Brasil ameaçado – Bagre cavernícola
Meu primeiro trabalho científico foi com o grupo de biologia cavernícola da USP, eu participei de uma expedição a Terra Ronca, em Goiás, de onde vem o brasileiro ameaçado dessa semana. As descobridoras desse bagre cavernícola foram Eleonora Trajano e Maria Elina Bichuette, com as quais eu trabalhava nesse período. Elas descreveram Ituglanis bambui a partir de animais coletados na virada do século em riachos subterrâneos da caverna Angélica. Ituglanis bambui tem coloração ainda um pouco amarronzada e olhos reduzidos, mas presentes, o que sugere que ele não esteja vivendo em cavernas há muitas gerações já que olhos e pigmentação são perdidos em peixes totalmente adaptados às cavernas. Ele não tem forte hábito de entocar-se e nada solitariamente à meia água em busca de alimentos que localiza com seus barbilhões. O principal risco que essa espécie corre é ter uma população pequena e ter alto grau de endemismo em cavernas de solos calcários. Como o calcário é usado industrialmente em condições que variam do clareamento do papel até a produção de creme dental, economizar pasta de dente e usar aquelas folhas de papel reciclado e não clareado já é uma boa medida para cuidar desses bagres.
Brasil ameaçado – Cascudo zebra
Só de olhar a foto você já deve imaginar o que ameaça o brasileiro dessa semana, a captura para aquarismo. O cascudo zebra é um belo peixe de uns 6 cm que vive sobre rochas nas corredeiras do Rio Xingú. Ele se alimenta de microrganismos que crescem sobre superfícies duras como rochas e troncos, o que chamamos de perifíton. Os ovos são colocados em tocas que o macho protege e cuida. Os machos são territorialistas e brigam usando espinhos operculares, além disso, sua manutenção em aquário demanda água limpa e correnteza, o que torna sua criação complicada. Não bastasse a captura para o comércio de peixes ornamentais, sua área de ocorrência também deve ser diretamente afetada com a construção da usina de Belo Monte. Quer ajudar esse cascudo? Não povoe seu aquário com espécies ameaçadas ou que não se reproduzam em cativeiro.
Brasil ameaçado – Sapo Holoaden bradei
Esse sapinho é encontrado apenas em um trecho de mata de 10 km² acima dos dois mil metros de altitude na Serra de Itatiaia, isso se ainda for encontrado, porque há alguns anos que ele já não é mais visto por pesquisadores. Se você tem acompanhado essa série, já sabe que estar restrito a locais tão pequenos, um endemismo extremo, é uma recorrência entre as espécies ameaçadas. Muito pouco se sabe sobre Holoaden bradei, mas ele vive entre as folhas no chão da Mata Atlântica, os machos defendem a desova que é colocada no folhiço pela fêmea e provavelmente eclode sem passar pela fase de girino. Apesar de ser considerado numeroso até a década de 1970, atualmente a espécie já pode estar extinta. As principais causas de seu declínio foram a perda de qualidade do habitat e talvez a poluição do ar. Uma coisa que qualquer um pode fazer para proteger animais como esse sapo é andar somente nas trilhas, não acender fogueiras e não levar “lembranças” quando estiver fazendo ecoturismo, em especial no Itatiaia.
Brasil ameaçado – Bagrinho Heptapterus multiradiatus
O bagre heptapterus multiradiatus é um peixe de cerca de 9 cm que habita a Bacia do Alto Tietê. Tem o corpo longo e a nadadeira anal igualmente alongada. Seus olhos são reduzidos e tem barbilhões longos que usa como sensor tátil e químico para perceber o ambiente. A perda da vegetação ripária, o uso dos riachos que habita como manancial para obtenção de água na Grande São Paulo e a poluição dos rios no Alto Tietê são as principais causas do declínio das populações desse peixe. Destine o escoamento da água de banheiros para a rede de tratamento de esgoto adequadamente, assim você não contribui para a extinção de peixes. Fechar a torneira enquanto escova os dentes ou lava a louça também é uma medida ao alcance de todos e que ajudará esses bagrinhos.
Brasil ameaçado – Cardeal amarelo
O cardeal amarelo (Gubernatrix cristata) é uma ave que habita o Sul do Brasil, Uruguai e Leste da Argentina. Ocorre em campos abertos e vegetação baixa, onde alimenta-se de sementes. O macho tem coloração amarela mais forte e contrastante com penas pretas na cauda enquanto as fêmeas são mais pardacentas. Vivem em casais ou formam bandos e colocam de dois a quatro ovos por ano em territórios que o macho defende cantando. Devido a essa coloração bonita e seu canto melódico, essa espécie é muito capturada e comercializada por traficantes de animais, a principal causa dela estar criticamente ameaçada de extinção. Sua preservação está entre as prioridades do plano de ação nacional para conservação dos campos sulinos. Além disso, monoculturas de eucalipto têm devastado seu habitat natural. Não criar passarinhos em gaiolas em casa já é uma excelente ajuda para preservar essa ave.
Brasil ameaçado – caburé de Pernambuco Glaucidium moori
Essa corujinha simpática da ilustração está provavelmente extinta. Já falamos nessa coluna sobre o gritador do Nordeste (Cichlocolaptes mazarbarnetti), o caburé de Pernambuco (Glaucidium mooreorum) é nosso personagem da semana e vem da mesma região do gritador, o Centro de Endemismo Pernambucano. Essa é uma faixa de Mata Atlântica isolada ao norte do São Francisco que foi extensivamente desmatada, restando apenas 2% de sua cobertura original. Por conta de nunca ter sido estudada viva, sabemos muito pouco sobre a biologia dessa coruja, mas provavelmente alimentava-se de insetos grandes e pequenos mamíferos. Outras corujas do mesmo gênero voam tão baixo que cercas com mais de dois metros de altura têm isolado populações, mostrando como esse animal é vulnerável. Para proteger outras espécies de coruja é importante não usar inseticidas que sofrem bioacumulação.
