O Artista

Recriando o poeta, não sei o que sou, mas sei que não sou um artista. Peguei nas palavras e adaptei-as. Porquê? Porque me deu na real gana, ou simplesmente me deu jeito. Não que tivesse sido um acto artístico, mas é uma actividade eminentemente humana. Todos o fazem. Jogar, recriar, manejar palavras.

Vem este devaneio a propósito de algo que recentemente vi na TV e li nos jornais. Leonel Moura, artista plástico, não deseja “ser como os pintores dos séculos XIX e XX”. Legítima aspiração da insatisfação criadora.
E que fez o autor para ascender a esse Olimpo cultural?
Adoptou um robô. O bichano, construído pelo Instituto Superior Técnico (IST), foi alimentado a palavras de Herberto Helder e amestrado para garatujar, qual protoaprendiz de pintor. O toque divino da coisa foi inculcar na natureza robótica um algoritmo que permitiu ao bicho grafar palavras aleatórias do poeta em folhas imaculadas. O artista transportou o ser para museus ou galerias, onde a mascote foi exibida como singularidade moderna.

Mas que raio, não poderia simplesmente a maravilhosa criatura artística de polegar oponível ter copiado Herberto?
Não.
Pelos vistos, para Leonel Moura tudo o que é humano lhe é estranho. Iluminado pelo aconchego mecânico, o artista afirma-se moderno e declarou ao jornal i ser a “sua” obra “um marco na História da Poesia e da Literatura”. O jornal não se deu ao trabalho de entrevistar o verdadeiro obreiro…
Pode ser que seja um marco na História, mas netos meus far-me-ão rolar na cova se se recordarem do artista e do livro, agora editado, com rabiscos da estimável criação do IST.

Como dizia alguém: “não interessa saber fazer; interessa ter o número de quem sabe fazer.” Número de telefone, ou, neste caso, até mesmo número de série, digo eu.
Bastou, então, ligar para o IST, pois, como toda a gente sabe, o Herberto Helder não deve atender telemóveis.
Além disso, uma faca não basta para cortar o fogo criativo do Moura.

Notas:
Herberto Helder

Leonel Moura – “Poesia robótica”

Imagens:
daqui

poema de “Poesia Robótica”

Backpfeifengesicht

Há palavras que, por vezes, nos faltam.
Umas, por falta de ideias.
Outras, por falta de vontade ou engenho de realizar um trabalho minimamente competente.
Outras ainda, por lacunas da nossa língua materna.
E existem textos que combinam as três razões anteriores.
Hoje, o DN chamou-me a atenção com uma notícia sensacionalóide: “Aligatores ajudam a perceber dinossauros”.
Já havia retransmitido o título deste estudo pelo Twitter, dois dias atrás.
Pensei: “Bom, o palerma deve ter dourado a informação com a palavra dinossauro, embora não tenha nada que ver. Errado e frequente.”
Mas não.
O tetrápode grafante havia criado um novo mundo para a Paleontologia! O iluminado escriba continuou a sua tradução/recriação do artigo com a seguinte frase: “Investigadores estão a utilizar aligatores, uma espécie de crocodilo, para perceber como terão vivido os dinossauros há 540 milhões de anos…”
Meu caro: a sua tatemae é mais forte do que a sua literacia científica, uma vez que qualquer aluno do 7º ano de escolaridade sabe que os primeiros dinossáurios terão surgido há aproximadamente 230 milhões de anos.
Anseio por vislumbrar a sua backpfeifengesicht capaz de tão rico desenrascanço.

Glossário:
Backpfeifengesicht“, palavra alemã que significa “ter uma cara que merece um murro bem dado”.
Tatemae“, palavra japonesa que significa “o que se quer acreditar”.

Referência:
Tomasz Owerkowicz, Ruth M. Elsey and James W. Hicks. Atmospheric oxygen level affects growth trajectory, cardiopulmonary allometry and metabolic rate in the American alligator (Alligator mississippiensis). Journal of Experimental Biology 212, 1237-1247 (2009)
doi: 10.1242/jeb.023945

Imagem – daqui

Luso Paradoxos

Se temos um aeroporto com nome de vítima de acidente aéreo, por que não um corrupto condenado como administrador público?

Imagem – 365 MINUTOS

Rangelices

O sr. Rangel passou os últimos meses a massajar caminho para que lhe dessem um canal de TV.
Propagava o iluminado que um dia arrombou as portas da TSF, alarvidades subservientes como esta ou esta.
Sempre humilhando professores com epítetos como “hooligans” ou “pseudoprofessores”.
Mas não chegou.
Não lhe deram o brinquedo audiovisual.
Ultrajado pela fraca recompensa de tanta devoção canina, Rangel agora morde.
Rangelices.
A não seguir, por pessoas com um mínimo de espinha dorsal.

