheça um punhado de gente que valeria muito mais como alimento de onça do que pelo ser humano que são, a opinião pública tende a não ser muito tolerante com animais que saem por aí comendo gente.
QUIZ DE ÚLTIMA HORA:
Quem você daria de comer a uma onça?
Aguardo as respostas nos comentários…

Manchetes comentadas 11 – Alienígena de 29 kg capturado em Brasília

Eron de Almeida e seu alien de 29 kg

Eron de Almeida e seu alien de 29 kg (www.correiobraziliense.com.br)


Vou aproveitar o encontro brasileiro de ictiologia para soltar uma manchete comentada sobre peixes. Hoje uma nova carpa prateada, desta vez pesando 29 kg, foi pescada no lago Paranoá, Brasília, próxima à estação de tratamento de esgoto da ponte das garças. Os animais foram introduzidos há 10 anos com o intúito de despoluir o lago.
Mas como é que um peixe poderia fazer isso? Uma das principais formas de poluição do ambiente aquático é a chamada eutrofização. Eutrofização é a entrada de um grande volume de matéria orgânica, principalmente fósfatos e nitratos, na água. Esses elementos podem vir da lixiviação de lavouras ou do despejo direto de esgoto nos corpos d’água. Para quem conhece um pouco de cultivo de vegetais sabe que nitratos e fosfatos são excelentes fertilizantes, por isso, assim que atingem a água esses elementos são capturados por vegetais aquáticos grandes, como o aguapé, ou microscópicos, como as algas cianofíceas. As carpas prateadas se alimentam dessas microalgas cianofíceas, levando junto com as algas o fosfato que poluía o lago.
Bem, não é tão simples assim. Caso o peixe permaneça no lago ele um dia irá morrer e, ao se decompor, devolver para o lago todo o fosfato que consumiu. Para que isso não ocorra o peixe tem que ser retirado do lago. Um destino razoável para uma carpa pescadaseria uma grelha, umas rodelas de tomate, cebola, pimentão, coentro, uma cervejinha, quem sabe. Deixar os bichos completarem seu ciclo de vida no lago daria o mesmo que não fazer nada. É o mesmo problema que ocorre com a despoluição pelos aguapés, se há muito fosfato ocorre uma explos”ao populacional dessas plantas, elas morrem, se decompõem e voltam a poluir o lago. Por isso precisam ser retiradas.
Quando esse projeto de despoluição do Paranoá começou eu adorava passear de barco pelo lago. A CAESB, companhia de água e esgoto de Brasília, tinha tanques-rede abrigando os peixes. Nos tanques-rede a água poluída entrava, as carpas tiravam as cianofíceas para se alimentar e a água saía mais limpa. Quando as carpas estivessem grandes o suficiente era só retirar o tanque inteiro do lago e pegar as carpas. Depois novas carpinhas eram colocadas ali e o tanque-rede devolvido ao lago. O estado trófico (grau de eutrofização) do Lago Paranoá melhorou muito desde a década de 90, graças a essa e outras medidas, como o tratamento do esgoto lançado no lago.
Mas um problema ainda fica evidenciado pelas capturas dos últimos dias. Se essas carpas prateadas estão sendo pescadas agora é sinal de que figiram dos tanques-rede. Carpas prateadas são peixes originários da China, de apetite extremamente voraz, possivelmente mais hábil em evitar predadores, portador de suas próprias doenças as quais podem ser muito agressivas contra nossos peixes nativos e talvez imune às doenças dos peixes brasileiros. Isso tudo configura um fenômeno já bem conhecido dos ecólogos: Invazões Biológicas. As espécies invasoras, ou alienígenas, são o segundo maior causador de extinções conhecido graças à sua habilidade em destruir espécies nativas por exclusão competitiva. O problema da poluição no Lago Paranoá pode ter sido bastante amenizado, mas trouxe consigo um novo problema de invasão biológica, essa talvez muito mais difícil de resolver. No lago Paranoá, além da carpa prateada, há tilápias africanas, tartarugas da Flórida e o mexilhão dourado, também da China.

