O Falso Culpado

A cultura cinematográfica está repleta de ambientes de presídio.
Lugar-comum recorrente – o prisioneiro inocente. Vítima de uma qualquer trama mais ou menos maquiavélica, de um erro do sistema judicial, estes injustiçado faz tudo para se libertar daquela condição.
Recentemente a revista National Geographic publicou o estudo de manuscritos coptas que revelavam a remição do mais famoso dos traidores – Judas. Segundo os investigadores, Judas teria tido um papel essencial, a pedido de Jesus, no processo que levou à condenação de Cristo.
Este reescrever da história é fundamental não só para a própria compreensão dos fenómenos em jogo, como também para que se entenda que as realidades não são sempre como nos as “pintam”, nem tudo é preto-e-branco.
Na maioria das vezes vemos o que queremos ver.

Um dos objectivos do paleontólogo é descobrir os verdadeiros papéis de cada um dos “actores” do “filme” que é a História da Vida.
No século passado o Museu Americano de História Natural de Nova Iorque levou a cabo diversas expedições paleontológicas e antropológicas à Mongólia, mais concretamente ao deserto de Gobi. Descobrir vestígios de mamíferos primitivos e, em última análise, a origem do próprio Homem eram os seus intuitos.
Em 1923 (numa das várias campanhas do MAHN à Mongólia) foi descoberto um esqueleto quase completo de um dinossáurio carnívoro com características excepcionais – apresentava um crânio com mandíbula semelhante a um bico de papagaio.
Este dinossáurio foi encontrado sobre um ninho com ovos, que os paleontólogos pensavam ser de Protoceratops (dinossáurio herbívoro). Devido a associação do dinossáurio carnívoro com os ovos fossilizados, este foi baptizado de Ovirator (“ladrão de ovos”).
Estava descoberto um dinossáurio que se dedicava a roubar ovos!
A verdade científica diz-nos que existiram duas imprecisões nas inferências paleontológicas estabelecidas: a primeira que os ovos eram de Protoceratops e a segunda que o Oviraptor os estaria a roubar.
A primeira inferência, que condiciona a segunda, baseou-se na enorme quantidade de restos fósseis de Protoceratops encontrados no deserto de Gobi. Se foram encontradas enormes quantidades de vestígios ósseos de dinossáurios herbívoros porque não pertencerem os ovos àquela mesma espécie?
A segunda inferência é mais linear – dinossáurio carnívoro encontrado perto de ovos…havia um “crime” a acontecer!
Tínhamos o criminoso e tínhamos o motivo. Víamos o que queríamos ver.

O futuro reservaria um “apelo” neste tribunal paleontológico que absolveria o nosso ladrão-de-ovos.
Nos anos 90 do século passado, Phillip Currie do Museu Royal Tyrrel, descobriu novos ninhos de dinossáurio na Mongólia. Tal como nas primeiras descobertas também desta vez foi possível observar que o Oviraptor estava sobre um ninho. Ovos iguais aos conhecidos em 1923 jaziam nesse ninho. Mas desta vez um dos ovos tinha preservado um embrião. Era um embrião, não de Protoceratops, mas de…Oviraptor!
Estudos posteriores permitiram completar este puzzle – uma mãe (ou pai) Oviraptor havia sido surpreendida por uma tempestade de areia que a havia soterrado e aos ovos.
Desta forma o Oviraptor foi absolvido do seu “crime” – de ladrão de ovos passou a mãe/pai extremosos.
O caso do Oviraptor não foi um erro de casting. Foi apenas uma interpretação apressada, condicionada por aquilo que se queria ver.
Era um guião demasiado complexo para uma única leitura – a História da Vida na Terra.
Tal como o culpado nem sempre é o mordomo, também muito menos o foi o Oviraptor…

P.S.- o título remete para o filme de 1956 Wrong man (“O Falso Culpado”) de Alfred Hitchcock.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 20/04/2006)

