Sexo e comida
…tal como na Evolução, são questões fundamentais.
E nunca mais chega Julho para me regalar com este bicho!
Paisagens osteológicas
Juro que gostava de conhecer pessoalmente o autor destas ilustrações. E o raio do catraio, porque é de um catraio que se trata, ainda tem tempo de tocar bateria na banda Helms.
Imagens – Dan MacCarthy
Quer conhecer NY?
…num monólogo genial de Brogan (Edward Norton), carregado de desespero mais do que ódio, leva-nos à nova Roma.
A descrição da Metrópole feita por quem irá passar os próximos anos no cárcere.
Mais do que o desprezo, é uma longa declaração de amor às tribos que habitam a mais europeia das cidades norte-americanas.
Uma despedida de quem podia mas não foi.
P.S. – a Última Hora, de Spike Lee, de onde este monólogo foi retirado, com som de fundo de Terence Blanchard.
Patas para que vos quero!
A propósito do aparecimento dos primeiros tetrápodes e do Tiktaalik, republico um post e artigo de jornal que publiquei em 2007.
“Tira daí as patas!”, grita um qualquer mamífero de forma semi-agressiva.
“Dois belos pés!” afirma o comentador desportivo, numa tarde de futebol.
Nós temos. Os peixes não.
A “simples” diferença na forma do esqueleto, como ter “mãos” e “pés” ou autópodes, carrega uma importante história evolutiva desde os peixes até aos animais como nós.
Ao segurar um jornal, o leitor está, em termos evolutivos, a utilizar uma barbatana muito complexa e evoluída, e pertence a um grupo de vertebrados chamados tetrápodes, animais com quatro membros, que incluem animais como os mamíferos, aves, répteis e anfíbios.
O aparecimento dos ossos dos dedos em alguns anfíbios deveria ser resultado de nova “maquinaria” genética, pois todas as estruturas orgânicas são o resultado da informação que está contida nos genes. Será assim?
Um estudo publicado, a 24 de Maio (de 2007), na revista Nature, refere que os genes necessários à formação dos dedos das “mãos” e “pés” dos tetrápodes têm uma história que remonta há 360 milhões de anos ou seja antes de os animais terem feito a “invasão” da terra. O estudo molecular dos genes HoxD (genes reguladores do desenvolvimento em diferentes organismos e áreas do corpo, concretamente no desenvolvimento do esqueleto apendicular, i.e., dos membros) vem mostrar que o património genético necessário já estava presente em peixes primitivos como o actual peixe actinopterígeo Polyodon spathula, considerado um autêntico fóssil vivo.
A análise genética deste animal permitiu afinar as informações paleontológicas com as da biologia do desenvolvimento, possibilitando que estas analisassem dados genéticos de peixes menos “evoluídos” – os actinopterígeos – e os comparassem com os dos tetrápodes. Tradicionalmente, estas análises eram efectuadas em peixes mais “evoluídos”, os teleósteos.
Os estudos paleontológicos em exemplares de transição morfológica entre peixes e animais com verdadeiros membros locomotores deixavam em aberto a possibilidade daquela “revolução” evolutiva se ter dado de uma forma rápida em termos de tempo geológico mas o Polyodon revelou que o património genético que permitiu o aparecimento de verdadeiras patas é mais antigo do que se suponha.
Fundamental para se compreender esta “novela” científica é o conhecimento dos fósseis de transição deste trajecto evolutivo.
Os “fotogramas” que permitem visualizar as alterações morfológicas entre as barbatanas e verdadeiros membros locomotores são vários. Conhecia-se já há algum tempo a parte mais inicial do “filme” – os peixes Eusthenopteron e Panderichthys – e a mais avançada – os anfíbios do Devónico superior como Acanthostega e Ichthyostega. Recentemente foi descoberto mais um “fotograma” – o peixe Tiktaalik; este, apresenta um mosaico de características morfológicas antigas e modernas, no trajecto evolutivo para o aparecimento de verdadeiros autópodes.
Algumas curiosidades morfológicas destes “primos” afastados: Ichtyostega possuía sete dedos em cada pata; o Acanthostega, oito. Desculpem mas não resisto a dizer: “vão-se as barbatanas mas fiquem os dedos!”.
