A fêmea no poder II

 

Ontem falamos de símbolos fálicos e do poder mencionando o caso da hiena malhada, nossa sociedade matriarcal de hoje é a das Elefantas. Tenho a esperança de que o poder de gerir o país nas mãos de uma mulher seja exercido de maneira muito diferente da masculina. Tenho também a esperança de que a experiência de vida da mulher, que indubitavelmente é diferente da do homem, leve a presidenta que recém tomou posse a guiar o Brasil por outras trilhas.

ARKive image GES004047 - African elephantEm vez de força, sabedoria. Matriarca dos elefantes é definida pela capacidade de resolver os problemas do grupo

Fonte: www.arkive.org

As sociedades de machos e fêmeas de elefantes africanos, Loxodonta africana, são muito diferentes. Enquanto machos formam grupos cuja hierarquia é definida em violentos combates, as fêmeas determinam quem manda através da experiência e conhecimento. As manadas de fêmeas têm cerca de 12 membros de uma mesma família e seus filhotes, os machos vivem isolados ou em bandos unicamente masculinos. A matriarca é geralmente a fêmea mais velha da manada. É ela que identifica se outra manada é amiga ou agressiva, ela define a rota de migração evitando predadores para os filhotes e seguindo sempre por onde haverá fontes de água e alimento. A sobrevivência de todos depende da sabedoria desta fêmea.

Eduardo Bessa entrevista Wrana Panizzi, Vice-presidente do CNPq:

Durante um evento em Cáceres na semana passada tive a oportunidade de assistir a uma palestra da Prof. Wrana Panizzi sobre o progresso das pesquisas no Brasil e o papel do CNPq nisso tudo. Logo depois fomos a um agradável almoço num restaurante flutuante no Rio Paraguai onde a Professora me concedeu esta entrevista. Agradecimentos especiais à minha câmera-woman da vez, a colega Prof. Alessandra Butnariu. Como foi tudo ocasional, não estava de todo preparado e o vídeo foi feito com a câmera do meu celular. Viva a tecnologia! No entanto o som ficou bem comprometido por causa das conversas e do barulho ao redor, por isso transcrevi abaixo a entrevista.

Eduardo Bessa – Hoje o Ciência à Bessa está aqui em companhia da Prof. Wrana Panizzi, vice-presidente do CNPq. Professora, é notável que as mulheres cientistas vêm assumindo papéis cada vez mais centrais na Ciência e na Tecnologia nacionais. Desde a Prof. Mayana Zatz com o prêmio L’Oreal, a senhora recebeu também uma comenda da presidência. Como a senhora vê o papel da mulher na C&T no Brasil?

Wrana Panizzi – Eu acho que a participação das mulheres veio no melhor momento como um reconhecimento do papel social da mulher. Eu acho que é significativo, nós temos pessoas como a Mayana, como outras tantas, a Prof. Glaci Zancan, do Paraná que foi presidente da SBPC. Nós temos sim mulheres envolvidas na gestão. Sem falar nas mulheres implicadas na gestão das universidades, eu fui reitora no Rio Grande do Sul e presidente da ANDIFES. Então eu acho que há um reconhecimento do papel da mulher nessas atividades. No CNPq tem um grupo de pessoas que vêm estudando a questão de gênero vendo as condições das mulheres nas universidades, é um trabalho interessante que traz resultados neste sentido. Se bem que as mulheres ainda batalham nas universidades, por exemplo, a vida acadêmica das pessoas tem um ponto de produtividade máxima, no momento em que as mulheres estão em período de maternidade. Elas culpam a maternidade por uma interrupção na produção acadêmica ou protelam o momento de serem mães porque há toda uma questão do papel da mulher na família, cuidando da família, dos filhos e assim por diante. Então essa é uma questão que desponta como diferencial. Outra coisa que se pode perceber é que as mulheres atingem vários cargos, mas na senioridade de suas carreiras. Nós temos visto até pela Secretaria das mulheres, lá no CNPq. Por exemplo, temos um prêmio para as pessoas que trabalham questão de gênero, homens e mulheres que trabalham questão de gênero. Então eu acho que há um crescente, mas ainda há um pequeno não reconhecimento da sociedade, a mulher ainda recebe menor quantidade de bolsas.

