Apanhados no radar
(interrupção esporádica do pousio)
O suor corre-lhe pela cara, vendando-o quase por completo. Corre, tentando escapar aos sons ensurdecedores que, atrás de si, estão cada vez mais perto. As pernas não lhe respondem, indo atrás e à frente como pêndulos de um relógio acelerado. Atrás de si, as patas do perseguidor não param, mas a sua amplitude é maior do que a da presa. A distância entre ambos é cada vez menor, não havendo tempo para fugas ou ocultações na vegetação.
Esta cena podia ser de um qualquer filme, mas não é. É parte do imaginário que se pode fazer a partir dos dados científicos publicados a 22 de Agosto.
Biólogos e paleontólogos da Universidade de Manchester propõem velocidades diferentes das até aqui propostas para os sáurios extintos.
Utilizando modelos computacionais – algoritmos evolutivos – baseados em dados de animais actuais (como, por exemplo, a ave corredora australiana Ema), foram propostas novas velocidades máximas para algumas espécies de dinossáurios. Segundo esta modelação, o Compsognathus, com apenas 3 kg de peso, podia atingir uma velocidade de mais de 60 km/h, ou seja superior a qualquer animal bípede actual.
Tal como os atletas de alta-velocidade ou os jogadores de futebol, também a velocidade máxima atingida pelos dinossáurios é um factor de extrema importância. A fuga da presa ou o sucesso do predador estão dependentes da velocidade e contribuem para um maior ou menor sucesso evolutivo dos animais envolvidos.
Mas como calcular a velocidade de animais que nunca cruzaram uma meta?
Desde há mais de um século que os paleontólogos têm tentado estimar as velocidades atingidas pelos dinossáurios.
Estas estimativas têm sido propostas a partir de medição de pegadas e do passo obtido na pista, do estudo da estrutura (forma e tamanho) anatómica dos dinossáurios e destas com as de animais actuais, cálculos das forças suportadas pelos matérias envolvidos (leia-se ossos), localização das inserções musculares, entre outros métodos.
Pressente-o. Imagina o toque, tentando olhar de soslaio. Apesar de correr sente-se gelado. Muda de direcção subitamente. Ganha alguma distância.
Trabalhos de John Hutchinson e colegas da Royal Veterinary College em Londres tinham sugerido, em 2002, para a impossibilidade de o T. rex poder atingir velocidades superiores a 40 km/h. Apesar de não muito estimulante, quando comparada com as velocidades atingidas nas nossas auto-estradas, é de referir que Francis Obikwelu atinge “apenas” idênticos 40 km/h.Animais grandes não se deslocam necessariamente mais velozmente que animais pequenos. Veja-se por exemplo os elefantes. Segundo Hutchinson, os elefantes não correm; apenas aumentam a cadência do seu andar, adquirindo uma maior velocidade. Este investigador calculou ainda que para um T. rex atingir uma velocidade de 70 km/h necessitaria possuir 86% do seu peso total em músculo – um autêntico Schwarzenegger, biologicamente pouco viável!
Para além destas impossibilidades na ligeireza, também as mudanças súbitas de direcção necessitariam de segundos para serem efectuadas, impossibilitando o grande dino de súbitas mudanças de direcção.
O terreno era agora lamacento. Escorregou, ficando prostrado no meio do lodo e sedimentos. Atrás de si, o ruído das passadas diminuiu de cadência.
As velocidades, inferidas a partir das medições feitas nos rastos de pegadas, são normalmente baixas. Estas medições tradicionalmente deixavam entender que os dinossáurios eram animais lentos.
Em Portugal a velocidade máxima inferida a partir de pegadas é de cerca de 14 km/h num trilho de terópode (dinossáurio carnívoro e bípede) do Cabo Espichel. Rastos de dinossáurios saurópodes, como o dos da Pedreira do Galinha, apresentam velocidades máximas de 5 km/h. No entanto estes dados não significam que os dinossáurios eram animais lentos. O que os paleontólogos explicam é que as condições geológicas para a preservação das pegadas (icnitos) são diferentes das necessárias á preservação dos ossos. Os sedimentos favoráveis à preservação daquelas marcas são os de ambientes lamacentos ou semelhantes. Nestes ambientes a movimentação é mais difícil pois existe o risco de o animal escorregar. Assim, é natural que as velocidades de deslocação calculadas a partir de pegadas de dinossáurios sejam, na sua maioria, velocidades baixas.
