Ciência e os Media (com um dinossauro pelo meio)

cranio620.jpgO caso é simples (parecia).
Um titanossauro, que é um dinossauro saurópode e como eu (não) me canso de explicar em palestras e visitas “aqueles de cauda e pescoço compridos, herbívoros e quadrúpedes, os maiores entre os maiores…”, foi descoberto no Brasil.
Até aqui nada de extraordinariamente interessante.
O cozinhado mediático começa a apurar quando os paleontólogos afirmam, e ilustram, que este titanossauro apresenta um crânio muito bem conservado, facto que é muito raro neste grupo de saurópodes.
Mesmo raro.
Já babaria se a história não tivesse algo de emblemático dos tempos que correm nas relações entre media e cientistas.
Explico.
Até ser publicado numa revista científica, uma nova espécie de dinossauro está sujeita a um embargo noticioso, aparecendo ao mundo depois de ter visto a luz dos juízes científicos que avaliam a sua importância.
asdear.jpgNo caso deste novo dinossauro, o Tapuisaurus macedoi, o processo foi invertido – o jornal O Estado de São Paulo publicou a notícia (e uma foto, que também ilustra este post) mesmo antes de se saber em que revista iria ser publicada a sua história paleontológica.
Este “sacrilégio” resultou de conversas informais entre os paleontólogos Hussam Zaher e Alberto Carvalho e o jornalista Herton Escobar, tendo este último assegurado seguir os habituais procedimentos: publicar no jornal apenas depois de a publicação científica ter visto a luza do dia e o nome científico ter sido validado.
Mas, ainda falta perceber porquê, a notícia apareceu num canal televisivo brasileiro. E despoletou a publicação pelo jornal, que não queria perder o “furo” noticioso.
sdfgsdf.jpgDepois vieram inúmeros mails públicos para o grupo de discussão de paleontologia de vertebrados, onde recolhi e acompanhei este “drama”, tentando explicar todo o imbróglio.
Resumindo a situação em que nos encontramos:
– os paleontólogos, em geral, e os que trabalham com saurópodes, em particular como é o meu caso, estão a salivar literalmente pelo publicação da descrição científica;
– os investigadores brasileiros devem estar a rezar para que a revista científica, sabe-se agora que será a PLoS One, não cancele a sua publicação, e algo danados com o jornalista;
– o jornalista deverá estar a rezar para que a história acabe bem caso contrário as suas fontes não o contactarão no futuro.
Enfim, uma história paleontológica, com muitos milhões de anos mas que revela também os dramas actuais das relações ciência e media…
Referências:
DINOSAUR Mailing List

Notícia de O Estado de São Paulo

Imagens:
O Estado de São Paulo
e daqui
Update 16/09/2010:
Entrevista de Alberto Carvalho.

A Muda

ECDISE_VESPA_2 (Large).jpgÉ, pouco a pouca muda-se o fato de férias e regressamos (espero) à capa do trabalho.
P.S. na imagem o resultado da muda ou ecdise de uma vespa (?), descoberta ontem enquanto aproveitava a réstia de férias, passeando os cães e comendo amêndoas colhidas directamente da fonte…
Imagem – Luís Azevedo Rodrigues

O Lado Negro da Gravidez

Tudo em ouvir e ver…

Brincadeiras Encenadas

enknygtrrrn.jpgSaio para fumar, já que os livros amontoados nas prateleiras não desejam a poluição.
E, já agora, a bibliotecária também não.
Nas escadas, três catraios andam aos pulos.
Fazem-me sinal para que me afaste.
“Raio dos putos”, resmungo.
“Só me faltava que fossem como o outro…”.
Um que me atacou o cigarro, às portas do Museu de História Natural de Nova Iorque, sob o olhar aprovador do pai radical da saúde.
Não eram.
Pediam-me que me afastasse porque o meu cigarro, e já agora o resto de mim, estavam no seu set de filmagem.
Sim, os catraios, dos seus 10-12 anos, estavam em plena filmagem das suas brincadeiras.
“Vens a correr bué, agarras nas escadas…”, corrimão, deveria querer dizer… “…e saltas com as pernas tipo aquele gajo do filme…”.
Quem assim falava era o mandão.
Uma mão no telemóvel, a outra a coreografar a brincadeira, tudo filmando, apenas variando cada plano.
O puto. Com os outros putos.
Agarrado ao meu vício, observava-os, tentando respeitar a distância que o realizador me havia imposto.
Irra.
As brincadeiras são parecidas com as de outrora, mas estas podem ser vistas e revistas.
E minimalmente, os putos repetiam-nas.
Para uma perfeição exigida pelo YouTube, julgo.
Abandonei o meu companheiro químico e regressei ao poiso.
Os livros estavam nas prateleiras e eu não queria interromper as filmagens.
E muito menos as brincadeiras.
Imagem: Shazeen Samad