Pensamento de segunda

“A ciência é uma coisa maravilhosa se você não depende dela para viver.” (Albert Einstein)

USP, 75 anos

Hoje faz 75 anos que a Universidade de São Paulo foi fundada. Essa que foi minha segunda maternidade merece meus parabéns e meus votos de muitos anos ainda por vir. Tenho certeza de que ela abriga diversos problemas e desafios, mas tenho também um imenso orgulho de ser uspiano.
Feliz Aniversário USP

Encontro Brasileiro de Ictiologia em Cuiabá

 

Essa semana acontecerá no Mato Grosso o XVIII Encontro Brasileiro de Ictiologia, reunindo os principais pesquisadores de peixes do país. O encontro pretende abordar temas relacionados a “Ictiologia e desenvolvimento”. Serão cinco dias de palestras, cursos, debates e reuniões realizados na UFMT de Cuiabá. Uma excelente oportunidade para o estado mostrar que aqui também se faz pesquisa. Se algum leitor aparecer por lá será um prazer conhecê-lo. Estarei no apoio aos palestrantes, na sala VIP, no desembarque do aeroporto ou correndo de um lado para o outro mesmo.

Imagens

Pessoal, estou com uma nova conexão via 3G e penando para carregar imagens do meu computador para o Blog. Paciência, em alguns dias resolvo isso e ilustro a manchete #10, o Templo e a Vida após a morte.
Bessa

Manchetes comentadas 10 – Caixa preta do US Air confirma choque com aves


Maldito Ganso

Maldito Ganso


No dia 15 de janeiro um avião da US Airways caiu em Nova Iorque. Os americanos, que já andam meio ressabiados com aviões, logo ergueram o piloto ao status de semi-deus. Mesmo sem os motores e perdendo altitude rapidamente ele foi capaz de levar o avião até o rio Hudson, que margeia a metrópole, e pousar suavemente, dentro do possível, na água. Os 155 passageiros foram resgatados com vida.

A tripulação afirmou, e hoje a caixa preta confirmou, que o acidente deveu-se ao choque com aves. Parece bizarro um airbus daquele tamanho vir ao chão por causa de aves, mas o caso é sério. O prejuízo deve alcançar cerca de 600 milhões de dólares por ano. Só no Brasil o órgão da Infraero responsável por avaliar acidentes aéreos contabiliza 2 mil ocorrências por ano. Claro que nem todas tão desastrosas quanto a do airbus.

Devido a tudo isso diversas medidas já são tomadas em vários aeroportos. Aqui no Brasil desde o começo do ano passado que o aeroporto da Pampulha (Belo Horizonte) conta com falcões adestrados para caçar outras aves potenciais causadoras de acidentes. Cães também prestam esse serviço perseguindo as aves.

Alguns fatores favorecem a ocorrência de aves próximas a aeroportos. Muitos aeroportos se beneficiam de áreas alagadas ao seu redor por não apresentarem obstáculos aos aviões, por serem planas e desertas, permitindo pousos de emergência. Mas se estas áreas são desertas de habitantes humanos, atraem aves aquáticas como garças, patos e gaivotas. Outro fator é que aeroportos têm muitos holofotes para iluminar as pistas à noite. Holofotes atraem insetinhos e estes atraem seus predadores, como o quero-quero. Outra fonte de risco muito comum no Brasil é que áreas ermas, além de propícias para aeroportos, também são usadas como lixões. O que acaba atraindo urubus e pombos.

Ainda em tempo, um preciosismo de biólogo. Percebam que, entre as aves que mais causam acidentes (garças, gaivotas, patos, quero-queros, urubus e pombos), nenhuma delas é da ordem Passeriformes, por isso, nenhum pássaro de fato. Aves causam acidentes aéreos, pássaros não são grandes o suficiente para causá-los. Pássaros são as aves canoras como o bem-te-vi, o coleirinho, o pardal e o sabiá.