Da próxima vez que um qualquer criacionista falar em falta de fósseis de transição nada como descrever estes belos nomes – Eusthenopteron, Panderichthys, Acanthostega, Tiktaalik e Ichthyostega!
Um outro estudo, de 2006 e desta vez embriológico, levado a cabo em Barcelona, permitiu analisar o processo de formação e disposição de dois ossos do pé em embriões humanos – o calcâneo (osso que constitui o nosso calcanhar) e o astrágalo, ambos ossos do pé.
Foram descritas semelhanças morfológicas entre um embrião humano de 33 dias, nas extremidades inferiores, com barbatanas; aos 54 dias o calcâneo e o astrágalo estão localizados no mesmo preciso local que em Bauria cynops, um réptil mamaliforme que viveu há 260 milhões de anos. As semelhanças anatómicas de posicionamento às 8 semanas e meia dos ossos referidos são enormes entre o embrião humano e a espécie fóssil Diademodon, que viveu há 230 milhões de anos.
Os autores afirmam que, nesta fase, o posicionamento, e respectivas consequências ao nível da locomoção, dos ossos analisados estão a meio “caminho” entre répteis e mamíferos. Este tipo de análises incr
ementa o conhecimento morfológico efectuado por vários autores no séc. XIX, mesmo antes de Darwin publicar a sua obra magna, como Karl Ernst von Baer (1792-1876), que notou semelhanças morfológicas entre embriões de grupos diferentes.
Conta a “tradição”, que von Baer, trabalhava no seu gabinete, e encontrou dois frascos com embriões de aves e lagartos; sem rótulos, não os pôde distinguir à primeira vista…

Resumindo: espécies que divergem morfologicamente em estádios mais iniciais irão ser morfologicamente mais distintas em estádios adultos.
Von Baer foi pioneiro nas propostas que fez ao nível do desenvolvimento embrionário sendo o seu trabalho basilar numa das áreas mais importantes das Biologia actual – a evolução e o desenvolvimento, Evo-Devo.
De tudo o que vimos só me resta afirmar que a as teorias evolutivas que explicam o nosso trajecto na história da Terra têm cada vez mais “pés para andar…!”
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 31/5/2007)
BIBLIOGRAFIA
Carroll, R.L., Irwin J. & Green, D.M. 2005. Thermal physiology and the origin of terrestriality in vertebrates. Zool. J. Linn. Soc. 143: 345-358.
Carroll, S. B. 2005. Endless Forms Most Beautiful: The New Science of Evo Devo and the Making of the Animal Kingdom, W. W. Norton & Company.
Davis MC, Dahn RD, & Shubin NH (2007). An autopodial-like pattern of Hox expression in the fins of a basal actinopterygian fish. Nature, 447 (7143), 473-6 PMID: 17522683
Evo-Devo – http://www.pnas.org/cgi/content/full/97/9/4424
Goodwin, B. 1994. How the Leopard Changed its Spots, Phoenix Giants.
Isidro, A. & Vazquez, M.T. 2006. Phylogenetic and ontogenetic parallelisms on talo-calcaneal superposition. The Foot 16, 1-15.
FIGURAS
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Clack, J. 2002. An early tetrapod from Romer’s Gap, Nature 418, 72 – 76.
Horder, T.J. 2006. Gavin Rylands de Beer: how embryology foreshadowed the dilemmas of the genome. Nat Rev Genet. 7(11):892-8.
O Czar e o dinossáurio
Grande parte do trabalho de um paleontólogo é passado dentro, à volta e em torno de Museus de História Natural.
É neles que estão depositadas (ou deveriam estar) as colecções de fósseis que fazem parte do trabalho de qualquer investigador que tenha como referencial a História da Vida na Terra.
Tenho feito visitas de carácter científico a alguns museus, estando actualmente em visita científica de recolha de dados no Carnegie Museum of Natural History, em Pittsburgh.
Cada Museu de História Natural, para além do material de estudo e capital em investigadores, tem atrás de si várias histórias humanas ligadas quer ao conhecimento gerado quer à aos próprios intervenientes (humanos e não-humanos).