Europa Ocupada

eur66060.gifHá momentos que nos remetem para o passado, como se ele, de tão reconhecível e evidente, nos entrasse de novo pela compreensão adentro.
Tal como na década de 40 do século passado, a Europa encontra-se ocupada. No passado que relembro, um exército expansionista alargava a sua influência territorial, empurrando para as franjas da Europa, quem lhe procurava fugir. A ocupação alemã, na Segunda Guerra Mundial, implicou a movimentação maciça de muitos procuravam novos ares.
Portugal constituía, nos anos 40, uma porta de fuga para um novo mundo, liberto de exércitos e impedimentos, de todos os que eram perseguidos ou apanhados pelos acontecimentos bélicos.
Hoje, um novo exército ocupa os céus da Europa, vindo de norte, fechando à sua passagem os caminhos de ida e regresso de milhares de pessoas. Os pós vulcânicos, tal como antes o havia feito um outro exército, empurram muitos para a Península Ibérica.
dreameu_ani.gifAgora, por mera casualidade, Portugal encontra-se de novo na rota dos que tentam fugir, agora de uma nuvem de pó que ocupa grande parte dos países europeus, nuvem que impede as viagens aéreas.
Como há 70 anos, Portugal apenas os vê passar, gente que contorna obstáculos.
Antes, fugiam da guerra.
Hoje, apenas tentam voar, fugindo de outra nuvem.
Imagens:
daqui
e
daqui.

FedEx

Encomenda informativa urgente:
skull-100315-02.jpgNovo anfíbio.
Fóssil.
Descoberto em terrenos do aeroporto de Pittsburgh.
Que pertencem à FedEx.
Em 2004.
Com aproximadamente 300 milhões de primaveras.
Agora descrito e baptizado.
O seu nome?
Fedexia striegeli.
Entregue.
P.S. – sobre nomes científicos patrocinados por vários assuntos ver “Todos os Nomes”
fedexiax-large.jpg
Resto do pacote informativo:
Aqui e aqui.
Imagens:
Mark A. Klingler/Carnegie Museum of Natural History

A Cobra e o Bebé

ResearchBlogging.orgCasos em que um vertebrado é fossilizado durante a sua actividade biológica são raros.
Mas existem alguns – veja-se “O Falso Culpado” ou “O Mamífero Que Comia Dinossáurios”, por exemplo.
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Hoje é publicado na PLoS Biology um caso surpreendente.
Os intervenientes procedem são não só de dois grupos de vertebrados distintos, em associação próxima e com idades distintas, mas sobretudo porque tanto o predador como a presa ficaram impressos na rocha.
Os restos preservados são de uma nova espécie de cobra – Sanajeh indicus ( gen. et sp. nov.), descoberta junto a ovos e crias de dinossauros saurópodes, mais concretamente de um grupo titanosauros – saurópodes muito diversificado no final do Cretácico.
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A cobra, que podia atingir 3.5 metros, encontrava-se enrolada entre os ovos, e a uma distância muito curta dos recém-nascidos, que não apresentavam mais de 50 centímetros.
Quer a cobra como os jovens dinossauros e ovos foram fossilizadas devido à sua cobertura muito rápida por sedimentos, revelando assim que a cobra se encontraria em pleno processo de caça, alimentando-se de ovos e, provavelmente, também de crias de dinossauro.
A análise da Sanajeh indicus revelou que era um membro primitivo dos Macrostomata, embora ainda não apresentasse as características morfológicas típicas daquele grupo, como a capacidade de deslocarem a mandíbula de forma a poderem ingerir presas de grande porte.
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As rochas de que provêm estes fósseis foram descobertas em 1984, junto à povoação de Dholi Dungri, na parte ocidental da Índia. O paleontólogo Jeffrey Wilson, da Universidade do Michigan, procedeu à reanálise em 2001 dos blocos de sedimentos, tendo chegado à conclusão de que as vértebras seriam da nova espécie de serpente agora descrita. Os blocos foram posteriormente levados para o Michigan, onde tratamento e análise posteriores permitiram revelar o que é hoje publicado.
Referências:
Wilson J, Mohabey D, Peters S, Head J (2010) Predation upon hatchling
dinosaurs by a new snake from the Late Cretaceous of India. PLoS Biology 8(3):
e1000322. doi:10.1371/journal.pbio.1000322.

Wilson J, Mohabey D, Peters S, & Head J (2010). Predation upon hatchling dinosaurs by a new snake from the Late Cretaceous of India.
PLoS Biology, 8(3) : 10.1371/journal.pbio.1000322.

Nota:
Por motivos de comodidade de escrita e de compreensão utilizei os termos “cobra” e “serpente” como sinónimos. Esta opção pode induzir em erro os leitores menos familiarizados com a classificação do grupo Serpentes, grupo que apresenta, mesmo para especialistas, inúmeras incertezas ao nível das suas relações basais.
Imagens:
Sculpture by Tyler Keillor and original photography by Ximena Erickson; image modified by Bonnie Miljour. doi:10.1371/journal.pbio.1000321.g001
As outras duas imagens, artigo.