Velhos Recordes


A maioria das pessoas, onde se incluem em especial as crianças, quer sempre saber quais foram os maiores, os mais rápidos, os mais ferozes, “os mais” qualquer coisa…
Falo obviamente dos ” mais ” entre os dinossáurios.
Obviamente estas questões merecem e têm merecido a atenção dos paleontólogos – tamanhos, pesos, velocidades atingidas, são exemplos de assuntos para os quais são necessárias respostas paleobiológicas.
Outro tipo de questão, importante, mas que não provoca o despertar de atenção do grande público é a questão da antiguidade relativa de um determinado grupo de dinossáurios.
Primeiro será útil responder a como se atribuem idades a um determinado grupo de dinossáurios.
Essencialmente a ferramenta geológica a que os paleontólogos recorrem é a Estratigrafia e a um dos seus Princípios básicos – Princípio da Sobreposição dos Estratos.
Este princípio diz-nos que as rochas favoráveis ao aparecimento de fósseis são designadas sedimentares. Estas formam-se pela deposição de sedimentos de outra rochas preexistentes em ambientes marinhos, lacustres e fluviais.
Se uma rocha sedimentar se encontra sob outra, então a mais antiga, em situações “normais”, é aquela que está situada inferiormente, uma vez que se depositou primeiro.
Utilizando aquele princípio, comparando as características geológicas de vários locais, os estratígrafos vão datando (e fazem-no há bastante tempo) as diversas rochas sedimentares.
Se um fóssil é formado numa rocha sedimentar, é natural que tenha a mesma idade da rocha onde aparece. Parece simples. E é.
Assim, os paleontólogos servem-se das tabelas de idades das rochas sedimentares para datarem os fósseis nelas encontrados – se um dinossáurio for descoberto uma rocha com 150 milhões estratigraficamente terá…150 milhões de anos!
Um dos mais antigos saurópodes (dinossáurios quadrúpedes e de pescoço e caudas compridos) foi o Tazoudasaurus. Este dinossáurio foi descoberto em rochas que datam do Jurássico inferior – cerca de há 180 milhões de anos. Este animal, pelo que foi dito anteriormente, apresenta a “bonita” idade de…180 milhões de anos.
O Tazoudasaurus não foi seguramente o maior dos dinossáurios (tinha “apenas” 9m de comprimento, pouco comparado com os 40m de alguns dos seus “primos” mais recentes).
Então porque é tão importante?
O Tazoudasaurus é um dos mais antigos saurópodes que se conhece. Desta forma tem servido para que os paleontólogos respondam a algumas questões: como foi a história evolutiva deste grupo? Como terá surgido a locomoção quadrúpede nestes animais?

Ao contrário dos mamíferos, que evoluíram a partir de ancestrais quadrúpedes, os dinossáurios iniciais eram bípedes.
Posteriormente, os paleontólogos ainda não perceberam bem porquê, desenvolveram a locomoção quadrúpede.
A locomoção bípede dos humanos é uma excepção dentro dos mamíferos – desenvolveu-se por diversos motivos que, melhor que ninguém, arqueólogos e antropólogos conseguem explicar.
No caso dos dinossáurios os “aberrantes” são os quadrúpedes – saurópodes, estegossáurios, ornitópodes, entre outros.
É esta uma das questões que mais atraem os paleontólogos envolvidos no estudo da locomoção entre os dinossáurios – mudança biológica radical ao nível da locomoção, de duas patas para quatro patas.
O leitor seguramente entenderá o radicalismo deste tipo de mudança na locomoção se recordar o caso da família turca que, devido a anomalias genéticas, se desloca em quatro membros – mãos e pés servem à locomoção.
Para além de todo o valor simbólico que encerra, este exemplo atraiu muitos investigadores pois poderá permitir avaliar e melhor compreender como se deslocavam os nossos antepassados.
De forma equivalente é de toda a importância para o estudo da vida na Terra e de um dos grupos que a dominou, perceber os mecanismos biológicos ligados ao surgimento da locomoção quadrúpede nalguns grupos de dinossáurios.
Regressando ao tema inicial, ao avaliarmos um dinossáurio tão antigo como o Tazoudasaurus, o que está em causa não é mais um recorde para o Guiness da Paleontologia; o importante neste exemplar é que permite identificar factores paleobiológicos que possam ajudar à compreensão da “revolução” na locomoção bem como a história evolutiva dos enormes saurópodes.