O Carnegie Museum of Natural History (CM) “nasceu” da vontade Andrew Carnegie, milionário do séc. XIX da indústria americana do aço e um enorme filantropo das artes e ciências.
Carnegie tomava o pequeno almoço em Nova Iorque e lia, como habitualmente, o seu jornal, que nesse dia relatava um achado impressionante – restos de um animal gigantesco tinham sido descobertos no Wyoming. A notícia era acompanhada de perturbadora descrição do animal – o Brontosaurus (agora classificado como Apatosaurus) – assente nas patas traseiras e a olhar para o 11º andar de um prédio!
Carnegie imediatamente escreveu uma nota a W.J.Holland que dizia “Caro Director, compre imediatamente este animal para Pittsburgh!” tendo-a enviado para o na altura Carnegie Institute. Juntamente enviou um cheque de 10000 dólares.
Estava iniciada a “caça” aos dinossáurios em Pittsburgh!Durante os anos seguintes a equipa do CM procedeu a expedições no continente americano tendo descoberto inúmeras espécies (Stegosaurus, Camarasaurus, Apatosaurus, etc).
Um dos exemplos (tão de agrado do espírito heróico norte-americano) é a descoberta no dia 4 de Julho de 1899 (dia da independência americana) do que viria a ser classificado como Diplodocus carnegii (em honra do patrono e fundador do CM).
Carnegie possuía um castelo na sua Escócia natal, onde recebia com frequência individualidades e a própria realeza.
Numa dessas visitas, o Rei Eduardo VII notou uma das gravuras de Diplodocus tendo imediatamente pedido ao milionário que comprasse um igual para Inglaterra.
A equipa do CM contratou escultores italianos para iniciar o processo de feitura de réplicas bem como a criação da estrutura de suporte (método ainda actualmente utilizado.
Em 1904 estava feita a primeira réplica de Diplodocus tendo no ano seguinte sido enviada uma para Inglaterra.
A moda iria espalhar-se pelo resto da realeza europeia tendo sido feitas réplicas para o Kaiser Wilhelm da Alemanha, Rei Vittorio Emanuele III de Itália, Czar Nicolau II da Rússia e o Rei Afonso XIII de Espanha (curiosamente nenhuma réplica para Portugal) e instaladas nos respectivos museus de História Natural.
Holland, o director do CM, fora destacado para a montagem do Diplodocus no Museu de História Natural de Moscovo. Como já foi dito aqueles animais tinham dimensões da ordem das dezenas de metro.Encontravam-se Holland e os seus colaboradores atarefados com a montagem da réplica quando, atraído pelo fascínio pelos dinossáurios , irrompe pela sala o Czar e respectivo séquito.
Os trabalhadores russos, perante tal importante visita, largam literalmente tudo o que tinham em mãos para manifestarem o seu respeito pelo czar.
É então que os republicanos americanos vêem o desabar de toda a estrutura jurássica perante as suas cabeças. Felizmente nada de grave sucedeu exceptuando o retomar da construção da estrutura paleontológica que havia desabado.
Em 1910, o último czar da Rússia, Nicolau II já podia admirar a sua réplica de Diplodocus.
O Diplodocus que surgira numa notícia de jornal em Nova Iorque espalhava-se agora pelos Museus do Velho Continente.
Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro em 2005
Imagens – foto de jornal que despertou em Carnegie a paixão pelos dinossáurios – Luís Azevedo Rodrigues;
Andrew Carnegie – da Wikipedia;
notíca do arquivo do New York Times;
trabalho em Diplodocus, em 2005, no CArnegie Museum of Natural History – Luís Azevedo Rodrigues
Deixar de ser ilha*
Traços e traços.
Linhas que unem tipos e formas.
As ilhas imutáveis e isoladas que eram as espécies, criaram laços.
As mais próximas e as mais afastadas, todas unidas pelas pontes de Darwin.
Imagem* – a primeira árvore evolutiva desenhada por Darwin, em 1837. A única ilustração de “A Origem das Espécies” é uma árvore evolutiva.
Referência – Gregory, T.R. 2008. Understanding Evolutionary Trees. Evolution Education Outreach 1: 121-137.
