Eduardo Bessa Entrevista o Papai Noel

Entrevista com o Papai Noel em plena noite de natal. Conversamos sobre a natureza humana, a existência do bom velhinho e presentes.

Agradecimentos à camera-woman Luisa Matos e ao Clóvis Matos, seu pai e nosso Papai Noel.

Raphael Dias – O Futuro do Doutorado

Raphael Dias - O futuro do PhD

Raphael Dias entre pica-paus e esperanças

Raphael Igor Dias é recém-doutor em ecologia pela Universidade de Brasília. Durante o doutorado  trabalhou com uma espécie de pica-pau (Colaptes campestres) para tentar responder algumas perguntas associadas à evolução da socialidade e seleção sexual. O trabalho de campo foi inteiramente desenvolvido na Fazenda Água Limpa. Raphael foi financiado por instituições como CAPES, CNPq,  DPP-UnB e Francois Vuilleumier Fund da Neotropical Ornithology.

1)      O que levou você a procurar a carreira científica? Como isto resultou no ingresso num programa de doutorado?

Ainda durante a graduação em biologia acabei me envolvendo em alguns projetos de pesquisa que despertaram meu interesse em seguir uma carreira acadêmica. No começo do último semestre da graduação, entrei em contato com a Profa. Regina Macedo (UnB) para conhecer a sua linha de pesquisa e discutir possibilidades de mestrado. Essa conversa inicial deu frutos e acabou resultando em seis anos de uma excelente orientação e uma ótima relação pessoal que se mantêm até hoje.

2)      Quais os seus planos para sua carreira depois da titulação? Até o momento essa expectativa tem se cumprido?

Meus planos futuros envolvem o ingresso em uma instituição pública para que eu possa manter minhas linhas de pesquisa, continuar publicando e orientar alunos. No momento venho trabalhando com docência em uma instituição particular de nível superior. Nesse sentido, considero que tive muita sorte, pois apesar do mercado estar saturado em algumas regiões do país, consegui ingressar em uma boa instituição logo após o término do meu doutorado.

  3)      Em linhas gerais, como foi sua rotina de trabalho no doutorado?

A rotina de trabalho durante o doutorado foi bem variável, mas foi composta basicamente de atividades diárias de campo envolvendo busca, captura e marcação de indivíduos, monitoramento de grupos, identificação de ninhos, entre outras. Adicionalmente, eu realizava levantamento de referências bibliográficas, analisava parte dos dados já coletados, participava das aulas da pós-graduação e eventualmente trabalhava em algum projeto paralelo. Durante o período em que eu realizei o doutorado-sanduíche na Universidade de Cornell, a rotina de trabalho foi completamente diferente. Durante seis meses eu trabalhei com análises moleculares com o objetivo de determinar o grau de parentesco entre os indivíduos dos grupos de pica-pau-do-campo, assim como, entender o sistema social e de acasalamento.

 4)      Quais os problemas que a pós-graduação no Brasil tem encarado?

Acredito que o principal problema que a pós-graduação no Brasil tem enfrentado diz respeito à falta de investimento nas próprias instituições responsáveis pelos programas de pós-graduação. Observamos varias instituições que estão sucateadas e muitas vezes apesar de apresentarem um bom programa de pós-graduação com um renomado corpo docente, não conseguem manter determinadas linhas de pesquisa por falta de recurso. É notável uma melhora nos últimos anos em relação à área de ciência e tecnologia, com aumento de bolsas, novas universidades, mas apesar desse cenário, penso que o Brasil ainda necessita passar por uma mudança de mentalidade em relação à pós-graduação. Essa mudança deveria começar na política do governo, primeiramente valorizando os profissionais que investiram anos em sua qualificação. Essa mudança deveria incluir a abertura de novos postos de trabalho para que um número maior de pós-graduados seja bem utilizado. Por outro lado, uma mudança ainda mais radical deve ser estimulada no pensamento da população brasileira, para que a mesma entenda que a educação é o melhor mecanismo para mudanças efetivas, tanto sociais quanto políticas.