P.S.- escrevo esta pequena crónica enquanto espero, há cerca de 7 horas, no aeroporto de Casablanca, depois de ter estado alguns dias a estudar o Tazoudasaurus em Marraquexe …
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 23/03/2006)

9 Mitos/Confusões sobre Dinossáurios/Paleontologia


Tal como temos ideias pré-concebidas em relação à política, ao futebol e à vida em geral, também no campo da Paleontologia é habitual termos concepções que não correspondem ao que a Ciência conhece.
Porque a literacia científica é importante.
1-Os dinossáurios eram animais “estúpidos” – este conceito é, erroneamente, apoiado pelo facto de que se extinguiram. A paleontologia sabe que o grupo de animais designados de dinossáurios foi, em maior ou menor grau, dominante em diversos ecossistemas durante mais de 170 milhões de anos; em termos comparativos o Homem, como espécie, habita o nosso planeta há uns míseros milhões de anos…estúpidos?
Não.
Cumulativamente conhecem-se hoje restos fossilizados de dinossáurio – Troodon – em que a relação tamanho corporal/tamanho craneal é bastante elevada levando os paleontólogos a especular se aquele grupo de animais não possuiria padrões de comportamento bastante desenvolvidos.
2-Steven Spielberg no “Parque Jurássico” foi o primeiro a “utilizar” os dinossáurios no cinema – ao contrário do que geralmente se pensa, a utilização dos enormes animais do Mesozóico não foi uma ideia original de Hollywood. O primeiro filme de animação tinha como personagem principal um dinossáurio saurópode, ou melhor uma “menina” saurópode de nome Gertie. Foi realizado em 1914 por Winsor McCay (também autor da famosa obra “O pequeno Nemo); McCay foi influenciado por uma visita que efectuou ao Museu de História Natural de Nova Iorque, tendo ficado tão impressionado com o Brontosaurus (hoje designado Apatosaurus) em exposição que o decidiu “utilizar” no primeiro filme de animação.
Ao longo da história do cinema contam-se imensos exemplos que integram como personagens os dinossáurios; apenas dois exemplos: “O Mundo Perdido” de 1925 e “Quando Os Dinossauros Dominavam a Terra” de 1970.
3- Os arqueólogos estudam os dinossáurios e os fósseis – tal como não são os paleontólogos que estudam os vestígios da Humanidade em Foz Côa ou no Egipto, também não são os arqueólogos que estudam as formas de vida preservadas sob a forma de fósseis – esse é o trabalho do paleontólogo.
4- Na linguagem do dia-a-dia a utilização das palavras “dinossauro” e “fóssil” estão associados a conceitos ultrapassados – televisão, rádio, jornais e mesmo nas conversas quotidianas veiculam as palavras dinossáurio e fóssil associadas a conceitos de objectos, ideias ou pessoas que estão ultrapassadas, velhas e antiquadas. Apesar de nalguns contextos aquela associação fazer sentido, na maioria dos casos é errada, pois os dinossáurios foram animais excelentemente adaptados aos seus ambientes e constituíram um grupo de sucesso durante muitos milhões de anos (ver ponto 1).
5- Homem e dinossáurios foram contemporâneos – nos exemplos cinematográficos atrás referidos, em obras literárias (“O Mundo Perdido”, “Lost World” no original, de Sir Arthur Conan Doyle) e séries televisivas (“Os Flinstones”, por exemplo), o Homem e os dinossáurios coexistem em ambientes mais ou menos remotos.
Sob um ponto de evolutivo e da História da Vida, esta perspectiva, obviamente, não está correcta. Entre os dois grupos de seres vivos existem um “fosso” temporal de mais de 60 milhões de anos! Os antepassados do Homem moderno, num sentido amplo, terão surgido há cerca de 4 ou 5 milhões de anos, tendo os grandes sáurios desaparecido há 65 milhões de anos.
Mas para efeitos ficcionais o devaneio artístico é bem tolerado…
6- Todos os grandes répteis do Mesozóico eram dinossáurios – embora os dinossáurios dominassem um grande número de ecossistemas não eram o único tipo de fauna.
Dimetrodon, Pteranodon (pterossáurio), e Megalneusaurus (réptil marinho) não eram dinossáurios e são alguns exemplos de outros répteis contemporâneos dos grandes sáurios. Tal como hoje não existem unicamente mamíferos em diversos ecossistemas, também no Mesozóico não existiam só dinossáurios…
7- Os dinossáurios eram voadores e habitavam também os mares – os dinossáurios eram animais exclusivamente terrestres. Répteis como os pterossáurios (voadores) são normalmente confundidos com os dinossáurios; embora parentes próximos, não pertencem ao mesmo grupo. Tendo em atenção que os dinossáurios são os antepassados das aves, então podemos dizer que existiram dinossáurios voadores; mas tendo em atenção essa ressalva…
De maneira semelhante, existiram e desapareceram no mesmo momento grupos de répteis parentes dos dinossáurios que habitavam o meio aquáticos – os ictiossáurios, os plesiossáurios e os mosassaúrios.
8- Todos os dinossáurios eram enormes – embora uma das estratégias evolutivas desenvolvida pelos dinossáurios fosse o aumento de tamanho, conhecem-se actualmente algumas espécies de pequeno porte. Exemplos como Procompsognathus e Echinodon apresentavam tamanho que variavam entre o 1,20 e 1,50.
9- Os mamíferos só apareceram depois de os dinossáurios se extinguirem – os últimos anos têm permitido reformular esta ideia; foram descobertos mamíferos fossilizados na China que transformaram a ideia que os nossos antepassados longínquos eram de tamanho muito reduzido e viviam em poucos ambientes.
O Repenomamus foi descoberto recentemente e permitiu saber os mamíferos apresentavam tamanhos maiores do que se pensava e, mais surpreendente, se alimentavam, sempre que podiam, de dinossáurios! Este facto foi provado quando se descobriu este animal com restos fossilizados de um dinossáurio no seu interior. Podemos, desta forma, perceber que os mamíferos ancestrais não eram inofensivos como se suponha, aproveitavam as oportunidades que a Natureza lhes oferecia…
P.S.- para quem estiver interessado aprofundar os conhecimentos sobre a influência dos dinossáurios na cultura popular pode tentar obter o excelente livro Starring T-Rex: Dinosaur Mythology and Popular Culture publicado pela Indiana University Press e, infelizmente, sem edição em português. Escrito pelo catedrático de Paleontologia e cinéfilo José Luís Sanz, da Universidad Autónoma de Madrid.