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O trabalho científico, para o público em geral, é feito no recato de laboratórios e gabinetes. Um trabalho rotineiro, de pequenas ou grandes práticas, em ambientes idênticos, dia após dia.
No caso da Paleontologia de Vertebrados esses procedimentos podem ser iguais ao de qualquer investigador ou mesmo de qualquer profissional.
Mas também podem ser totalmente distintos.
Uma das componentes de um paleontólogo de vertebrados (mas não só) envolve a recolha de amostras dos animais que estudamos (ossos, na maioria das vezes, mas também dentes, pele, são analisadas pegadas, entre outros vestígios fossilizados).
A prospecção e recolha dos fósseis implica que o paleontólogo se tenha que deslocar às jazidas rochosas onde previamente já foram descobertos vestígios ou novas jazidas que, pelas características rochosas (litologia, idade, etc.), apresentem boas possibilidades de se mostrarem produtivas.
Em termos práticos os paleontólogos têm que ir para o campo!
Esse é uma dos elementos que a maioria dos paleontólogos mais aprecia e anima.
Para além do potencial profissional que pode implicar (novas espécies ou melhor e maior quantidade de material fossilizado) existe um lado inerente à sua actividade, e partilhado por outros cientistas das Ciências Naturais, que os enriquecem como pessoas.
Falo do contacto implícito com a Natureza.
Apesar de todas a contrariedades inerentes – por vezes estamos sem contactar a família várias semanas, sem nada de parecido sequer com um chuveiro, frios nocturnos e canícula insuportável diurna, comidas nem sempre com os standards gastronómicos… – existem experiências inolvidáveis.
Apenas alguns exemplos.
No segundo ano que estive na província de Neuquén, na Patagónia argentina, cheguei ao acampamento, a cerca de 150 km da povoação mais próxima, durante a noite (o diário da expedição foi já publicado n’O Primeiro de Janeiro).
Cerca das três da manhã e por motivos fisiológicos tive que deixar a tenda. Mal saí fui “assaltado” pela enormidade do céu estrelado que ao mesmo tempo me atraía e assustava. O céu parecia abarcar tudo, provocando quase uma sensação física de tão intenso e grande. Senti-me de uma pequenez extrema… Só pela vista deste céu a terrível viagem já havia valido a pena.
Durante o tempo que permaneci na Patagónia fui diversas vezes “atacado” pela beleza da paisagem, ao mesmo tempo inóspita e terrivelmente atraente; o nunca acabar da planície, o percebermos que somos tão pequenos…
Aliado a este lado atraente, que a maioria das pessoas facilmente entende e deseja, existe um outro – a camaradagem. Como referi, as condições de trabalho e de vida em expedições paleontológicas são as mais básicas que se pode imaginar. Apesar disso, surgem relações humanas de camaradagem e amizade que, noutros enquadramentos mais sofisticados, dificilmente poderiam nascer.
Em especial à noite, à volta de uma fogueira readquirem-se hábitos ancestrais esquecidos -contam-se histórias em grupo, fazem-se silêncios enquanto crepita o fogo, esquecem-se hierarquias académicas, ouvem-se pequenos desabafos pessoais.
Quis apenas relembrar e celebrar um dos aspectos envolvidos no processo científico da Paleontologia – o trabalho de campo.
Não vem nos relatórios nem nas publicações científicas. Não existem tratados nem compêndios que o analisem e sistematizem. Apesar de tudo isso tenho constatado que é das coisas que colocam um sorriso sincero na cara de cada paleontólogo – “Vais para o campo?”
Esquecem-se labutas diárias de obtenção de fundos, de preenchimento de formalidades burocráticas, da falta de perspectivas profissionais de futuro.
E vai-se…
P.S.:Este texto é um agradecimento pelo outro lado do trabalho científico a que me dedico.
E que, tendo a sorte de o ter, o gostaria de partilhar.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 5/3/2007)
Imagens – Luís Azevedo Rodrigues
Falsificações naturais
Os Executivos são todos iguais.
