O futuro da água
Uma vez assisti uma palestra falando sobre o que se procura no espaço para justificar uma busca mais aprofundada por vida naquela direção. Me chamou a atenção que um dos fatores é a existência de água como condição sine qua non da vida. Pois bem, acho que estamos colocando a nossa em risco.
Sendo a água o solvente universal que dá sustentação à vida na Terra, parece que não estamos nos preocupando muito com isso. Meu doutorado demonstra como até atividades tidas como preocupadas com a preservação (o ecoturismo) podem ter um forte impacto se não forem gerenciadas com cuidado. Lá mesmo onde curso o doutorado, na UNESP de São José do Rio Preto, a professora Lilian Casatti tem se preocupado com a influência da complexidade do habitat, dentro e fora dos rios, nos ecossistemas, especialmente sobre os peixes. Ela falou sobre isso nessa matéria recentemente publllicada na Epoch Times.
O fato é que ainda não nos damos conta da conexão que existe entre tudo em termos ecológicos. Temos uma visão microecológica dos impactos, achando que um desmatamento pequeno só afetará aquele local. Não é verdade! Uma só atmosfera, fluxos de massas de ar, rios extensos, correntes marinhas e espécies migratórias garantem que um impacto local se torne um problema global.
Para isso também serve a ciência: gerar informação capaz de subsidiar políticas públicas conservacionistas. O problema está na falta de disposição de muitos tomadores de decisão de escutar o que o cientista tem a dizer. Enquanto mantivermos esse diálogo de surdos as perspectivas não são nada boas.
Blog Action Day: As águas de Nobres
à Lala, por tudo o que me ensinou sobre ecologia de riachos tropicais.
Como habitualmente desfilo de roupa de neoprene, snorkel e máscara segurando na mão minha câmera sub e uma prancheta e lápis sob o olhar curioso dos turistas. É mais um dia de trabalho no meu escritório favorito, os rios de Nobres em Mato Grosso. Coloco os pés na água e sinto-a gelada entrando nas botas de neoprene, presas na prancheta estão planilhas à prova de água para anotação do comportamento dos peixes em uma estância turística de rios com águas cristalinas a aflorar do meio das rochas calcárias. Este é meu doutorado.
Nascente do rio Salobras, meu Éden pessoal
No Rio Salobras os proprietários das atrações turísticas, Toninho e Kleber, foram atenciosos com a preservação do local como sempre são comigo, há guias para acompanhar os turistas e evitar maiores danos ambientais e a mata ciliar está completamente íntegra. Termino de entrar no rio e flutuo por alguns instantes enquanto a atividade dos peixes retoma seu ritmo natural. Ao molhar os ouvidos um silêncio tranquilo me invade, posso mesmo divisar o ruido rascante de um curimba abocanhando bocados de areia. A água é de um azul indescritível e trasparente como se não estivesse ali. Uma profusão de pequenas jóias me cerca. Sei que a maioria delas passa despercebida pelos visitantes, mais interessados nas grandes piraputangas e dourados, mas cardumes de lambaris, mato-grossos, moenkhausias e piabas rodeiam meu corpo. Afundo pela primeira vez em busca de casais de carás e joaninhas (o peixe, não o besouro), mas em seu lugar encontro cascudos e uma traira muito bem camuflada.
Cámbia. Todo cámbia.
Ao retornar para a superfície me detenho e tento uma fotografia de uma piraputanga vista do fundo. Lá em cima estão as copas das árvores de onde boa parte da energia deste ecossistema vem. Ao colocar o snorkel para fora e retomar o fôlego, acompanho um grupo de piaus e piraputangas descerem o rio e me recordo ter escutado um bando de macacos prego forrageando antes de entrar na água. Estes peixes aguardam que os primatas bagunceiros derrubem parte de seu alimento no rio para então comê-lo.
A água, os peixes, a mata, o rio, os macacos, as rochas. Subitamente sinto-me pequeno, mas ainda assim uma peça no mais intrincado quebra-cabeças existente. O quebra-cabeças das interações ecológicas.