Treino diferente
“…e só trabalham 5 horas por dia!!”
Bem, era a única passadeira livre, para além de que era a minha favorita. Fiquei entre trabalhadores do físico, situação que não me agrada, não pela sua natureza mas antes porque me ia colocar no meio de uma conversa que já decorria.
“Toda a gente trabalha 8 horas, como é que eles trabalham apenas 5! Não querem é fazer nada…” dizia a senhora, de idade semelhante à minha.
Pressentia do que falavam e ainda me agradava menos, porque me conheço, e sei onde vão parar estas conversas.
“Mas porque é porque os professores não trabalham como toda a gente…?”
Continuei a correr.
Paro isto ou ignoro, perguntei-me.
“Mas eles têm razão. Se não…bem, não tinham aparecido tantos.”, dizia o parceiro do lado direito, qual bom ladrão.
“E ainda têm os testes…e olhe que preparar aulas deve dar trabalho!”, acrescentou o companheiro de corrida.
“Eles não querem é fazer nada. O que é que custa trabalhar 8 horas por dia como toda a gente?”, clamou a senhora enquanto passeava na passadeira.
Definitivamente o treino não vai ser o mesmo.
“Desculpem meter-me na conversa”, disse enquanto tentava não tropeçar, olhando alternadamente para um lado e para o outro, a correr.
“Algum de vocês já deu aulas?”
A senhora olhou para o lado.
Deve ser um gene meu, isto de conseguir passar incógnito, mesmo que a centímetros de outro ser humano…
Quando percebeu que era também para ela que eu falava disse: “Não, mas não sei o que é que isso tem a ver!”
“Pois eu dou. E quando a senhora der, talvez não ache que é pouco tempo de trabalho.”
A resposta mais parva que poderia ter dado mas melhor é impossível, a correr numa passadeira.
“Tem toda a razão.”, concordou o meu parceiro “Vocês foram mais de cem mil; eu, se conseguisse juntar dez mil camaradas meus, é que sou polícia…eu partia aquilo tudo!”
Definitivamente o treino ia ser diferente.
Rodeado por um polícia e por uma imbecil.
Assim vai o país.
Anjos voyeurs
Não pude deixar de os associar.
Uma das cenas em que o anjo Damiel, ansiando ser mortal, se ocupa em escutar os pensamentos dos mortais passageiros…
…e esta aplicação que agrega, em tempo real, posts do Twitter e que incluam as palavras “love”, “hate”, “I think”, “I wish”, entre outras.
Momentaneamente.
Anjos voyeurs.
Referências:
Der himmel uber Berlin (As asas do desejo) – de Wim Wenders
twistori
(trio) 2008
Domingo à noite, cansado.
Só mais um cigarro e vê televisão, pensei-me.
Depois, a simplicidade do tema “Cabanas”, vinha para o espaço que eu ocupava.
Limpo, cru e simples.
Vejam (e ouçam) estes jovens senhores.
Trio 2008 ou só 2008, não tenho a certeza.
P.S. – reconheço que antes da música, estes rapazes já me haviam chocado. Diziam eles, ou pelo menos o baterista, que ser músico rock ou pop não é beber cervejas e “só curtir”.
É, antes, muito trabalho e esforço, a ensaiar, a compor.
Disse chocado porque nos tempos que correm alguém falar de trabalho e de esforço desta maneira é tudo menos redundante.
Boa!
Aos Professores meus
Retomo um post e, atrasado, dedico um post aos (meus) Professores…
Ao Professor Matos, que me obrigava a fazer cópias e ditados, enquanto nos falava de música clássica (que eu achava chata, mas também com 7 anos…) e de como iríamos gostar de a ouvir quando tivéssemos a idade dele; de como eram importantes as frases curtas; que a fazer algo, o deveríamos fazer bem feito; e, sobretudo, de tudo aquilo que ainda vou retirando das suas idas palavras da Escola Primária…
Ao Professor José Fernando Monteiro que me fez sonhar com mundos passados e longínquos – apesar de não ter “merecido” a maiúscula no professor, a merece mais do que outros catedráticos que por aí se pavoneiam de barriga inchada…),
A todos os professores, bons e menos bons, que me ensinaram algo, como colegas e mestres…
Voltei…após oito anos de pausa
Imagem – Nikos Economopoulos/Magnum Photos
Falsificações naturais
Os Executivos são todos iguais.
Estejamos onde estivermos, conseguimos identificar um quadro importante de uma empresa – o vestuário, o calçado e os adereços são semelhantes. Independentemente das diferentes empresas a que pertencem, percursos de vida, educação e anos de carreira, um executivo transmite uma imagem perfeitamente identificável, estejamos em Nova Iorque, Tóquio ou na Bolsa de Lisboa.
Mas para que utilizo eu uma das imagens de marca do capitalismo?