 5)      Que conselhos você daria a alguém considerando agora ingressar na carreira acadêmica?

Eu acho que é uma área encantadora, que favorece a formação de um senso crítico e proporciona uma visão ampla do mundo, mas que não é fácil! São necessários muito esforço e dedicação.

 

Entrevista com Gilson Volpato

Uma das grandes vantagens de estar em uma universidade grande é a chance de interagir com pessoas inteligentes. Não me refiro apenas aos professores, mas os colegas rendem excelentes conversas também. O ambiente é efervescente em cultura e boas ideias. Uma destas ricas oportunidades me foi dada duas semanas atrás na UNESP de Jaboticabal numa disciplina do doutorado sobre redação científica. Aproveitei a ocasião para entrevistar o Professor Gilson Volpato, renomado autor de livros sobre escrita de artigos pela editora Cultura Acadêmica. Seus livros podem ser encontrados no site da best writing, já um aperitivo do seu curso pode ser acessado neste link. Agradeço ao Fábio Martins, meu colega de laboratório em Rio Preto e camera-man do dia.

A pedidos, coloco abaixo a transcrição da entrevista. Ainda não arranjei um tempo para transformá-la em legenda no you tube.
Hoje a gente está aqui com o Professor Gilson Volpato. O Professor Gilson Volpato tem 298 citações cadastradas no ISI e eu tive a oportunidade de fazer esta semana uma disciplina sobre redação científica e metodologia científica. Eu resolvi levar um pouco do que ele costuma falar aqui para vocês. O Professor Gilson Volpato é professor da UNESP de Botucatu, além disso ele tem publicados seis livros sobre redação científica.
Ciência à Bessa- Então, professor, primeira coisa, durante a disciplina você falou para a gente que “ou o nosso século se dedica aos valores humanos, ou de nada valeram os avanços tecnológicos até aqui alcançados.” Como é que o cientista pode entrar e participar nesta construção de um mundo melhor? O que a gente pode fazer por isto?
Gilson Volpato- Bom, o cientista entra por dois lados, por um lado como cidadão. Ele é cientista, mas é cidadão. Ele vota, tem uma participação no dia-a-dia, certo? O fato de ele ser cientista pode interferir nisso, uma vez que ele tem acesso a informações e tem um grau de discernimento razoável. A gente espera que ele esteja puxando, como cidadão, outros cidadãos dentro de uma sociedade. Acho que ele não é nenhum privilegiado, mas ele tem sua participação. E, como cientista, muito do que ele está fazendo vai ter, ou pode ter, uma repercussão dentro da sociedade. Ele, por exemplo, fazendo uma ciência de bom nível, publicando internacionalmente ele está mostrando lá para fora que o Brasil é um país onde se faz ciência de bom nível. Ele está sendo um brasileiro e está levando o nome do Brasil lá para fora. Quando ele faz uma pesquisa que reverte em alguma aplicação prática para a sociedade, se descobre um método novo de ensino ou ele descobre um método de produção animal, alguma coisa assim, ele está tendo alguma repercussão para a sua sociedade local também. Neste contexto a gente vê muitas vezes que esta discussão dentro da ciência é canalizada para um lado assim: “Não, vamos fazer tecnologia e tecnologia e tecnologia…” Achando que a sociedade vai se resolver pela tecnologia. Hoje a gente vê o seguinte: você tem carro importado, carros do mais alto nível, você tem comida sobrando, você tem isso, você tem aquilo, mas está faltando. Você não pode usar seu carro para tentar XXX. O que é isso? (2:40) É uma sociedade desestruturada. Então é importante que vocês percebam que nós temos um monte de tecnologia disponível, internet de alto nível, tudo, mas em termos de avanço moral e ético temos muito o que penar ainda. Você vê os escândalos que saem, a matéria que saiu hoje (21 de julho) na Nature falando exatamente do volume de más condutas dentro da confecção de artigos. Fraudes dentro da confecção de artigos! Então estas coisas têm que ser vistas e nós não vamos resolver o problema com técnicas. Enquanto história, filosofia, sociologia, coisas deste tipo não forem valorizadas dentro da formação do cientista nós podemos estar criando monstros.
