Cabeças no ar?

Continua o debate entre defensores do posicionamento dos longos pescoços dos dinossáurios saurópodes:

capazes ou não de viverem com essas enormes estruturas erguidas?

O problema biológico é o de o coração destes animais ser capaz de bombear o sangue se estiverem com os longos pescoços erguidos.

Referências:

1 Roger S. Seymour. Sauropods Kept Their Heads Down. Science, 27 March 2009: Vol. 323. no. 5922, pp. 1671-1672, DOI: 10.1126/science.323.5922.1671.

2 KA Stevens, JM Parrish. Neck Posture and Feeding Habits of Two Jurassic Sauropod Dinosaurs. Science 30 April 1999: Vol. 284. no. 5415, pp. 798 – 800 DOI: 10.1126/science.284.5415.798.

3 Roger S. Seymour. Raising the sauropod neck: it costs more to get less Biol Lett 2009 : rsbl.2009.0096v1-rsbl.2009.0096.

Imagens:
Luís Azevedo Rodrigues –
Mamenchisaurus – University of Chengdu Museum, China.
De 3.

Paleo talk ou Miragaia longicollum

Logo após a publicação do artigo científico que descrevia um nada usual estegossáurio, enviei um pequeno questionário ao paleontólogo Octávio Mateus.
Pretendia que Mateus, numa linguagem acessível, descrevesse o Miragaia longicollum bem como a importância deste exemplar para a compreensão da vida passada na Terra.

Aqui está a mini-entrevista ou, como prefiro, uma troca de mails entre paleontólogos:

Ciência Ao Natural (CAN): Como apresentaria este novo dinossáurio ao público?
Octávio Mateus (OM): Como todos os dinossauros estegossauros é um quadrúpede herbívoro, com placas no dorso, espinhos na cauda e membros anteriores curtos. Mas ao contrário dos outros estegossauros, este tem um pescoço invulgarmente longo, com 17 vértebras cervicais, o que representa 10 a mais do que a girafa e o maior número entre todos os dinossauros não-avianos.

CAN: Esqueça que participou nesta descoberta. Como classificaria a importância deste fóssil?
OM: Este fóssil é um dos dinossauros portugueses mais completos e o facto de ser um novo taxon vem reforçar a importância de Portugal no cenário da riqueza mundial de dinossauros. A sua inesperada característica de pescoço longo leva-nos a uma série de questões fascinantes sobre a evolução destes dinossauros. Além disso, o Miragaia longicollum demonstra a plasticidade evolutiva dos dinossauros.

CAN: As semelhanças morfológicas, ao nível do esqueleto do pescoço, entre dois grupos de dinossáurios distintos como os saurópodes e o estegossáurios são evidentes nunca antes registadas. Que podemos inferir destas parecenças, ao nível da evolução dos dinossáurios?
OM: As semelhanças mostram que a convergência evolutiva é tão surpreendente como lógica e expectável. Ou seja, se por um lado ninguém esperava ver um estegossauro com 17 vértebras cervicais e superficialmente parecido a um saurópode, por outro lado, a plasticidade evolutiva associada à necessidade de adaptação ao mesmo ambiente dos saurópodes faz da convergência um processo comum e expectável.

CAN: Qual o dinossáurio que gostaria de descobrir em Portugal? Porquê?
OM: Gostaria de descobrir algo que não estivesse à espera de o fazer. Quanto mais inusitado, mais interessante será. Uma descoberta verdadeiramente inesperada levantaria muitas mais questões científicas e tornaria a paleontologia ainda mais cativante.

CAN: Qual o conselho que daria a um jovem português que gostasse de seguir as “pisadas” de Octávio Mateus?
OM: Sem me considerar um modelo, acho que o desejo de aprender mais sobre história natural é a minha grande motivação. Aconselho a interessarem-se pela história natural e nunca perderem a vontade de estudar.

Referência: Mateus, O., Maidment, S.C.R., and N.A. Christiansen. 2009. A new long-necked ‘sauropod-mimic’ stegosaur and the evolution of the plated dinosaurs. Proceedings of the Royal Society B, first online. DOI 10.1098/rspb.2008.1909.
Imagens: do blog Lusodinos

I Iberian Symposium on Geometric Morphometrics

Há quase cinco anos organizei e co-ministrei um Workshop de Morfometria Geométrica – resumo aqui. Agora é a vez de divulgar o I Iberian Symposium on Geometric Morphometrics, que decorrerá na cidade catalã de Sabadell, entre 23 e 25 de Julho de 2009.
Agradeço o honroso convite da organização para fazer parte da Comissão Científica, especialmente porque esta integra investigadores de excelente nível, como F. James Rohlf (State University of New York), Christian Klingenberg (University of Manchester), Paul O’Higgins (Hull-York Medical School, University of York), Diego Rasskin-Gutman (Universidad de Valência), entre outros.
A Morfometria Geométrica é um conjunto de técnicas de análise de variação da forma orgânica.