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 02/03/2006)

“Falsificações” Naturais


Os Executivos são todos iguais.
Estejamos onde estivermos, conseguimos identificar um quadro importante de uma empresa – o vestuário, o calçado e os adereços são semelhantes. Independentemente das diferentes empresas a que pertencem, percursos de vida, educação e anos de carreira, um executivo transmite uma imagem perfeitamente identificável, estejamos em Nova Iorque, Tóquio ou na Bolsa de Lisboa.
Mas para que utilizo eu uma das imagens de marca do capitalismo?
Tal como os executivos adoptam uma imagem semelhante, a Natureza reproduz formas e funções semelhantes em organismos muito diferentes.
Tubarões e golfinhos, ao nível do seu plano corporal, são muito semelhantes, apesar de um ser um peixe e o outro um mamífero, e estarem separados evolutivamente por 400 milhões de anos.
Tubarões e golfinhos podem ser apontados como exemplos de Evolução Convergente – aquisição independente de características físicas semelhantes por parte de seres vivos muito diferentes.
Existem outros exemplos de Evolução Convergente: os membros anteriores das aves, dos morcegos e dos pterossáurios (répteis voadores, parentes e contemporâneos dos dinossáurios) apresentam formas seme lhantes. Embora de grupos diferentes, separados por milhões de anos de evolução, possuem estruturas anatómicas que lhes permitem (ou permitiam, no caso dos pterossáurios) uma mesma função: voar. A locomoção bípede (somente nos dois membros posteriores) evoluiu convergentemente nos humanos e nas aves – nestas surgiu há mais de 200 milhões de anos, nos seus dinossáurios antepassados; nos seres humanos, a transição para a locomoção bípede, há uns meros milhões de anos…
Os leitores e os pombos partilham, convergentemente, este tipo particular de locomoção com alguns roedores, com os cangurus e com alguns lagartos – facultativamente nestes.
Mas qual o “motivo” da Natureza para organismos tão afastados, em termos evolutivos, apresentem estruturas e funções tão semelhantes?
A primeira justificação passa pelos condicionamentos de design e de eficiência orgânica.
Quem não tem muita paciência para cuidar de plantas em casa conhece os cactos. Estas plantas apresentam formas características, adaptadas aos climas desérticos – forma alongada ou arredondada, sem folhas (para não perderem água) e as folhas que possuem estão transformadas em espinhos e tecidos internos capazes de retenção de água. Mas, onde ia eu?
A maioria dos amantes de cactos não sabe é que… está a ser “traída”! Não possuem cactos (família Cactaceae e originários da América do Norte) mas sim plantas da família Euphorbiaceae. Mas a “traição” é justificável… As plantas que consideramos cactos desenvolveram, pelo fenómeno de evolução convergente, formas idênticas às plantas dos westerns. Vivendo em climas igualmente áridos, mas em África, as Euphorbiaceae necessitaram de adaptar a sua estrutura para evitar perdas de água e…”imitaram” os cactos!
A segunda razão, por detrás da evolução convergente, envolve o sucesso da imitação.
Podemos utilizar um exemplo da cultura humana – a música. Já todos nós constatámos que quando um grupo musical tem sucesso logo aparecem vários outros a o imitar. As condições do mercado e do gosto musical num determinado momento são as certas, de maneira que os imitadores também vingam, por se aproveitarem de um modelo vencedor. Na Natureza, a “imitação” estrutural também funciona de uma maneira equivalente. Por exemplo quer os veados quer os cavalos desenvolveram membros finos e esguios, assentes no desenvolvimento do dedo III (central) e redução dos restantes. Estas adaptações permitiam a optimização da corrida. Quer uns quer outros tinham o mesmo tipo de predadores e, ao longo de milhões, desenvolveram anatomias semelhantes.
A Selecção Natural conduziu espécies competidoras de um mesmo ecossistema por trilhos evolutivos paralelos, pois o sucesso evolutivo estava dependente da economia da forma, da função e do design. Todos nós já constatámos que quando um determinado produto tem sucesso comercial, logo aparecem imitações. É o ritmo da sociedade de consumo.
Ainda bem que não existem patentes na Natureza!
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 16/02/2006)

