Empresário, Profissão Biólogo
Karina Tatit
Atuo em desenvolvimento humano e organizacional na Iandê, uma empresa criada por mim e meu companheiro. Há sim espaço para o biólogo em empreendimentos próprios, mas tive que correr atrás de muitos conhecimentos que eu não tive na faculdade, como por exemplo, como abrir uma empresa, escrever plano de negócio, comunicação, etc. Embora eu use muitas ferramentas e metodologias que aprendi fora da faculdade, ter diploma de biologia me ajuda a fechar alguns contratos. Entre as habilidades que exercito no trabalho cotidianamente estão: habilidade como facilitador de processos participativos, conceitos de ecologia, visão sistêmica, colheita (pegar essência) de conversas e eventos, boa sistematização, boa escuta, flexibilidade, conhecimento de muitas ferramentas, metodologias, dinâmicas. Em meu trabalho eu desenho e facilito processos colaborativos para a sustentabilidade por volta de 9 horas por dia, 45 h semanais.
Para reuniões uso um escritório (The Hub – incubadora de negócios sociais). Para produção, trabalho em casa. Faço muitas reuniões nos escritórios de clientes. Hoje estou trabalhando num projeto dentro de uma cooperativa de resíduos, vou para lá duas vezes por semana. Com relação à formação, foram necessárias diversas formações complementares, as quais hoje fazem parte da área de atuação da Iandê. Esses cursos não eram uma pós-graduação nem lato nem stricto sensu.
Na graduação me interessava pelas matérias: Processos evolutivos; ecologia; fisiologia (vegetal e animal). Hoje uso muito os conceitos de ecologia. No final da faculdade percebi que a pesquisa básica não era meu caminho. Comecei a ter vários questionamentos socioambientais. Fiz uma formação em educação ambiental que me fez muito sentido, pois trabalha muito com a conexão com a Natureza, não só com informação. Comecei também um estudo de práticas sustentáveis (agroecologia, permacultura, agricultura biodinâmica) e trabalhei como voluntária por um ano na estruturação de uma ONG, NAPS. Este é um núcleo de aprendizado para a Vida. Nesse processo pratiquei muito ferramentas participativas e me dei conta que minha paixão são as relações (homem-homem; homem-ambiente). Ganhei uma bolsa de estudo e fiz um treinamento sobre liderança participativa na Turquia. Voltei para o Brasil e integrei as ferramentas que me faz sentido. Hoje trabalho com meu companheiro e, por necessidade, abrimos uma empresa, Iandê.
No começo prestava serviço como autônoma, mas além dos impostos serem altíssimos, havia muitos casos que só aceitavam pessoas físicas. Como o escopo do trabalho já estava relativamente bem estabelecido, não foi difícil sistematizar em um site. Sempre busquei as alternativas mais simples e baratas, como por exemplo, usar a plataforma do Google Sites. Gostei de como os fatos foram acontecendo, de forma natural, orgânica. Abrimos uma Microempresa Individual (MEI) para cada, pois como estávamos começando o trabalho juntos, não queria dar um passo maior que as pernas. É bem mais em conta e tem menos impostos, além de não precisarmos pagar contador todo mês. Uma boa alternativa para quem está no começo, mas pelo fato de não ter contador, passei por vários apuros. Hoje entendo mais de MEI do que muitos contadores que entrei em contato. Costumo falar que tenho uma empresa, e não sou uma empresa. É para ela estar a nosso serviço, não o contrário. Muitos clientes com quem converso ficam impressionados com a quantidade de cases que Iandê tem em tão pouco tempo. No começo é bastante investimento de tempo, trabalhos voluntários, mas isso vai mudando com o tempo e maturidade. Chega um momento que você precisa valorizar seu trabalho e saber colocar um preço justo. Claro que tenho bastante flexibilidade, mas se eu não valorizar meu trabalho, quem valorizará?
O que me motiva a exercer a profissão é participar de uma transformação positiva de realidade, lidar com o melhor do ser humano, nossa essência. Acompanhar a evolução de um grupo. Sentir que meu trabalho faz a diferença. É difícil explicar minha área de atuação, a experiência seria, talvez, a melhor forma de compreendê-la. Isso dificulta um pouco quando faço consultorias para executivos. No começo vejo resistência pela minha falta de cabelos brancos. Minha recomendação? Não desista, pois apesar de toda incerteza, a trajetória é apaixonante. Estar a serviço de algo que você acredita profundamente, não tem preço! A vida ganha um significado que ninguém pode tirar.
O réveillon da sustentabilidade?
Passei a virada do ano em Copacabana. Tomei muita chuva e espumante, no momento não me lembro qual dos dois tomei mais, assisti ao show do Rappa e fugi antes que começasse o do Latino. No cômputo final me diverti. Mas algumas não pude deixar de me preocupar com o futuro da humanidade.
Segundo a prefeitura do Rio a festa desse ano seria uma homenagem à Rio +20, evento que celebrará e discutirá os 20 anos da conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente que ocorreu aqui em 1992. O evento está agendado para os dias 20 a 22 de junho. Em menção à Rio +20 e à importância do comportamento sustentável o show pirotécnico começou tingindo de verde a primeira madrugada do ano.