Tento na Língua

Cymothoa exigua_adpat_natureza_radical_mark_caverdine.jpgNenhum dos casos é muito agradável, muito menos para mentes eticamente bem formadas ou estômagos sensíveis.
Ainda assim, encontro-lhes pontos de contacto.
ResearchBlogging.org
O parasita Cymothoa exigua é um crustáceo isópode que actua de maneira singular.
Explico, enquanto se torcem.
Já na boca do peixe, o C. exigua fixa-se na boca do peixe por intermédio de patas semelhantes a ganchos (pereópodes), começando por sugar o sangue dos tecidos da língua, até que esta acaba por atrofiar.
Após o repasto, que pode durar algum tempo, o parasita de até quatro centímetros, passa a alimentar-se do que o peixe ingere, substituindo-lhe a língua por completo.
tongueeater_zoom.jpgCuriosa é a semelhança de forma entre a desaparecida língua do peixe e o recém instalado. Para além de função análoga, já que o parasita desempenha a usurpação lingual com enorme competência, também o aspecto da cavidade bucal do peixe parece quase inalterada. Brusca e Gilligan avançam com a hipótese de que peixes parasitados poderão ter melhor desempenho alimentar que peixes sem língua.
Ou seja, em termos de eficiência, esta relação parasítica parece conceder alguma vantagem sobre patologia ou doenças que afectem a língua de peixes.
Pois…melhor uma língua substituta que nenhuma, parece ser a conclusão.
Quanto ao segundo caso, apenas deixo um vídeo.
Deixo aos leitores o estabelecimento de paralelismos.
A existirem.

Referências:
Brusca, R.C. and Gilligan, M.R. (1983): Tongue replacement in a marine fish (Lutjanus guttatus) by a parasitic isopod (Crustacea: Isopoda). Copeia 813-816.
Brusca, R., & Gilligan, M. (1983). Tongue Replacement in a Marine Fish (Lutjanus guttatus) by a Parasitic Isopod (Crustacea: Isopoda) Copeia, 1983 (3) DOI: 10.2307/1444352
Mark Carwardine. 2005.Natureza radical. Ediouro Publicações Ltda. Rio de Janeiro.
Zimmer, C. 2000. Parasite Rex. Arrow Books. London.

Imagens:
Matthew Gilligan – primeira, adaptada do livro de Mark Carwardine; segunda daqui

Sereno’s Crocodilos

Mais uma excelente monografia sobre a vida na Terra.
Do passado dos Crocodylia, mais concretamente sobre o registo fóssil do Cretácico do Saara.
Kaprosuchus saharicus (Large).jpgDesta vez Paul Sereno é acompanhado por Hans Larsson na escrita de uma obra que vai ser uma referência futura.
Na imagem o novo género e espécie Kaprosuchus saharicus revela uma morfologia craniana e mandibular muito particulares.
A cereja em cima do bolo é que a monografia é grátis e está repleta de excelentes ilustrações e fotografias.
Aqui o PDF.
Abstract
Cretaceous Crocodyliforms from the Sahara
Paul C. Sereno, Hans C. E. Larsson
“Diverse crocodyliforms have been discovered in recent years in Cretaceous rocks on southern landmasses formerly composing Gondwana. We report here on six species from the Sahara with an array of trophic adaptations that significantly deepen our current understanding of African crocodyliform diversity during the Cretaceous period. We describe two of these species (Anatosuchus minor, Araripesuchus wegeneri) from nearly complete skulls and partial articulated skeletons from the Lower Cretaceous Elrhaz Formation (Aptian-Albian) of Niger. The remaining four species (Araripesuchus rattoides sp. n., Kaprosuchus saharicus gen. n. sp. n., Laganosuchus thaumastos gen. n. sp. n., Laganosuchus maghrebensis gen. n. sp. n.) come from contemporaneous Upper Cretaceous formations (Cenomanian) in Niger and Morocco.”
Referência:
Paul C. Sereno, Hans C.E. Larsson. ZooKeys 28: 1-143 (2009) doi: 10.3897/zookeys.28.325
Imagem:
da referência

Spinophorosaurus nigerensis

Um dos dinossauros, recentemente descoberto e publicado, de que irei falar no próximo sábadoSpinophorosaurus nigerensis.
Pena é nenhum português ter participado no trabalho científico…
Spinophorosaurus nigerensis.jpg
Referência (PDF gratuito):
Remes, Kristian, Francisco Ortega, Ignacio Fierro, Ulrich Joger, Ralf Kosma, Jose Manuel Marin Ferrer, for the Project PALDES, for the Niger Project SNHM, Oumarou Amadou Ide, and Abdoulaye Maga. 2009. A new basal sauropod dinosaur from the Middle Jurassic of Niger and the early evolution of Sauropoda. PLoS ONE 4(9):e6924. doi:10.1371/journal.pone.0006924
Imagem:
do paper