Por algum motivo o som abrandava atrás de si. Estava cada vez mais distante. Escapara, no meio da lama.
Referências
Hutchinson, J. & Garcia, M. 2002. Tyrannosaurus Was Not a Fast Runner. Nature 415: 1018-1021.
Hutchinson, J.R., D. Schwerda, D. Famini, R.H.I. Dale, M. Fischer, R. Kram. 2006. The locomotor kinematics of African and Asian elephants: changes with speed and size. Journal of Experimental Biology 209: 3812-3827
Sellars, W.I. & P.L. Manning. 2007. Estimating dinosaur maximum running speeds using evolutionary robotic. Proceedings of the Royal Society B. DOI: 10.1098/rspb.2007.0846
Cada vez mais altriciais…*
Antes, ia aos correios, com 6 ou 7 anos, pagar as contas ou levantar uma encomenda à minha mãe.
Andava de uma lado para o outro, ia a casa dos meus amigos desafiá-los para jogar à bola ou simplesmente para passear.
Agora, sobrinhos com o dobro da idade que eu tinha quando circulava sozinho, têm cada vez menos autonomia.
Vão às discotecas, mas são “deixados e levantados” à porta; passam horas ao telemóvel com os amigos, mas raramente os vêm, fora das câmaras da net; não aparecem lá por casa, marcam-se horas.
Agora, na idade adulta, saímos cada vez mais tarde do tecto dos pais; casamos mais tarde; temos filhos mais tarde;…
Estaremos a ficar cada vez mais altriciais?
Ou as ameaças dos “predadores” cada vez mais intensas?
Ou apenas paranóicos?
* o grau de desenvolvimento e de dependência das crias em relação aos progenitores pode ser diverso.
Basta comparar um vitelo (precocial- bem desenvolvido e ao fim de pouco tempo já se desloca autonomamente) com as crias de coelho (altricial – com um grau de desenvolvimento baixo e completamente dependentes dos progenitores).
Imagens – “Views of a Fetus in the Womb”, Leonardo da Vinci ; e daqui com diversos vídeos e textos.
Da Tanzânia para Berlim – nova exposição de dinossáurios
O Museu de História Natural de Berlim reabriu a sua exposição de dinossáurios.
Para bem dos meus pecados, no mês que lá passei em 2006, grande parte do material de saurópodes estava desmontado, facilitando-me a digitalização e estudo de Brachiosaurus, Barosaurus, Plateosaurus e Dicraeosaurus.
A equipa canadiana que os remontou, trabalhava num enorme armazém (mesmo ao lado do arquivos da cinemateca alemã!!!) o que me obrigava a passar o tempo entre as caves do Museu e o dito armazém.
Agora já pode ser vista a fauna proveniente, sobretudo, das jazidas de Tendaguru, Tanzânia.
“Foram os alemães nos anos 20 do séc. XX, em especial expedições lideradas por Janensch, os principais exploradores das jazidas da Tanzânia.”
a). – úmero de Brachiosaurus com Homo sapiens a servir de escala.
b) aspecto do armazém de remontagem; Brachiosaurus remontado (foto Der Spiegel)
Imagens – Luís Azevedo Rodrigues (duas primeiras)
Placentários – e daí?
O Maelestes gobiensis é um mamífero, descoberto em 1997, escavado no deserto de Gobi em rochas com 75 milhões de anos.
“E daí?”
O Maelestes gobiensis não é directo ancestral de qualquer grupo de mamíferos modernos apesar de relacionado com os placentários, grupo ao qual pertencemos.
“E daí?”
Das 5416 espécies actuais de mamíferos, 5080 são mamíferos placentários.
“E daí?”
Paleontólogos utilizaram esta espécie como referencial na comparação morfológica de mais de 60 espécies de mamíferos actuais e fósseis.1
“E daí?”
Os mamíferos placentários, das baleias aos ratos, surgiram1, no hemisfério norte, há pouco mais de 65 milhões de anos – quando os dinossáurios se extinguiram.
“E daí?”Este estudo contradiz um outro2, publicado em Março em baseado no ADN de espécies actuais, que concluía que os modernos placentários tinham surgido antes há 100 milhões de anos – antes do desaparecimento dos dinossáurios.
“E daí?”
Daí, nada…”apenas” mais uma peça no puzzle na evolução dos mamíferos.
Apenas.