Estejamos onde estivermos, conseguimos identificar um quadro importante de uma empresa – o vestuário, o calçado e os adereços são semelhantes. Independentemente das diferentes empresas a que pertencem, percursos de vida, educação e anos de carreira, um executivo transmite uma imagem perfeitamente identificável, estejamos em Nova Iorque, Tóquio ou na Bolsa de Lisboa.
Mas para que utilizo eu uma das imagens de marca do capitalismo?
Tal como os executivos adoptam uma imagem semelhante, a Natureza reproduz formas e funções semelhantes em organismos muito diferentes.
Tubarões e golfinhos, ao nível do seu plano corporal, são muito semelhantes, apesar de um ser um peixe e o outro um mamífero, e estarem separados evolutivamente por 400 milhões de anos.
Tubarões e golfinhos podem ser apontados como exemplos de Evolução Convergente – aquisição independente de características físicas semelhantes por parte de seres vivos muito diferentes.
Existem outros exemplos de Evolução Convergente: os membros anteriores das aves, dos morcegos e dos pterossáurios (répteis voadores, parentes e contemporâneos dos dinossáurios) apresentam formas seme lhantes. Embora de grupos diferentes, separados por milhões de anos de evolução, possuem estruturas anatómicas que lhes permitem (ou permitiam, no caso dos pterossáurios) uma mesma função: voar. A locomoção bípede (somente nos dois membros posteriores) evoluiu de forma convergente nos humanos e nas aves – nestas surgiu há mais de 200 milhões de anos, nos seus dinossáurios antepassados; nos seres humanos, a transição para a locomoção bípede, há uns meros milhões de anos…
Os leitores e os pombos partilham, convergentemente, este tipo particular de locomoção com alguns roedores, com os cangurus e com alguns lagartos – facultativamente nestes.
Mas qual o “motivo” da Natureza para organismos tão afastados, em termos evolutivos, apresentem estruturas e funções tão semelhantes?
A primeira justificação passa pelos condicionamentos de design e de eficiência orgânica.
Quem não tem muita paciência para cuidar de plantas em casa conhece os cactos. Estas plantas apresentam formas características, adaptadas aos climas desérticos – forma alongada ou arredondada, sem folhas (para não perderem água) e as folhas que possuem estão transformadas em espinhos e tecidos internos capazes de retenção de água. Mas, onde ia eu?A maioria dos amantes de cactos não sabe é que… está a ser “traída”! Não possuem cactos (família Cactaceae e originários da América do Norte) mas sim plantas da família Euphorbiaceae. Mas a “traição” é justificável… As plantas que consideramos cactos desenvolveram, pelo fenómeno de evolução convergente, formas idênticas às plantas dos westerns. Vivendo em climas igualmente áridos, mas em África, as Euphorbiaceae necessitaram de adaptar a sua estrutura para evitar perdas de água e…”imitaram” os cactos!
A segunda razão, por detrás da evolução convergente, envolve o sucesso da imitação.
Podemos utilizar um exemplo da cultura humana – a música. Já todos nós constatámos que quando um grupo musical tem sucesso logo aparecem vários outros a o imitar. As condições do mercado e do gosto musical num determinado momento são as certas, de maneira que os imitadores também vingam, por se aproveitarem de um modelo vencedor.
Na Natureza, a “imitação” estrutural também funciona de maneira equivalente. Por exemplo quer os veados quer os cavalos desenvolveram membros finos e esguios, assentes no desenvolvimento do dedo III (central) e redução dos restantes.Estas adaptações permitiam a optimização da corrida. Quer uns quer outros tinham o mesmo tipo de predadores e, ao longo de milhões, desenvolveram anatomias semelhantes.
A Selecção Natural conduziu espécies competidoras de um mesmo ecossistema por trilhos evolutivos paralelos, pois o sucesso evolutivo estava dependente da economia da forma, da função e do design. Todos nós já constatámos que quando um determinado produto tem sucesso comercial, logo aparecem imitações.
É o ritmo da sociedade de consumo.
Ainda bem que não existem patentes na Natureza!
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 16/02/2006)
Porto-Lisboa em 4600 milhões de anos
Devido ao meu passado e formação como professor, as analogias têm em mim, como noutros, um fascínio e utilidade únicas.