Tal como os executivos adoptam uma imagem semelhante, a Natureza reproduz formas e funções semelhantes em organismos muito diferentes.
Tubarões e golfinhos, ao nível do seu plano corporal, são muito semelhantes, apesar de um ser um peixe e o outro um mamífero, e estarem separados evolutivamente por 400 milhões de anos.
Tubarões e golfinhos podem ser apontados como exemplos de Evolução Convergente – aquisição independente de características físicas semelhantes por parte de seres vivos muito diferentes.
Existem outros exemplos de Evolução Convergente: os membros anteriores das aves, dos morcegos e dos pterossáurios (répteis voadores, parentes e contemporâneos dos dinossáurios) apresentam formas seme lhantes. Embora de grupos diferentes, separados por milhões de anos de evolução, possuem estruturas anatómicas que lhes permitem (ou permitiam, no caso dos pterossáurios) uma mesma função: voar. A locomoção bípede (somente nos dois membros posteriores) evoluiu de forma convergente nos humanos e nas aves – nestas surgiu há mais de 200 milhões de anos, nos seus dinossáurios antepassados; nos seres humanos, a transição para a locomoção bípede, há uns meros milhões de anos…
Os leitores e os pombos partilham, convergentemente, este tipo particular de locomoção com alguns roedores, com os cangurus e com alguns lagartos – facultativamente nestes.
Mas qual o “motivo” da Natureza para organismos tão afastados, em termos evolutivos, apresentem estruturas e funções tão semelhantes?
A primeira justificação passa pelos condicionamentos de design e de eficiência orgânica.
Quem não tem muita paciência para cuidar de plantas em casa conhece os cactos. Estas plantas apresentam formas características, adaptadas aos climas desérticos – forma alongada ou arredondada, sem folhas (para não perderem água) e as folhas que possuem estão transformadas em espinhos e tecidos internos capazes de retenção de água. Mas, onde ia eu?A maioria dos amantes de cactos não sabe é que… está a ser “traída”! Não possuem cactos (família Cactaceae e originários da América do Norte) mas sim plantas da família Euphorbiaceae. Mas a “traição” é justificável… As plantas que consideramos cactos desenvolveram, pelo fenómeno de evolução convergente, formas idênticas às plantas dos westerns. Vivendo em climas igualmente áridos, mas em África, as Euphorbiaceae necessitaram de adaptar a sua estrutura para evitar perdas de água e…”imitaram” os cactos!
A segunda razão, por detrás da evolução convergente, envolve o sucesso da imitação.
Podemos utilizar um exemplo da cultura humana – a música. Já todos nós constatámos que quando um grupo musical tem sucesso logo aparecem vários outros a o imitar. As condições do mercado e do gosto musical num determinado momento são as certas, de maneira que os imitadores também vingam, por se aproveitarem de um modelo vencedor.
Na Natureza, a “imitação” estrutural também funciona de maneira equivalente. Por exemplo quer os veados quer os cavalos desenvolveram membros finos e esguios, assentes no desenvolvimento do dedo III (central) e redução dos restantes.Estas adaptações permitiam a optimização da corrida. Quer uns quer outros tinham o mesmo tipo de predadores e, ao longo de milhões, desenvolveram anatomias semelhantes.
A Selecção Natural conduziu espécies competidoras de um mesmo ecossistema por trilhos evolutivos paralelos, pois o sucesso evolutivo estava dependente da economia da forma, da função e do design. Todos nós já constatámos que quando um determinado produto tem sucesso comercial, logo aparecem imitações.
É o ritmo da sociedade de consumo.
Ainda bem que não existem patentes na Natureza!
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 16/02/2006)
Porto-Lisboa em 4600 milhões de anos
Devido ao meu passado e formação como professor, as analogias têm em mim, como noutros, um fascínio e utilidade únicas.
Sempre as utilizei como forma de introduzir e sistematizar diversos conceitos das Ciências Naturais.
Os alunos gostavam e pediam sempre mais, embora seja difícil e não aconselhável em todas as situações.
Uma das analogias práticas que utilizava era em relação à enormidade do tempo geológico. Depois de lhes ter dado rolos de máquina registadora, bem como uma folha com as diversas idades e acontecimentos geológicos, pedia-lhes para marcarem, cronologicamente e com distâncias proporcionais à idade dos acontecimentos, no rolo esticado, esses mesmos acontecimentos.
Era uma actividade de que gostavam – inicialmente, porque os libertava das habituais cadeiras e interagiam em grupos e no final…devido ao resultado prático.
Imaginemos uma realidade bem conhecida – viagem entre duas cidades do nosso país, Porto e Lisboa – pela auto-estrada.
Agora comparemo-la com os acontecimentos biológicos e geológicos do nosso planeta (desde a formação do planeta – Porto – até à actualidade – Lisboa).A distância percorrida nesta viagem comum – 300 km – vai ser proporcional à idade da Terra, i.e., partimos do Porto (0 km) ao mesmo tempo que o nosso planeta é formado (4600 milhões de anos – MA).