EB – Você mencionou a questão de gênero, assuntos voltados à sociologia e as ciências humanas em geral. Historicamente existe uma discussão muito grande de que o CNPq tem muito interesse nas ciências físicas e biológicas, áreas ditas de ciência mais dura, e muito menos interesse nas ciências humanas. Você, como vice-presidente do CNPq e cientista social, diria que existe uma dificuldade do pessoal de ciências humanas em desenvolver pesquisa mesmo ou preferência pelas outras áreas dentro do CNPq?

WP – Há um pouco de preferência, mas não tão grande quanto aparenta ser. Eu recentemente participei de um encontro durante a reunião da SBPC em Manaus esse ano para o qual eu fui convidada. Nós reunimos os presidentes das Sociedades de Ciências Humanas e lá nós apresentamos a eles, ou melhor, ELES nos apresentaram suas propostas. Nós nos colocamos à disposição para ouvir o que a área das ciências humanas tinha a reivindicar. Trocamos muitas idéias. Uma das coisas que eu disse também é que as ciências humanas tratam muito da política, ciências políticas, não é? Elas, no entanto, fazem pouca política. Então eu até ouso dizer aqui de forma muito franca que estas áreas enfocam movimentos sociais, entidades políticas, mas evitam a política no sentido de se posicionar. No entanto, nós produzimos um documento muito rico desta reunião ponderando os investimentos. Uma outra análise feita pelo CNPq com os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, que são os maiores investimentos do MCT e do CNPq em C&T no país, demonstrou que a área das ciências humanas não ficou proporcionalmente tão aquém. Tivemos bons projetos, tivemos grandes montantes de investimento. Então isso não é pouco, hoje são desenvolvidos pelas ciências humanas temáticas tão importantes quanto a questão da Amazônia e meio-ambiente, o genoma. Então eu acho que há uma presença um pouco maior do que supostamente se vê. Por outro lado nós temos agora um edital especialmente voltado para as ciências humanas, eu acho que nós poderíamos fazer uma maior divulgação disso.

EB – Pode deixar que a parte do Ciência à Bessa para divulgar este edital vai ser feita. Você falava há pouco sobre postura política dos cientistas. Cientistas assumindo suas posturas políticas e assumindo até cargos relacionados à política. O que eu vejo, inclusive em mim mesmo, é que essa resistência é fruto de um gosto tão grande por estar dentro do laboratório ou em campo, por aquela ciência nossa, feita em casa. Por que o cientista deveria abrir mão de seu trabalho diário? O que é que o cientista está perdendo ao não se envolver com política?

WP – Eu acho que esse envolvimento urge muito. Nós precisamos recuperar o papel das universidades brasileiras. As universidades, como outras entidades brasileiras como a ABI, a OAB, o IAP, são algumas entidades que tiveram um papel importante na política na época da ditadura. Eu acho que esse papel permanece importante, não existe mais ditadura, mas este engajamento político é importante e me parece que vem sendo esquecido pelas universidades. Independente das nossas filiações políticas partidárias, é apresentar nossas posições políticas que certamente devem ser evidenciadas. E isso vem muito atrelado a um dos papéis mais importantes da universidade que é ser um espaço para o pensamento. Nós temos a demanda da sociedade de suprir uma demanda por profissionais, por novas técnicas ou artes, enfim, várias facetas hoje da sociedade. Mas há uma importante que é a de expressar o que se pensa. A sociedade ainda olha para a universidade em busca do que está sendo pensado, além das competências fundamentais do trabalho e da cultura. Agora, penso que a gente não pode deixar de lado essa demanda que é fundamental como referência do lugar que é capaz de contrapor, expressar o contraditório. Isso desenvolve a consciência, isso desenvolve o espírito crítico, e afinal o que é a universidade senão o lugar da polêmica. A cultura científica vai muito além da nossa produção acadêmica que a gente preza tanto, nossos papers fundamentais, nossos artigos fundamentais, na troca que a gente faz com as universidades. Claro, não se pode viver disso, mas nós também não podemos fugir a uma cultura científica que nos exige um posicionamento e faz com que as nossas instituições abram janelas, abram espaços para veicular o contraditório.