Brasil ameaçado – Tesourão Grande
Fragatas são aves relativamente comuns no litoral brasileiro, em especial Fregata magnificens, mas o brasileiro ameaçado de hoje, apesar de ser comum em outras partes do mundo, está criticamente ameaçado no litoral brasileiro, é o tesourão grande, Fregata minor. Esse animal tem um voo exuberante, talvez devido a suas asas, que têm a maior razão área/peso do corpo entre as aves. Planam quase sem esforço por até mais de um dia e fazem manobras velozes no ar. A fragata também é uma exceção quando se trata de diferenças entre machos e fêmeas em aves marinhas. Enquanto na maioria das espécies os sexos não se diferenciam, nessa ave os machos têm uma plumagem preta com reflexos verdes e um saco gular vermelho vivo que o macho infla para atrair parceiras. Os pés da fragata não possuem membranas entre os dedos e sua plumagem não é impermeabilizada. Por isso ela evita mergulhar, alimentando-se frequentemente de peixes que saltam acima da superfície ou roubando o alimento de outras aves marinhas que ataca em pleno voo. Parte da diminuição das populações do tesourão grande se deve a fenômenos climáticos, como as tempestades que decorrem do El niño, parte por causa da introdução de animais domésticos em ilhas oceânicas, tais como cabras e cães, que comprometem os locais de nidificação dessa ave. Se você quiser proteger as fragatas e outras aves marinhas, não use a técnica do espinhel na pesca. Além dos peixes, muitas aves atacam a isca na superfície do mar e acabam sendo fisgadas e se afogando.
Brasil ameaçado – Formicivora erythronotos
O pássaro formigueiro de cabeça negra ficou quase um século sem ser observado na natureza e já era considerado extinto. Felizmente no fim do século passado algumas populações na região de Angra dos Reis foram descobertas. Hoje acredita-se haver cerca de 2 mil indivíduos, mas a população está declinando. Eles habitam mata atlântice baixa e sua transição com a restinga e o mangue. Esse passarinho é muito sensível às alterações do ambiente pelo homem. Sabe o que você pode fazer por ele? Não compre palmito juçara. A extração dessa árvore numa mata é suficiente para excluir os formigueiros.
Brasil ameaçado – Eretmochelys imbricata
Nos meses que passei como estagiário no Projeto TAMAR uma das tarefas mais ingratas era alimentar uma tartaruga de pente que vivia nos tanques para os visitantes verem. Esse animal havia sido encontrado na praia quase morto, tão magro que a parte de baixo do casco (chamado plastrão) formava uma concavidade. Ela estava doente e não comia desde que chegara na base. Para mantê-la a veterinária Cecília Baptistotte me ensinou a preparar um delicioso suco de peixe (eu batia pedaços de peixe com água do mar num liquidificador e coava o caldo cinza e fedorento), inserir uma sonda esofágica no animal e injetar o alimento e alguns remédios dentro do estômago. Eu lamentava ver o animal semana após semana nas mesmas condições e já pensava se a morte não era melhor alternativa, mas a Cecília era irredutível em seus esforços. Fiquei meses nessa rotina, terminei meu estágio e nada do animal mostrar melhora nenhuma. Um dia, anos mais tarde, encontrei a Cecília e ela contou que a tal tartaruga estava plenamente recuperada. Nem acreditei, mas vidas ameaçadas, de um indivíduo ou uma espécie, dependem de persistência e paciência para serem recuperadas. A tartaruga de pente alimenta-se de corais e se reproduz desde o sudeste brasileiro até o Caribe, colocando cerca de 60 ovos em ninhos na praia. Fêmeas desovando eram capturadas para consumo dos ovos, da carne e produção de itens como armações de óculos e pentes com o casco, o que levou a espécie à beira da extinção. Um outro fator que leva à mortalidade os filhotes de tartarugas que tentam chegar ao mar é a poluição luminosa nas praias. Os filhotes são atraídos pela luz dos postes e dirigem-se à avenida em vez de irem para o mar. Uma forma de salvar filhotes de tartarugas de pente é evitar a iluminação de praias, pelo menos na época de eclosão dos ovos.
Brasil Ameaçado – Epinephelus itajara
Era dia de tomar o voo de volta e eu decidi fazer um último mergulho de snorkel na praia próxima ao hotel em Fernando de Noronha. Já estava nadando de volta quando vi lá no fundo um vulto muito grande nadando para dentro de uma toca. Puxei o ar, afundei, agarrei-me à boca da toca e puxei o corpo para dentro. Sem saber eu havia encurralado lá dentro nosso brasileiro ameaçado dessa semana, um mero. Sem ter para onde fugir o enorme peixe disparou por cima de mim me acertando em cheio no peito. A pancada me fez cuspir o ar que tinha guardado nos pulmões a uns 4 m de profundidade. Pensei que fosse me afogar. Não faço ideia do tamanho desse mero, qualquer estimativa seria proporcional ao medo que eu passei, mas alguns animais passam dos 300 kg. Eles habitam parcéis, naufrágios e plataformas onde se entocam. Seu grande tamanho, comportamento curioso em relação ao homem e ciclo de vida lento fazem com que a pesca exerça forte pressão no declínio populacional dos meros. Uma forma de proteger os meros é não praticar a caça submarina nem consumir os produtos de caça ilegal. A pesca do mero no Brasil é proibida por lei.