A saída dos Carvalhos é o equivalente na nossa viagem à formação da Lua (4500 MA). A atmosfera terrestre ter-se-á formado junto a Santa Maria da Feira, tendo as primeiras rochas, ou pelo menos as de que há registo, surgido na zona de Estarreja (3960 MA).
Quando o nosso carro está a circular entre Aveiro sul e a Mealhada (3400 MA) terão aparecido a primeiras formas de vida – bactérias e algas.
45 quilómetros adiante e devido à actividade fotossintética dos primeiros seres vivos, a atmosfera já apresenta concentrações de oxigénio razoáveis.
Iremos necessitar de atingir a zona de serviço de Santarém para conseguir observar os primeiros animais (unicelulares), ocorrendo os primeiros seres vivos pluricelulares em Aveiras (700 MA).
Os primeiros peixes e as primeiras plantas terrestres apareceram sensivelmente na mesma zona – no Carregado.
Em Vila Franca de Xira surgiram os primeiros insectos; quatro quilómetros depois chegam os primeiros répteis (340 MA) e, se quisermos observar os primeiros mamíferos e aves, teremos que passar Alverca (180 MA).
O planeta será coberto pelas cores das flores primitivas pouco antes de Santa Iria da Azóia (150 MA), extinguindo-se os dinossáurios cinco quilómetros depois. Os Alpes são formados quase após circularmos 300 metros (60 MA).
A colisão da Índia com a Ásia, que irá dar origem aos Himalaias, ocorrerá praticamente já em Sacavém e quando as primeiras ferramentas de pedra forem inventadas estaremos já a 100 metros da Torre de Belém.
Já depois do carro estacionado, caminhamos em direcção à Torre de Belém- a apenas 33 metros o Homem descobre o fogo; a 7 metros surge o Homem de Neanderthal e a 1 metro surge a agricultura.
Poderíamos continuar a nossa analogia com acontecimentos da História da Humanidade, mas as distâncias envolvidas seriam pouco práticas…estaríamos já com o nariz “colado” à Torre de Belém!!
Fundamental, nesta como na analogia que utilizava nas escolas onde dei aulas, é compreender e tentar intuir (será que alguém é capaz?) a imensidão do tempo geológico.
Eu não podia deixar de sorrir quando os meus alunos vinham ter comigo, muito aflitos, “Professor, isto deve estar errado. O Homem só aparece num bocadinho muito pequenino da fita!!!”
Pois é…há pouco tempo, mesmo no finalzinho da fita…
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 06/04/2006)
Imagens – daqui
Cancro da mama e da pele
Post dedicado à C. e ao M.
Três anúncios, duas campanhas, mas as mesmas realidades geradoras.
O cancro da mama e o cancro da pele.
Campanhas – Ford Cares: Warriors in Pink; Danish Cancer Society
Referências – nos vídeos ou aqui
So what?
“Clitoral variation says nothing about female orgasm”
D. J. Hosken, Department of Biosciences, University of Exeter
Evolution & Development, 2008 Jul-Aug;10(4):393-5
A verdade é que nem sequer tive acesso ao abstract mas que o título é apelativo, é...
O Balão
Quem nunca lamentou ter perdido esta capacidade?
Eu lamento.
Por vezes vem, mas o mundo real afugenta-a.
Voltará.
A melhor qualidade de quem trabalha em Ciência.
Ou simplesmente de quem quer ser Pessoa.
Levem tudo mas deixem-me isto.
Tom Waits e o hospital
Se há uma verdade sobre os portugueses, é que nos babamos por escutar o que os outros têm a dizer sobre nós.
E se esses outros forem estrangeiros a baba é diluvial.
Nem que sejam alarvidades.
Ou realidades.
Entre o final de um cigarro e o início do outro, tomava café.
Adiava o regresso à labuta, folheando o Público.
Aí, Tom Waits atestava que “A maior quantidade de lojas de recordações” se encontrava em… “Fátima: Portugal”.
O fumo branco anunciava a baba existencialista portuguesa.
O habemus Papa fora substituído pelo habemus souvenirs!
Chuto para canto.
Prosseguiu a procrastinação jornalística, mas eis que surge, a cheirar a enxofre, novo gerador salivar.
Tricky proclama que “a única coisa pior que um gueto é um hospital português.”
Sublinha, para gáudio das gentes lusas, “foi o pior sítio em que alguma vez estive”.
Desconheço se o inferno referido seria do Sistema Nacional de Saúde ou de qualquer máquina privada.
Aconselho-o mentalmente a viver cá todos os dias.
A baba da auto-comiseração jorra.
Heartattack and Vine aguarda-me, já o guetista nunca foi do meu agrado.
Há muito mais para lá do que os outros pensam de nós.
Há?
Imagens – Anton Corbijn e daqui