PATAGÓNIA


“Existem dois motivos para se ir para a Patagónia: a curiosidade ou o lucro.”
George Gaylord Simpson, 1930

Dado que aos paleontólogos o lucro, esse que resulta de um acumular de bens materiais lhes parece estar vedado, somente a curiosidade parece guiar e conduzir a sítios tão inóspitos e inacessíveis como a Patagónia.
Parece que terá sido também a curiosidade, durante a sua famosa viagem no HMS Beagle, a caminho das Galápagos, que terá levado Darwin, em Dezembro de 1833 a desembarcar em terras da Patagónia. Desembarcou em Puerto Deseado, tendo registado no seu diário comentários sobre a natureza do passado geológico desta região.
Darwin concluiu que conchas fósseis que recolheu só poderiam ser encontradas dado, num passado remoto, aquelas paragens terem sido um fundo marinho. As suas observações sobre geomorfologia, geologia do Quaternário e glaciologia da Patagónia e da Terra do Fogo terão provavelmente contribuído para o desenvolvimento da sua teoria evolutiva.
O Museu Nacional de História Natural/Universidade de Lisboa irá participar numa expedição paleontológica na província patagónica de Neuquén durante os meses de Abril e Maio. Será a primeira expedição paleontológica à Patagónia que conatrá com portugueses.
Esta província tem contribuído pelo aumento do conhecimento paleontológico da vida no Mesozóico. Giganotosaurus carolinii, o maior dos dinossáurios carnívoros, foi descoberto em El Chocón, em 1993 por uma equipa de paleontólogos da Universidad Nacional del Comahue e do Museo “Carmen Funes” de Plaza Huincul. Para se ter uma ideia do tamanho gigantesco deste carnívoro, o seu crâneo mede aproximadamente 1,80 metros comprimento, enquanto que o comprimento total do animal se estima em 16 metros.
Os dinossáurios carnívoros mais primitivos que se conhecem – Eoraptor e Herrerasaurus – foram igualmente descobertos na Patagónia. Apresentam características anatómicas que permitem aos paleontógos integrá-los no grupo dos “Senhores do Mesozóico”; foram escavados no oeste da Argentina (formação Ischigualasto) com idade do Triásico superior, cerca de 230 milhões de anos.
Em 1997 foram descobertos ovos com embriões de saurópodes (grupo de dinossáurios de pescoço e cauda compridos) numa jazida designada Auca Mahuevo. Associados aos ovos fossilizados (com mais de 80 milhões de anos) foi possível reconhecer e mapear diversas estruturas identificadas como ninhos. Desta forma confirmou-se que estes dinossáurios apresentavam uma organização social muito complexa, onde existiriam colónias semelhantes às das aves.
Entre os recordes patagónicos conta-se o maior dinossáurio que se conhece e recebeu o nome de Argentinosaurus. Este enorme animal tinha cerca de 40 metros de comprimento podendo atingir as 100 toneladas de peso.
As faunas fósseis argentinas e em especial as da Patagónia, para além das suas particularidades, permitem também aos paleontólogos tentar perceber se existiam as mesmas faunas nos actuais continentes sul-americano, africano e australiano.
Durante grande parte do mesozóico, aqueles continentes encontravam-se unidos numa enorme massa continental a que se dava o nome de Gonduana.
Desta forma, a existência de grupos de dinossáurios semelhantes em continentes actualmente afastados permitem que se perceba como e quando os continentes estavam unidos.
A Patagónia é assim um território ainda inexplorado e que exerce um fascínio enorme no imaginário de grande maioria das pessoas e como se viu com um importante e grande passado geológico.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 15/04/2005)