Imagem – daqui. Adaptado por Luís Azevedo Rodrigues

Ciência? Decida você mesmo…

Na secção Ciência do DN é relatado que o Ministério da Defesa britânico decidiu revelar os segredos de OVNIS que as mentes castrenses de Sua Majestade andaram a ocultar ao mundo.
Apenas um trecho da secção Ciência do DN de hoje:

“Uma dos casos que consta nos dossiês do DI55, e que foi contado pela imprensa britânica, é o de uma mulher que disse ter encontrado um extraterrestre louro e com sotaque escandinavo quando andava a passear o cão.
Esta história(…), ocorreu em Norwich, em Novembro de 1989. A mulher que a protagonizou explicou ter conversado durante dez minutos com um homem louro que lhe explicou que as formas circulares traçadas em alguns campos de cereais eram obra de seres extraterrestres como ele e que o propósito da sua visita era amigável. “

Sugiro outros casos a serem analisados pela referida secção de Ciência:

Freeport Legalizado Por Hordas de Advogados Voadores
ou
200 mil Pessoas Imaginárias
Estes cidadãos surgem esporadicamente e apenas nas mentes de sindicalistas, segundo especialistas. Os delirantes sindicalistas afirmaram, segundo as mesmas fontes, que foram “abduzidos” e regressaram ao convívio dos comuns com ordens precisas de “provocarem ajuntamentos populares”. A Comissão de Festas de Cavernães, declarou à secção de Ciência, vir a contar, num futuro próximo, com estes profissionais da imaginação, vulgo, sindicalistas.
ou
Contentores de Reeducação
Uma especialista do norte do país em fenómenos para-educativos, referiu à secção de Ciência, que estas construções de “último grito tecnológico” facilitam a “lavagem civilizadora de mentes”, uma vez que permitem “aos imberbes nómadas” um contacto privilegiado com “estruturas focalizadoras de energias pedagógicas”.

Notícias de Ciência que poderiam muito bem aparecerem em qualquer jornal diário nacional…
Ou não.

Ver ainda: “Qualquer dia prefiro os Criacionistas”

Imagem – daqui

Ela por ele

Já me aconteceu várias vezes, em especial no oriente.
Antecipando um colega ele, surpreender-me quando me deparava com uma ela.
A técnica redentora deste engano passa por inúmeros contorcionismos comportamentais, que não vou descrever a fim de não reviver o embaraço.
Coisas que acontecem quando não se domina o género dos nomes e num ambiente que não nos é familiar.
Nada de especial.

Acontece também em jornalismo de ciência.
Recentemente, um artigo importante relaciona o aumento da acidez dos oceanos com a uma maior fragilização da carapaça microrganismos que são um elo muito importante das cadeias alimentares oceânicas.
Num artigo, hoje publicado no DN, Filomena Naves apelida os “foraminíferos” de “foraminíferas”, por mais do que uma vez.
Bem sei que, neste tempos alucinantes, os ininterruptos comunicados das agências noticiosas não nos dão sossego, mas traduzir “foraminifera” para “foraminíferas” é, como dizê-lo, nominalmente errado.
O importante é que a notícia foi divulgada.
Ainda que no género errado.

Referência
Andrew D. Moy, William R. Howard, Stephen G. Bray, Thomas W. Trull. Reduced calcification in modern Southern Ocean planktonic foraminifera. Nature Geoscience (08 Mar 2009), doi: 10.1038/ngeo460, Letters.

Imagem daqui

Treino diferente

“…e só trabalham 5 horas por dia!!”
Bem, era a única passadeira livre, para além de que era a minha favorita. Fiquei entre trabalhadores do físico, situação que não me agrada, não pela sua natureza mas antes porque me ia colocar no meio de uma conversa que já decorria.
“Toda a gente trabalha 8 horas, como é que eles trabalham apenas 5! Não querem é fazer nada…” dizia a senhora, de idade semelhante à minha.
Pressentia do que falavam e ainda me agradava menos, porque me conheço, e sei onde vão parar estas conversas.
“Mas porque é porque os professores não trabalham como toda a gente…?”
Continuei a correr.
Paro isto ou ignoro, perguntei-me.
“Mas eles têm razão. Se não…bem, não tinham aparecido tantos.”, dizia o parceiro do lado direito, qual bom ladrão.
“E ainda têm os testes…e olhe que preparar aulas deve dar trabalho!”, acrescentou o companheiro de corrida.
“Eles não querem é fazer nada. O que é que custa trabalhar 8 horas por dia como toda a gente?”, clamou a senhora enquanto passeava na passadeira.
Definitivamente o treino não vai ser o mesmo.
“Desculpem meter-me na conversa”, disse enquanto tentava não tropeçar, olhando alternadamente para um lado e para o outro, a correr.
“Algum de vocês já deu aulas?”
A senhora olhou para o lado.
Deve ser um gene meu, isto de conseguir passar incógnito, mesmo que a centímetros de outro ser humano…
Quando percebeu que era também para ela que eu falava disse: “Não, mas não sei o que é que isso tem a ver!”
“Pois eu dou. E quando a senhora der, talvez não ache que é pouco tempo de trabalho.”
A resposta mais parva que poderia ter dado mas melhor é impossível, a correr numa passadeira.
“Tem toda a razão.”, concordou o meu parceiro “Vocês foram mais de cem mil; eu, se conseguisse juntar dez mil camaradas meus, é que sou polícia…eu partia aquilo tudo!”
Definitivamente o treino ia ser diferente.
Rodeado por um polícia e por uma imbecil.
Assim vai o país.

Dilemas

…de extinção, na visão do Criacionismo.

Imagem – daqui

Dino Lisa

Imagem – daqui

Calorias

Aparentemente a escolha alimentar não se baseia no valor calórico da mesma…
Pelo menos é o que afirma a “amostra” americana que falou…