Por que o código florestal que tramita no congresso não pode passar: Biomas
O novo código florestal permite que um proprietário rural que deseje desmatar uma área compense esta perda preservando outra área dentro do mesmo bioma. Mata Atlântica com Mata Atlântica, Cerrado com Cerrado, Caatinga com Caatinga…
O problema é que o que nós chamamos de Cerrado, na verdade é uma mixórdia de ambientes muito diferentes, campos limpos, veredas, cerradões, murundus são algumas das fisionomias que o cerrado pode assumir. Pela proposta que ora tramita eu posso desmatar 50 hectares de vereda no norte de Minas Gerais e compensar com 50 ha de campo sujo em Mato Grosso do Sul! O mesmo vale para os outros biomas, eu posso derrubar uma área de floresta ombrófila densa em São Paulo e compensar com uma cabruca na Bahia. Cada fisionomia dessas tem um papel ecológico, características ambientais e uma biodiversidade específicas e insubstituíveis. Semana passada um pesquisador recém-chegado de Cambridge, Gustavo Canale, veio a Tangará dar uma palestra sobre conservação e ecologia de uma espécie de macaco prego restrita a uma parcela de mata atlântica no nordeste. Um cacaueiro que decida desmatar sua propriedade e compensar isto com um fragmento de mata atlântica no Paraná estará contribuindo para a extinção deste importante dispersor de frutos.
Os pesquisadores do painel de conservação do programa Biota Fapesp sugerem que áreas degradadas sejam compensadas em locais próximos e comparáveis em termos fisionômicos.
Por que o código florestal que tramita no congresso não pode passar: Várzeas
O novo código florestal propõe retirar as áreas de várzea das áreas de preservação permanente, liberando-as para criação de búfalos e plantação de arroz, mas também para o aterramento definitivo. Isto apesar do Brasil ser signatário de acordos internacionais pela preservação destas áreas.
As várzeas são controladoras de enchentes, sítios de alta produtividade pelo fitoplâncton, locais de alimentação e reprodução de muitas espécies de interesse econômico, áreas de lazer e reabastecimento dos lençóis freáticos.
A tranformação das várzeas em áreas produtivas permitiria preservar ainda 80% de seu território, associando-se a isto a utilização equilibrada para produções economicamente vantajosas.
Por que o código florestal que tramita no congresso não pode ser aprovado: Matas ciliares
A proposta de código florestal entregue ao congresso sugere a redução nas áreas vegetadas às margens de rios com menos de 5 m de largura. A redução das matas ciliares legalmente protegidas será de 30 m a partir da margem do rio na cheia para 15 m a partir da margem do rio na seca para cada lado. Os rios mais afetados por esta mudança seriam os de cabeceira, rios já muito degradados por pastagens e assoreamento.
Metade das espécies de anfíbios da Mata Atlântica são restritas a este ambiente, 45 espécies de peixes ameaçados de São Paulo só ocorrem nestes riachos de cabeceira, sem falar em borboletas, mamíferos semi-aquáticos e plantas restritos a este ambiente. As matas ciliares servem de corredores para a dispersão de vegetais e conexão de populações isoladas pela fragmentação da paisagem, impactos em áreas de cabeceira descem os rios com a correnteza afetando-os como um todo. Impactos aí podem resultar em epidemias de dengue e hantavirose, entre outras doenças.
A preservação das matas ciliares e seu referencial a partir da margem do rio na cheia são essenciais para a manutenção destes ambientes e de outros que dele dependem. Em vez de reduzir a área de reserva às margens dos rios o novo código florestal deveria estimular sua recuperação.
Quando a Ciência e a Conservação caminham juntas pela sustentabilidade
Tenho uma visão meio pessimista sobre a sustentabilidade da nossa espécie. Participei recentemente da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, cujo tema era Ciência para a Sustentabilidade, mas confesso que sou meio descrente desta tal sustentabilidade. Até ponho nas justificativas de meus pedidos de financiamento o valor dos dados que prometo gerar na conservação, mas sei que pouco farei para implementá-los como ferramentas da conservação. Esta é sim uma auto-crítica. No entanto, hoje escrevo sobre um artigo que me ensinou como os dados que geramos no laboratório podem ser ferramentas vitais para a manutenção da existência de espécies, paisagens e, em última instância, da nossa própria espécie.
O documento síntese da avaliação do novo código florestal brasileiro, assinado pelos pesquisadores Thomas M. Lewinsohn, Jean Paul Metzger, Carlos A. Joly, Lilian Casatti, Ricardo R. Rodrigues e Luiz A. Martinelli, será melhor explorado numa seção especial da revista Biota Neotropica em breve, mas o documento síntese já mostra como a capacidade de previsão que caracteriza a ciência pode nos apontar os resultados de ações humanas sobre a natureza. Uma revisão do código florestal brasileiro em construção atualmente traz modificações cujos impactos são assustadores. Algumas das propostas mais controversas são a redução das áreas de reserva legal e de preservação permanente, redução de 30% na área de preservação da Amazônia Legal e anistia aos proprietários de áreas desmatadas anteriores a 2008. Alterações como estas têm resultados cientificamente previsíveis como a perda de espécies, redução da prestação de serviços ecossistêmicos, aumento das emissões de gás carbônico e dos impactos de atividades humanas.
Oito pontos chave foram levantados pelos pesquisadores como geradores de impactos relevantes. Serão estes oito pontos que abordarei na série que se inicia amanhã intitulada: “Por que o código florestal que tramita no congresso não pode ser aprovado”. Serão abordados a redução das matas ciliares, fim da preservação das áreas de várzea, dos topos de morro e altiplanos, redução da Amazônia Legal, das reservas legais, compensação da reserva legal dentro do mesmo bioma, inclusão das áreas de preservação permanente dentro da reserva legal e liberação do plantio de espécies exóticas nas reservas legais.
Reconhecidamente o Brasil peca mais pela dificuldade em fazer cumprir suas leis do que pela existência de leis ruins. No entanto, este problema não se resolve reduzindo o rigor da lei para tornar menor o número de punições. O necessário é fazer-se cumprir leis que tenham embasamento.