Aí é que está o problema. Os fogos de artifício verdes utilizam em sua composição nitrato de bário, um sal solúvel altamente tóxico e poluente. O nitrato de bário causa irritação nas vias aéreas, olhos e pele, dores abdominais, vômito ou diarréia, convulsão, arritmia cardíaca e enrijecimento muscular. Os sintomas podem se manifestar até várias horas após a intoxicação. Ao entrar em combustão o nitrato de bário produz dióxido de nitrogênio, outro gás altamente irritante quando inalado e que combinado à chuva que caía essa madrugada transformou-se nos ácidos nítrico e nitroso, alguns dos formadores de chuva ácida, por outro lado o dióxido de nitrogênio também pode ter se combinado ao oxigênio, gerando óxido nítrico e ozônio; o óxido nítrico é outro gás irritante que pode provocar até efisema pulmonar e o ozônio, apesar de em grandes altitudes compor a camada estratosférica que repele parte da radiação solar ultravioleta, aqui rente aos nossos narizes é um forte oxidante que leva a dificuldade respiratória e mais irritação.
O próprio prefeito Eduardo Paes comentou acertadamente que “poluição é tudo aquilo que está em excesso” no ambiente. Nesse sentido o químico responsável pelos fogos e professor da PUC Wilson Bucker Aguiar Jr., calcula que as concentrações de todos os produtos químicos usados nos fogos serão baixas demais no ambiente para gerar problemas. De fato, os mesmos foguetes verdes já foram exaustivamente utilizados em anos anteriores sem problemas aos expectadores. O que me incomoda é apenas o verniz ambiental que esse réveillon (e outros inúmeros eventos e empresas) teve.
O festival pirotécnico verde não tinha a intenção de ser sustentável, ele pretendia apenas simbolizar a natureza e estimular no público a consciência ambiental. E é assim, de simbologias despropositadas em simbologias despropositadas, que lá se vão vinte anos. Tanta simbologia sem prática, parece, não surtiu muito efeito. Nessa manhã um exérctio de quase 4 mil garis coletou 370 toneladas de lixo da praia de Copacabana, 25% mais no réveillon da sustentabilidade do que ano passado. Muitas garrafas de vidro jogadas na areia resultaram num número quase igual de atendimentos médicos a ferimentos no pé e intoxicação alcoólica.
Muitos políticos relacionados ao evento mencionaram que haveria conpensação ambiental para toda a emissão de gases da festa. Em primeiro lugar ainda desconfio muito desses medidores de emissões. Em segundo lugar há que se perguntar quão inclusiva será essa compensação, será que compensarão minha viagem de avião ao Rio de Janeiro ou só aquela dos foguetes? Serão contabilizadas as mudas que não vingaram? Haverá cuidado posterior ao plantio? Por fim, gostaria de lembrar a esses políticos que árvores plantadas são uma compensação melhor definida para as emissões de gás carbônico, elas pouco podem fazer pela maciça entrada de ácido na baía de Guanabara proporcionada pelos fogos, por exemplo. Para tal melhor seria desviar o bicarbonato de sódio inútil contra o câncer para anular os ácidos de nitrogênio, desde que bem mensurado.
Entre meus desejos para o ano que nasce está o de uma humanidade que aja mais pelo efeito de seus comportamentos e menos pela imagem que aquilo passa. Feliz e verde ano novo a todos.
PS: Ah, falando no que parece, mas não é, a fundação cacique cobra coral afirmou que não faltou com seu dever no contrato assinado com a prefeitura do Rio para esse réveillon. O contrato previa, segundo a médium Adelaide Scritori, apenas a cessação dos ventos.
Quando a Ciência e a Conservação caminham juntas pela sustentabilidade
Tenho uma visão meio pessimista sobre a sustentabilidade da nossa espécie. Participei recentemente da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, cujo tema era Ciência para a Sustentabilidade, mas confesso que sou meio descrente desta tal sustentabilidade. Até ponho nas justificativas de meus pedidos de financiamento o valor dos dados que prometo gerar na conservação, mas sei que pouco farei para implementá-los como ferramentas da conservação. Esta é sim uma auto-crítica. No entanto, hoje escrevo sobre um artigo que me ensinou como os dados que geramos no laboratório podem ser ferramentas vitais para a manutenção da existência de espécies, paisagens e, em última instância, da nossa própria espécie.
O documento síntese da avaliação do novo código florestal brasileiro, assinado pelos pesquisadores Thomas M. Lewinsohn, Jean Paul Metzger, Carlos A. Joly, Lilian Casatti, Ricardo R. Rodrigues e Luiz A. Martinelli, será melhor explorado numa seção especial da revista Biota Neotropica em breve, mas o documento síntese já mostra como a capacidade de previsão que caracteriza a ciência pode nos apontar os resultados de ações humanas sobre a natureza. Uma revisão do código florestal brasileiro em construção atualmente traz modificações cujos impactos são assustadores. Algumas das propostas mais controversas são a redução das áreas de reserva legal e de preservação permanente, redução de 30% na área de preservação da Amazônia Legal e anistia aos proprietários de áreas desmatadas anteriores a 2008. Alterações como estas têm resultados cientificamente previsíveis como a perda de espécies, redução da prestação de serviços ecossistêmicos, aumento das emissões de gás carbônico e dos impactos de atividades humanas.
Oito pontos chave foram levantados pelos pesquisadores como geradores de impactos relevantes. Serão estes oito pontos que abordarei na série que se inicia amanhã intitulada: “Por que o código florestal que tramita no congresso não pode ser aprovado”. Serão abordados a redução das matas ciliares, fim da preservação das áreas de várzea, dos topos de morro e altiplanos, redução da Amazônia Legal, das reservas legais, compensação da reserva legal dentro do mesmo bioma, inclusão das áreas de preservação permanente dentro da reserva legal e liberação do plantio de espécies exóticas nas reservas legais.
Reconhecidamente o Brasil peca mais pela dificuldade em fazer cumprir suas leis do que pela existência de leis ruins. No entanto, este problema não se resolve reduzindo o rigor da lei para tornar menor o número de punições. O necessário é fazer-se cumprir leis que tenham embasamento.