Referências
1 J. R. Wible, G. W. Rougier, M. J. Novacek & R. J. Asher Nature 447, 1003-1006 (21 June 2007)
2 Bininda-Emonds, O.R.P., M. Cardillo, K.E. Jones, R.D.E. MacPhee, R.M.D. Beck, R. Grenyer, S.A. Price, R.A. Vos, J.L. Gittleman, and A. Purvis. 2007. The delayed rise of present-day mammals. Nature 446(7135): 507-512.
Ilustrações: Paul Bowden/CMNH
Foto: John Wible/CMNH
Criacionismo e Educação
A ler esta moção do Conselho da Europa sobre os perigos do Criacionismo na Educação.

“Draft Resolution” (perdoem-me a ignorância de terminologia legal…) 11297, que apresenta um texto substancialmente maior e mais abrangente sobre o Criacionismo
Fonte
Fósseis – História e mitos populares
Os fósseis ao longo dos tempos nem sempre foram encarados como registo de uma vida passada que permitem reconstituir tudo aquilo que se passou biologicamente no nosso planeta. Associações dos fósseis a acontecimentos históricos bem como tradições e mitos populares de várias partes do mundo são inúmeros. Alguns deles são aqui referidos.
Fóssil deriva do termo fossilis referido pela primeira vez por Plínio, o Velho (23-79 DC). A sua raiz fossus, particípio passado de fodere (i.e. cavar), significa literalmente “o que se extrai cavando“.
Adrienne Mayor refere no seu livro “The first fossil hunters” que na origem da figura mitológica Grifo estarão estado os dinossáurios. Senão vejamos o seu raciocínio: no séc. VII A.C., os gregos estabelecem contactos com nómadas Saka (exploradores de ouro no deserto de Gobi). Estes povos da Ásia central referiam que existia um monstro protector das reservas de ouro que teria cabeça e asas de águia num corpo de leão – é o nascimento da lenda do grifo na cultura grega. Nos anos 20 do séc. XX são descobertos dinossáurios no deserto de Gobi, um dos quais o Protoceratops – dinossáurio com uma projecção craneal semelhante a um bico.
A enorme semelhança de aspecto entre os restos de Protoceratops e a figura mitológica do grifo poderá explicar que os primeiros gregos (desconhecedores dos dinossáurios) tenham tomado conhecimento do seres do mesozóico muito antes de Richard Owen os definir no séc. XIX.
Outro dos exemplos históricos em que o registo fóssil e a história se cruzam diz respeito a Santo Agostinho (Aurelius Augustinus, 354-430 DC).
Em 413, no seu livro A Cidade de Deus, é referido um molar gigantesco atribuído a um gigante ancestral. Como outros autores até aí, pensava que os fósseis eram o resultado do Dilúvio. Acreditava igualmente que os seres humanos haviam diminuído de tamanho ao longo dos tempos. Esse molar seria um vestígio desses tempos em que os humanos apresentavam um tamanho colossal – hoje sabemos que esse molar não é mais do que o resto fossilizado de um parente dos actuais elefantes.
Em relação a um dos fósseis comuns no registo paleontológico português – belemnites – também existem várias crenças populares. As belemnites são o resto fossilizado de seres marinhos semelhantes a lulas e que habitavam o planeta nos tempos dos dinossáurios. Os restos que são preservados apresentam uma forma cónica, parecida com balas. É a sua forma que contribui para que vários povos expliquem a sua origem de maneiras distintas da real – resto de um ser vivo.
A designação inglesa para belemnite é thunderstone (pedra-de-raio) pois pensava-se que resultavam da queda de um relâmpago. No folclore chinês as belemnites são conhecidas como Jien-shih ou pedras-espada. Na Escandinávia aqueles fósseis são vistos como velas de elfos, gnomos ou de fadas. Nalgumas áreas ainda são actualmente designadas de vateljus que em sueco significa literalmente luzes de gnomo.
Outro modo de explicar o aparecimento de fósseis é a sua atribuição a fenómenos religiosos.
As amonites – moluscos cefalópodes marinhos semelhantes aos Nautilóides, existentes em várias afloramentos do país, exs: Figueira da Foz, Peniche.Na zona de Whitby, Inglaterra, considerava-se que eram restos petrificados de cobras que outrora haviam invadido esta área. A praga havia sido terminada por Santa Hilda (614-680 DC), que as transformou em rochas.