Sempre as utilizei como forma de introduzir e sistematizar diversos conceitos das Ciências Naturais.
Os alunos gostavam e pediam sempre mais, embora seja difícil e não aconselhável em todas as situações.
Uma das analogias práticas que utilizava era em relação à enormidade do tempo geológico. Depois de lhes ter dado rolos de máquina registadora, bem como uma folha com as diversas idades e acontecimentos geológicos, pedia-lhes para marcarem, cronologicamente e com distâncias proporcionais à idade dos acontecimentos, no rolo esticado, esses mesmos acontecimentos.
Era uma actividade de que gostavam – inicialmente, porque os libertava das habituais cadeiras e interagiam em grupos e no final…devido ao resultado prático.
Imaginemos uma realidade bem conhecida – viagem entre duas cidades do nosso país, Porto e Lisboa – pela auto-estrada.
Agora comparemo-la com os acontecimentos biológicos e geológicos do nosso planeta (desde a formação do planeta – Porto – até à actualidade – Lisboa).A distância percorrida nesta viagem comum – 300 km – vai ser proporcional à idade da Terra, i.e., partimos do Porto (0 km) ao mesmo tempo que o nosso planeta é formado (4600 milhões de anos – MA).
A saída dos Carvalhos é o equivalente na nossa viagem à formação da Lua (4500 MA). A atmosfera terrestre ter-se-á formado junto a Santa Maria da Feira, tendo as primeiras rochas, ou pelo menos as de que há registo, surgido na zona de Estarreja (3960 MA).
Quando o nosso carro está a circular entre Aveiro sul e a Mealhada (3400 MA) terão aparecido a primeiras formas de vida – bactérias e algas.
45 quilómetros adiante e devido à actividade fotossintética dos primeiros seres vivos, a atmosfera já apresenta concentrações de oxigénio razoáveis.
Iremos necessitar de atingir a zona de serviço de Santarém para conseguir observar os primeiros animais (unicelulares), ocorrendo os primeiros seres vivos pluricelulares em Aveiras (700 MA).
Os primeiros peixes e as primeiras plantas terrestres apareceram sensivelmente na mesma zona – no Carregado.
Em Vila Franca de Xira surgiram os primeiros insectos; quatro quilómetros depois chegam os primeiros répteis (340 MA) e, se quisermos observar os primeiros mamíferos e aves, teremos que passar Alverca (180 MA).
O planeta será coberto pelas cores das flores primitivas pouco antes de Santa Iria da Azóia (150 MA), extinguindo-se os dinossáurios cinco quilómetros depois. Os Alpes são formados quase após circularmos 300 metros (60 MA).
A colisão da Índia com a Ásia, que irá dar origem aos Himalaias, ocorrerá praticamente já em Sacavém e quando as primeiras ferramentas de pedra forem inventadas estaremos já a 100 metros da Torre de Belém.
Já depois do carro estacionado, caminhamos em direcção à Torre de Belém- a apenas 33 metros o Homem descobre o fogo; a 7 metros surge o Homem de Neanderthal e a 1 metro surge a agricultura.
Poderíamos continuar a nossa analogia com acontecimentos da História da Humanidade, mas as distâncias envolvidas seriam pouco práticas…estaríamos já com o nariz “colado” à Torre de Belém!!
Fundamental, nesta como na analogia que utilizava nas escolas onde dei aulas, é compreender e tentar intuir (será que alguém é capaz?) a imensidão do tempo geológico.
Eu não podia deixar de sorrir quando os meus alunos vinham ter comigo, muito aflitos, “Professor, isto deve estar errado. O Homem só aparece num bocadinho muito pequenino da fita!!!”
Pois é…há pouco tempo, mesmo no finalzinho da fita…
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 06/04/2006)
Imagens – daqui
Avulsas…
Desde o retomar das pernas em baleias – aqui e por mim abordado aqui e aqui, até às primeiras pegadas de Velociraptor (?) na Europa, é o possível nesta altura do “campeonato”…
Imagem – pinguim-de-Magalhães, Luís Azevedo Rodrigues, província de Chubut, patagónia argentina, 2004.