CAB- Inclusive, nesta mesma linha durante a disciplina, você falou várias vezes que a pós-graduação no Brasil tem formado muito mais pesquisadores do que de fato cientistas. Qual é a diferença entre um e o outro? O que está faltando para a gente ser cientista? Será que é ciência aplicada, produzir coisas ou conhecimentos mais aplicados ou não tem nada a ver com isto?
GV- É, o Brasil agora está nessa onda da tecnologia, da aplicação e tal. Isso é importante, evidentemente, isso é necessário para o país poder andar também. Só que não é só isso. A distinção que eu falo sempre entre cientista e pesquisador é a seguinte. Pesquisador é aquele que tem uma pergunta e resolve o problema pontual: um pesquisador do IBOPE, um pesquisador que quer saber um produto que se está usando. Eu vou lá, faço uma pesquisa e descubro isso, isso é trivial. Não preciso nem ser cientista para isso. Enquanto um cientista faz pesquisa e do resultado, das conclusões obtidas, ele discute dentro de um corpo teórico maior. A gente percebe que às vezes as pessoas aprendem na pós-graduação a executar uma técnica, tem uma hipótese, responder aquilo lá, fez um testezinho, publicou, mas ele não tem noção de quais são as teorias que estão por trás. Qual é a contribuição que aquilo pode dar? Quando você é obrigado a entrar em revistas de alto nível você tem que entrar nessa discussão. Então muito do pessoal que está aí não é obrigado. Eles publicam numa revistinha aí, internacional que seja, mas fraca, e ficam aqueles trabalhinhos. O que me chama a atenção é que muitas vezes eu pergunto para as pessoas: “Você está fazendo um doutorado, vai receber o título de doutor. O que é isso? O que significa isso? O que significa ser PhD? Eles não sabem. A minha preocupação nessa formação técnica do indivíduo, essa formação técnica do pesquisador, é que amanhã quem vai estar cuidando da ciência nacional? Pessoas assim. Para onde vão ser direcionadas as coisas? As pessoas vão agir em função dos conceitos que elas têm. Não é possível que um cientista não conheça filosofia da ciência, pelo menos a da ciência, não conheça coisas de epistemologia, não conheça coisas de arte, não conheça a história da educação no Brasil. São analfabetos muitas vezes nestas questões educacionais, não importa em que área o indivíduo esteja. Para ele ser um cientista ele precisa ser algo a mais, ele precisa estar atualizado, tem que estar lendo jornais, tem que estar lendo as coisas que estão acontecendo. Nossa pós-graduação não está formando isto. Nossa pós-graduação não está formando indivíduos que saibam o processo que fazem parte. Eles aprendem uma técnica muitas vezes. Ele, às vezes, não é treinado para idealizar uma hipótese interessante, uma pergunta interessante. Fica fazendo mesmice. Então nós não estamos formando cientistas. É lógico que tem exceções, tem pessoas maravilhosas, tem cursos excelentes. Mas não é a regra. De norte a sul, leste a oeste o sistema “pós-graduação” não garante isso. O que garante isso são iniciativas isoladas em alguns pontos. O sistema ainda está priorizando coisas que estão muito distantes da formação intelectual de um cientista, de uma pessoa de altíssimo nível.
CAB- E isso reflete inclusive nas nossas produções, né.
GV- Produções, na forma de administração, uma série de coisas.
CAB- Uma linha que você tem investido também boa parte da sua carreira é relacionado ao bem-estar animal. Por que a gente deveria se preocupar com o bem-estar de um animal? Animal tem alma? Você é vegetariano e não usa nada derivado de animal?