Associadas ao deus egípcio Ammon (representado por vezes com cornos retorcidos, de onde deriva o nome amonites), eram encaradas pelos gregos clássicos como símbolos sagrados capazes de curar mordeduras de cobra, cegueira, esterilidade ou impotência. Alguns romanos acreditavam que podiam prever o futuro se dormissem com uma amonite piritizada sob o travesseiro.
Dentes de tubarão fossilizados (geralmente de Carcharodon) eram utilizados como amuletos contra venenos. As designações tradicionais para estes fósseis incluíam Glossopetrae (língua de pedra), Linguae Melitensis (línguas de Malta) ou Linguae S. Pauli (línguas de São Paulo). Esta última é explicada pela seguinte associação entre um facto bíblico e a consequente exploração popular. Como referido em Actos dos Apóstolos (28:2-7), São Paulo, em Malta, foi mordido por uma cobra. Este atirou-a para a fogueira não tendo sofrido qualquer dano físico.
Como castigo divino as cobras terão perdido o seu veneno bem como os olhos e língua ficando para sempre os vestígios preservados sob a forma petrificada.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 29/09/2005)
Imagens: da Wikipedia, páginas de Belemnites e Amonites.
Rua Cuvier – Paris
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 29/07/2005)
Durante as últimas duas semanas de Julho encontrei-me a estudar as colecções de dinossáurios do Museum National d’Histoire Naturelle (MNHN) em Paris.
Chamou-me a atenção, desde o primeiro dia que aí cheguei, que o MNHN se encontra limitado pelas ruas Cuvier e Buffon. Aparentemente faz todo o sentido esse enquadramento toponímico uma vez serem aqueles dois dos grandes naturalistas gauleses. Cuvier é considerado actualmente um dos fundadores da Paleontologia de Vertebrados (da qual faz parte o estudo dos dinossáurios).
Georges Cuvier (1769-1832) foi contratado para ensinar anatomia em 1785 por Geoffroy Saint-Hilaire, fundador do MNHN, numa época em este museu oferecia uma série de oportunidades a jovens investigadores. Progrediu academicamente tendo obtido a regência daquela cadeira em 1802.
Dizia-me Daniel Goujet, actual responsável pelas colecções do MNHN, que Cuvier criou uma autêntica linha de montagem de dissecação de animais actuais bem como de fósseis que iam sendo recolhidos e trazidos para o museu. A maioria dos fósseis estudados era de vertebrados da bacia de Paris. A análise das estruturas dos diversos esqueletos, permitiu a Cuvier constatar que existiam estruturas nos organismos que se podiam comparar e estabelecer paralelismos, quer ao nível da origem quer ao nível da função.
Os membros anteriores de uma baleia e de um ser humano têm a mesma estrutura e origem, e apesar de terem diferentes funções, constituem estruturas homólogas. Os organismos podem ser assim relacionados com base na sua estrutura interna. Desta maneira se criou os fundamentos da Anatomia Comparada, campo do conhecimento fundamental na paleontologia. Este conjunto de informações obtidas do estudo das estruturas zoológicas pode ser aplicado ao registo fóssil, permitindo estabelecer relações de parentesco entre a diversidade de fósseis.
Por exemplo se um determinado animal apresenta um conjunto de dentes cuja forma, número e disposição é semelhante ao de um actual roedor podemos afirmar que esse animal do passado deveria ter tido o mesmo tipo de alimentação que o actual. Membros de diferentes animais mas com idênticas proporções permitem afirmar, em termos gerais, que esses animais têm o mesmo tipo de locomoção.
Cuvier devido à sua investigação em Anatomia Comparada permitiu que a Paleontologia de Vertebrados tivesse uma das suas principais ferramentas metodológicas.
Não foi unicamente no campo do estudo anatómico que Cuvier se distinguiu. Até aos trabalhos de Cuvier o conceito de extinção não existia. Cuvier ao estudar os restos fossilizados dos Mamutes europeus e dos Mastodontes americanos conseguiu provar que estes animais estavam relacionados com os actuais elefantes e que se haviam extinguido. Esta inferência pode parecer muito elementar mas foi, naquele tempo, uma verdadeira revolução. A extinção das espécies foi referido na sua obra “Discours sur les révolutions de la surface du globe” publicada em 1812.
Cuvier oferecia assim à Paleontologia o seu objecto de estudo. Aquela obra teve implicações filosóficas e teológicas, já que pressupunha que toda a vida na Terra não havia sido sempre a mesma mas, pelo contrário, tinha sofrido alterações e modificações. Essas alterações, segundo Cuvier, foram consequência de eventos catastróficos na história da Terra, seguidos do aparecimento de novas espécies – tinha sido assim formulado o Catastrofismo.