O mamífero que comia dinossáurios

O mamífero que comia dinossáurios

Em 2003 agricultores chineses descobriram dois esqueletos de um tipo do animal nunca antes visto: um mamífero do tamanho de um cão que viveu há 135 milhões de anos.
A descoberta revoluciona o conhecimento actual de que os mamíferos mais desenvolvidos da época dos dinossáurios não eram do tamanho de pequenos roedores.
No interior de um dos esqueletos – onde foi outrora o seu estômago – os paleontólogos encontraram um conjunto de minúsculo dos ossos, os restos que pertenceram a um pequeno dinossáurio de aproximadamente 13 cm de comprimento – o Psittacosaurus.
Os cientistas dizem que o achado irá provocar a reavaliação dos actuais conhecimentos sobre as relações entre mamíferos e dinossáurios durante o Mesozóico – os mamíferos afinal não eram os seres indefesos e minúsculos que até hoje se pensava.
Os fósseis, classificados como Repenomamus, foram encontrados na província de Liaoning na China, uma região que tem fornecido numerosos fósseis originais nos últimos anos. Esta descoberta aparece publicada no jornal científico Nature.
Os mamíferos, tradicionalmente encarados como pequenos e periféricos na evolução dos vertebrados do Mesozóico são, em face desta nova descoberta, olhados com outros olhos – já imagino a satisfação e os sorrisos dos meus colegas paleontólogos que estudam mamíferos, que agora já têm também as suas estrelas nos “combates” jurássicos!!
Os mamíferos procuravam e consumiam aquilo que podiam (à semelhança do que acontece actualmente), até dinossáurios. Alguns dos nossos antepassados de maior dimensão competiam com os dinossáurios por territórios e alimentos. Nem sempre os leões são os reis da savana tal como os dinossáurios não eram os senhores absolutos do Mesozóico!
Outras mudanças importantes no conhecimento científico da História da Vida no obrigaram a rever conceitos anteriormente estabelecidos. É o caso da descoberta do Celacanto na década de 40 do século passado. Até esse momento pensava-se que este peixe estava extinto, limitando-se os investigadores a analisarem o seu registo fóssil. O Celacanto é considerado actualmente um fóssil vivo pois, ao longo dos últimos milhões de anos, não apresenta diferenças anatómicas significativas com os seus parentes actuais.
Um outro caso de como os conceitos científicos são alterados diz respeito aos dinossáurios saurópodes. Estes animais de enorme tamanho e peso, com caudas grandes, foram, nos primórdios da Paleontologia, descritos como animais que necessitariam viver semi-imersos em ambientes aquáticos (um pouco à semelhança dos hipopótamos). Este facto era devido à sua enorme massa corporal que, segundo os cientistas do início do século passado, os impediria de viver em terra firme. Hoje em dia, graças aos estudos de biomecânica e de análise das suas pegadas, sabemos que eram animais dinâmicos e activos, deslocando-se um pouco como os actuais elefantes e não estando confinados a viverem mergulhados na água
A Paleontologia, tal como outros campos da Ciência, é feita de revisões, de avanços e mudanças de rumo, de olharmos a mesma coisa com olhos diferentes ou com os mesmos olhos olharmos novas coisas.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 24/01/2005)

Para quê estudar Dinossáurios e outros fósseis que tais?