GV- Não, não, eu como carne, na boa, sem problema algum. Aliás, uma das coisas que a gente defende é que matar para comer faz parte da nossa história, faz parte da nossa situação hoje. “Ah, mas o Homem não precisava comer carne. Não pode só comer isso?” É uma discussão particular que não vem ao caso. Agora, o que eu não concordo que eu tenho defendido inclusive nos meus textos publicados no exterior, publicados aqui no Brasil é o seguinte: que estes animais têm a possibilidade de sofrer está claramente demonstrado. Seja um peixe, seja um cachorro. E quanto mais distante da gente a gente tende a achar que não sofre. Sofre, sim, certo! Dentro desta colocação, nós temos que respeitar. Ou seja, vamos manter animais em cativeiro para produção de alimento? Ok, podemos fazer isto, mas vamos tentar dar as melhores condições possíveis para ele. E dar as melhores condições não é simplesmente tirar o estresse, ta. Às vezes um animal que está isolado, parado em um canto para ele é extremamente desconfortável. Nós defendemos que não há indicadores fisiológicos que vão conseguir demonstrar o estado de bem-estar. Nossa proposta é exatamente o contrário, você pega alguns dados da literatura e entra nesse fato. Não é uma proposta original nossa, mas entra nesse fato, que é o que? Eu tenho que conhecer quais são os gostos daquele animal que eu estou lidando com ele. De que intensidade luminosa ele gosta? Eu vou tentar dar essa intensidade luminosa para ele. “Ah, mas isto varia, dependendo da situação.” Então dá chance dele variar. Então o trabalho de você confinar um animal é muito maior do que simplesmente pôr ele lá. Você tem que entender quem é esse animal para você respeitar o máximo possível, já que ele foi capturado e vai virar seu alimento, ou você vai usá-lo para produzir conhecimento para salvar uma criança, para salvar um ser humano, que eu acho legítimo. Mas requer que você faça algumas pesquisas minimizando o sofrimento o máximo possível, depende do resultado. A hora que a gente vai ao hospital e o médico trata a gente. Ou então a gente tem que defender o contrário, tem que defender que então tira tudo, não vamos usar nada disso. Fica doente e morre. Eu acho que o cérebro humano não evoluiu à toa. Ele traz vantagens adaptativas, uma delas é gerar conhecimento, a ciência é uma dessas formas de conhecimento que você usa como ferramenta tentando produzir coisas que livrem a espécie humana do sofrimento. Isso já era dito pelos filósofos de antigamente. O objetivo da ciência é tirar da humanidade o sofrimento. Como fazer isto? Tirar da ignorância, dar recursos para ficar menos doente, dar condição de ter mais alimento para todo mundo, ter referenciais para poder melhorar. Então nessa questão você vai usar os animais. E a ciência do bem-estar animal vai exatamente num ponto de tentar fazer isto respeitando os animais. É diferente de um cara lá fazendo pesque-solte, ele está brincando com os animais. O que ele está passando para o povo? Ele está passando o seguinte: “Nós podemos nos divertir à custa do sofrimento alheio.” É isso que você está ensinando às crianças quando você leva num pesque-solte. É isso que se está ensinando a esse grupo. Se não fosse assim, normal fazer o pesque-solte, mas não. Rodeios, é como você falar: “Eu vou me divertir hoje.”, mas quem está sofrendo é o animal para eu simplesmente ter o prazer de me divertir. Aí não. Então se existe alguma possibilidade é pelo menos aquela questão da sobrevivência. Para eu não morrer eu tenho que ter conhecimento para tratar de um doente ou para comer. Isso eu ainda acho de certa forma legítimo, agora, para se divertir eu acho muito complicado. Isso eu falo, está publicado e publicado em revista boa.
CAB- Obrigado professor, muito obrigado pela disciplina.
GV- Eu que agradeço.