Cuvier introduzira o conceito de extinção que surgia como consequência de cataclismos naturais e em determinados episódios da história da Terra.
Durante os dias em que percorri os espaços outrora de Cuvier não pude de deixar de esboçar um sorriso amarelo quando verifiquei que as galerias de anatomia comparada em que foram desenvolvidos as metodologias da paleontologia são actualmente ocupadas por gabinetes dos serviços administrativos do MNHN…
PATAGÓNIA
“Existem dois motivos para se ir para a Patagónia: a curiosidade ou o lucro.”
George Gaylord Simpson, 1930
Dado que aos paleontólogos o lucro, esse que resulta de um acumular de bens materiais lhes parece estar vedado, somente a curiosidade parece guiar e conduzir a sítios tão inóspitos e inacessíveis como a Patagónia.
Parece que terá sido também a curiosidade, durante a sua famosa viagem no HMS Beagle, a caminho das Galápagos, que terá levado Darwin, em Dezembro de 1833 a desembarcar em terras da Patagónia. Desembarcou em Puerto Deseado, tendo registado no seu diário comentários sobre a natureza do passado geológico desta região.
Darwin concluiu que conchas fósseis que recolheu só poderiam ser encontradas dado, num passado remoto, aquelas paragens terem sido um fundo marinho. As suas observações sobre geomorfologia, geologia do Quaternário e glaciologia da Patagónia e da Terra do Fogo terão provavelmente contribuído para o desenvolvimento da sua teoria evolutiva.
O Museu Nacional de História Natural/Universidade de Lisboa irá participar numa expedição paleontológica na província patagónica de Neuquén durante os meses de Abril e Maio. Será a primeira expedição paleontológica à Patagónia que conatrá com portugueses.
Esta província tem contribuído pelo aumento do conhecimento paleontológico da vida no Mesozóico. Giganotosaurus carolinii, o maior dos dinossáurios carnívoros, foi descoberto em El Chocón, em 1993 por uma equipa de paleontólogos da Universidad Nacional del Comahue e do Museo “Carmen Funes” de Plaza Huincul. Para se ter uma ideia do tamanho gigantesco deste carnívoro, o seu crâneo mede aproximadamente 1,80 metros comprimento, enquanto que o comprimento total do animal se estima em 16 metros.
Os dinossáurios carnívoros mais primitivos que se conhecem – Eoraptor e Herrerasaurus – foram igualmente descobertos na Patagónia. Apresentam características anatómicas que permitem aos paleontógos integrá-los no grupo dos “Senhores do Mesozóico”; foram escavados no oeste da Argentina (formação Ischigualasto) com idade do Triásico superior, cerca de 230 milhões de anos.
Em 1997 foram descobertos ovos com embriões de saurópodes (grupo de dinossáurios de pescoço e cauda compridos) numa jazida designada Auca Mahuevo. Associados aos ovos fossilizados (com mais de 80 milhões de anos) foi possível reconhecer e mapear diversas estruturas identificadas como ninhos. Desta forma confirmou-se que estes dinossáurios apresentavam uma organização social muito complexa, onde existiriam colónias semelhantes às das aves.
Entre os recordes patagónicos conta-se o maior dinossáurio que se conhece e recebeu o nome de Argentinosaurus. Este enorme animal tinha cerca de 40 metros de comprimento podendo atingir as 100 toneladas de peso.
As faunas fósseis argentinas e em especial as da Patagónia, para além das suas particularidades, permitem também aos paleontólogos tentar perceber se existiam as mesmas faunas nos actuais continentes sul-americano, africano e australiano.
Durante grande parte do mesozóico, aqueles continentes encontravam-se unidos numa enorme massa continental a que se dava o nome de Gonduana.
Desta forma, a existência de grupos de dinossáurios semelhantes em continentes actualmente afastados permitem que se perceba como e quando os continentes estavam unidos.