The advent of Geometric Morphometrics was claimed as a revolution at the end of the century, and step by step it has grown to become a customary tool to analyze and understand the ultidimensional nature of biological form.
This symposium is organized to gather for the first time all practitioners of the field, as a way to share each one´s knowledge, findings and concerns, but also as a way to begin opening a window for future collaborations.”
(do site do Simpósio)
Um FAQ da Universidade de Viena sobre a Morfometria Geométrica.

Informações:

Página do Simpósio no Instituto Catalão de Paleontologia / Miquel Crusafont (organização):
Mais informações em (segunda circular):
Impresso de registo:
http://www.icp.cat/docs/registration.form_70.pdf

Imagens – dos sites do Simpósio e da Universidade de Viena.

Falar aos trutas…TED

Mais uma das conferências TED.
Por um colega.
O paleontólogo Paul Sereno.
Sobre o passado, dinossáurios, escavações…enfim.

http://video.ted.com/assets/player/swf/EmbedPlayer.swf

Panphagia protos

Já não o incluirei na tese, apesar de ser objecto dela.
Mas que raio…devia haver um período de carência de publicação de novas espécies, especialmente quando fazem parte do nosso objecto de estudo.
Deveríamos entrar num limbo, onde tudo estivesse parado e não fôssemos obrigados a tentar apanhar tudo o que cai do céu com uma sombrinha de cocktail…
Enfim…

Panphagia protos é um sauropodomorfo basal, daqueles que só existem nas primeiras fotos de família…

Referência: Martinez RN, Alcober OA, 2009 A Basal Sauropodomorph (Dinosauria: Saurischia) from the Ischigualasto Formation (Triassic, Carnian) and the Early Evolution of Sauropodomorpha. PLoS ONE 4(2):e4397.doi:10.1371/journal.pone.0004397

Imagens: da referência

Parabéns, pá!


Soltas, no meio da miríade de acções comemorativas:

a influência da Paleontologia na obra de Darwin – Fossils Reveal Truth About Darwin’s Theory”;

inauguração da exposição “A evolução de Darwin”, na Gulbenkian.

Imagens – daqui, daqui

E não falhem a música de Darwin!

II O canário do mineiro

(continuação)

O registo paleontológico conta-nos que, após cada evento deste tipo, se dá um rápido desenvolvimento de novas linhagens biológicas. É comummente aceite que o desaparecimento dos dinossáurios terá facilitado o desenvolvimento e diversificação dos mamíferos. Este pequeno exemplo permite constatar que os acontecimentos de extinção de enormes quantidades de seres vivos facilitaram o desenvolvimento de outros grupos biológicos, entre os quais os próprios seres humanos.

Num inquérito recentemente efectuado entre biólogos, paleontólogos e evolucionistas, sete em cada dez afirmam que está a ocorrer mais uma das grandes extinções – a Sexta Extinção em Massa. Esta extinção tem como principal causa um único ser vivo – Homo sapiens – e será provavelmente a mais devastadora das que a precederam.
São referidos números distintos mas é unânime que os números avançados, em 1993, por E.O. Wilson – que cerca de 30 000 espécies desaparecem por ano – se encontram desactualizados, mas por defeito…

Ao contrário das outras cinco, a Sexta Extinção caracteriza-se por enormes transformações da paisagem, sobreexploração das espécies (animais e vegetais), poluição e introdução de espécies estranhas a determinados ecossistemas (por ex. acácias introduzidas em Portugal).

A redução da diversidade biológica regista-se a uma taxa nunca antes testemunhada no nosso planeta – em quantidade e rapidez com que está a ocorrer. A título de exemplo, entre as cerca de 10 000 espécies de aves que actualmente se conhecem cerca de 1200 estão seriamente em risco de extinção.

Porque devemos então preocupar-mo-nos que uma espécie de anfíbio da América do Sul se extinga?

Para além de nos inquietar a redução do património genético e consequente “ataque” à biodiversidade, esse desaparecimento é uma mensagem especial.

Deve fazer-nos lembrar que esse anfíbio pode ser o nosso Canário do Mineiro, que lhe devemos prestar atenção correndo o risco de, se o não fizermos, colocarmos a vida na Terra num futuro mais do que minado…

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro em Outubro de 2004)

Referências
existe vasta bibliografia referente a extinções em massa; recomendo sobretudo os trabalhos de Douglas Erwin, que há mais 15 anos teve a simpatia e modéstia de responder directamente a uma questão trivial de um estudante de licenciatura sobre …o estudante era eu; a questão tenho pudor em a revelar.

Imagens (dos dois posts e por ordem):
daqui, daqui, daqui, daqui, daqui e, finalmente daqui.

O canário do mineiro I

(recupero um texto publicado em 2004 como consequência da vinda de Niles Eldredge à Gulbenkian, no próximo dia 13 de Fevereiro, para uma palestra integrada na comemoração dos 150 anos da publicação da Origem das espécies de Charles Darwin)

Há cerca de 10 anos, deambulava eu numa livraria de Edimburgo quando encontrei um livro de um dos mais importantes paleontólogos e evolucionistas ainda vivos.

O livro, “The Miner’s Canary. Unravelling the Mysteries of Extinction”, custou-me apenas uma libra e foi escrito por Niles Eldredge.

Este paleontólogo, que em conjunto com Stephen Jay Gould, propôs, na década de 70 do século passado, uma das mais importantes teorias revisionistas da Evolução – o Equilíbrio Pontuado.

O Professor Eldredge trabalha há mais de trinta anos no American Museum of Natural History (AMNH), em Nova Iorque, como Curator de Invertebrados.
Desde o primeiro dia em que cheguei ao AMNH, para desenvolver a minha investigação em dinossáurios, tive o título desse livro a martelar-me na cabeça.

Passava todos os dias pelo corredor onde se localizava o gabinete do Doutor Eldredge e sempre o quis questionar da razão desse esse título…

O título surgiu de uma costume dos mineiros do século XIX e início do século XX. As aves eram transportadas, em gaiolas, para as profundezas da Terra para auxiliarem na detecção de concentrações anormais de gases perigosos (metano, monóxido de carbono, etc.). Quando, devido à actividade mineira, os gases eram libertados, os canários eram os primeiros dar o sinal de alerta, comportando-se de uma forma assustada – deixavam de cantar e ficavam nervosos, chegando mesmo alguns a morrer.

Assim, os mineiros já sabiam que algo de errado se passava com o ambiente de mina, podendo fugir em segurança.

Niles Eldredge utiliza, metaforicamente, essa tradição para nos lembrar que as alterações provocadas na biodiversidade dos actuais ecossistemas pelo Homem têm necessariamente consequências sobre tudo e todos.

Apesar de estarmos familiarizados com a palavra extinção e sermos capazes de identificar as suas causas, extinções e desaparecimentos biológicos em grande escala não são uma novidade na História da Terra.

As Extinções em Massa são acontecimentos em que, num curto espaço de tempo geológico, grande quantidade de formas de vida desaparece a nível planetário.

Fenómenos assim designados foram vários, mas os mais importantes (em quantidade de espécies e número de ecossistema afectados) são cinco:

Ordovícico (440 milhões de anos; desaparecimento de 57% de espécies marinhas, uma vez que a vida em ambientes terrestre ainda não se havia desenvolvido) – a segunda extinção mais devastadora para os ambientes marinhos; um terço de todas as famílias de braquiópodes e briozoários, bem como inúmeras famílias de conodontes, trilobites, graptólitos e corais;

Devónico (370 milhões de anos) Desaparecimento de 75% das espécies marinha entre corais rugosos e várias espécies de trilobites e amonites;

Pérmico/Triásico (250 milhões de anos – 60% de desaparecimento de todas as espécies e 75 a 90% das espécies marinhas). Nesta extinção, por exemplo, desapareceram todas as espécies de trilobites bem como diversos grupos de vertebrados terrestres. Actualmente pensa-se que na sua origem terá estado uma enorme actividade vulcânica. Esta actividade, para além do efeito directo das lavas (cerca de 2000000 km3 (!) em menos de um milhão de anos) terá libertado igualmente uma imensa quantidade de gases para a atmosfera que contribuíram directamente para importantes alterações climáticas. Efeitos indirectos dos gases libertados foram as alterações na composição química, circulação e oxigenação dos oceanos. As mais recentes investigações apontam igualmente para uma possível queda de um meteorito~;

Triásico/Jurássico (200 Milhões de anos – 45% de todas as espécies). Esta extinção é uma das menos conhecidas e terá feito desaparecer, entre outras, grande quantidade de espécies de dinossáurios “primitivos”;
Cretácico/Terciário (65 milhões de anos – 75% de fauna e flora, entre os quais todos os dinossáurios não-avianos e amonites). Esta é uma das extinções melhor estudadas e conhecidas, estando na sua génese o bem conhecido impacto de um meteorito que poderá ter tido como aliados fenómenos de vulcanismo intenso.

(continua 5ª feira dia 22 de Janeiro de 2009)

In the new year

“In the new year” – The Walkmen

http://video.pitchfork.tv/mediaplayer.swf

Paleo Natal

Actores do passado regressam à ribalta:

Austroraptor cabazai, dinossáurio carnívoro, 70 milhões de anos de idade, Argentina

Referências:
Novas, F.E., Pol, D., Canale, J.I., Porfiri, J.D., and Calvo, J.O. (2008). “A bizarre Cretaceous theropod dinosaur from Patagonia and the evolution of Gondwanan dromaeosaurids.” Proceedings of the Royal Society B, doi:10.1098/rspb.2008.1554
Imagens:
contorno e material recolhido de Austroraptor cabazai; posicionamento filogenético de Austroraptor cabazai.
Imagens retiradas do artigo.

Gerrothorax pulcherrimus (Fraas, 1913), temnospondilo, 210 milhões de anos de idade, Gronelândia.

Referências:
Fraas, E. (1913): Neue Labyrinthodonten aus der Schwäbischen Trias. – Palaeontogr., 60: 275-294, 5 Abb., 7 Taf.; Stuttgart.
Imagem:
material fóssil e reconstituição – Reuters.