A Patagónia é assim um território ainda inexplorado e que exerce um fascínio enorme no imaginário de grande maioria das pessoas e como se viu com um importante e grande passado geológico.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 15/04/2005)
O Desmontar da Exposição – Museu Carnegie de História Natural (MCHN)
No estudo de colecções de dinossáurios, qualquer paleontólogo sabe que, por melhores que sejam as condições do Museu, se trabalha num ambiente com muito pó. Já trabalhei em diversas colecções paleontológicas e é uma realidade chegar ao fim do dia com o nariz cheio de poeira. Desta vez, no Museu Carnegie de História Natural (MCHN) a poeira era diferente. Uma pequena camada de pó, diferente do que eu até aí tinha observado, cobria os exemplares que estudava. Durante os primeiros dias especulei para mim próprio quais seriam as razões desse tão pouco habitual revestimento. Pensei no tipo de rochas das quais procediam os fósseis que eu estudava, pensei noutras razões, mas nada aparentemente fazia muito sentido.
Yvonne Wilson, preparadora de fósseis do MCHN, explicou-me então que essa camada que polvilhava todos os exemplares não tinha uma origem natural, mas em dezenas de anos de indústria siderúrgica e nos produtos por ela libertados. Pedia-me desculpa e dizia que Pittsburgh sempre tinha sido conhecida por uma cidade suja, no sentido em que se encontrava constantemente tisnada por essa poeira industrial.
Desde há cerca de 30 anos que Pittsburgh tem perdido população. É actualmente uma cidade bastante mais empobrecida do que num passado recente. São as consequências do gradual desaparecimento das indústrias metalúrgicas nos países desenvolvidos.
Poderá parecer um pouco exagero da minha parte, mas desta vez tinham sido os ossos fossilizados a revelarem-me um pouco da história de uma cidade e dos seus habitantes …
Enquanto trabalho com os exemplares de dinossáurios no MCHN, para além de todos os pensamentos científicos que têm que estar presentes, não podia deixar de sentir toda a história de trabalhos de pesquisa, recolha e prospecção feitos nos finais do século XIX e início do século XX.
Foi todo esse esforço que me permite e a outros paleontólogos, actualmente, desenvolvermos a nossa investigação.
Há como que duas histórias a decorrerem no meio deste “filme”: a história biológica dos animais extraordinários que foram os dinossáurios, uma história com mais de 150 milhões de anos; outra, a dos exploradores e investigadores que há mais de 100 anos, fascinados e atraídos pela descoberta, iniciaram uma verdadeira odisseia em busca do entendimento do passado da Terra.
Quando foi inaugurado, no dia 11 de Abril de 1907, o Museu de História Natural Carnegie, na altura Instituto, foi um dos primeiros museus a ter um dinossáurio completo montado e exposto.
O MCHN foi criado por Andrew Carnegie, milionário, que ficou fascinado pelas evidências da vida passada. Durante os últimos cem anos, Carnegie apoiou a ciência e a cultura tendo sido o fundador de uma rede de bibliotecas públicas que actualmente serve a população americana. Para além do já referido museu de História Natural, Carnegie fundou o Museu de Arte Carnegie, o Museu de Ciência e o Museu Andy Warhol, todos em Pittsburgh.
Os dinossáurios foram o “motor de arranque” para toda uma investigação científica que foi, é e (espero) continuará a ser levada a cabo pelo Museu Carnegie de História Natural. Mas a investigação científica não se limitou à paleontologia – paleontologia de mamíferos, botânica, zoologia, genética entre outras foram áreas do conhecimento que beneficiaram do fascínio que os enormes animais exerceram, primeiro sobre Andrew Carnegie, e depois sobre gerações de americanos que visitaram o MCHN.
Tive o prazer e a honra de ser o último investigador a estudar os ossos fossilizados de Apatosaurus e de Diplodocus, tal como estavam montados desde 1907.
No dia em que acabo este artigo inicia-se o desmontar da exposição – nos próximos dois anos, os dinossáurios que “acompanharam” a vida de gerações de americanos vão ser retirados como momento inicial de uma nova exposição paleontológica a ser inaugurada em 2007. Nos próximos dois anos vão “repousar” e ser preparados. Regressarão à exposição segundo os mais recentes conhecimentos paleontológicos (postura, enquadramento ecológico passado, etc).
A renovação ascenderá a 35 milhões de dólares mas como qualquer empreendimento deste tipo levado a cabo nos EUA não deixará de render e trazer dividendos, quer económicos quer científicos.
Não posso deixar de pensar que a divulgação e cultura científica podem render benefícios, não só a longo prazo, por intermédio de uma sociedade cientificamente mais culta, mas também a curto prazo constituíndo mais uma oferta no cada vez maior mercado do lazer.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 18/03/2005)