Rápidas e promíscuas

 As chitas (Acinonyx jubatus) constituem um dos animais favoritos dos documentários da vida selvagem.
Graciosas, esguias, tornam-se facilmente em heroínas das novelas da vida selvagem.
Para além disso são, se não o mais rápido, um dos animais terrestres mais velozes – atinge como pico de velocidade 112 km/h.
Esta especialização na velocidade acarretou perda de resistência e de robustez – as perseguições raramente duram mais de 15 segundos e escassas centenas de metros.
Socialmente, as chitas apresentam também algumas peculiaridades. Ao contrário de outros felídeos, em que o território ocupado pelos machos excede os das fêmeas, no caso das chitas as fêmeas são verdadeiras “rainhas” territoriais – no parque nacional do Serengueti verifica-se uma média de 833 km2 para as fêmeas contra apenas 37 km2 para os machos. As estratégias dos machos para a preservação de território passam por associação de vários indivíduos, geralmente grupos de irmãos.
Os imensos territórios ocupados pelas fêmeas, quando comparados com os dos machos, parecem facilitar o encontro de parceiros masculinos.
Para além de terem menos território, os machos apenas contactam com as fêmeas durante a época de acasalamento não contribuindo para a alimentação e protecção das crias.
A análise genética das fezes das crias de chita, no Serengueti, permitiu concluir que em cada ninhada a paternidade é múltipla, ou seja, as fêmeas tinham copulado com vários machos.
Este comportamento, poliandria, pode ser justificado para evitar a morte das crias por parte dos machos que não sejam os progenitores.
Por outro lado aumenta a variabilidade genética, potencialmente favorecedora de vantagens evolutivas na descendência.
A poliandria, parece ajudar igualmente a manutenção das coligações de machos pois, mantendo-se em grupos, terão maiores oportunidades de acasalamento.
O acasalamento das chitas é um fenómeno que raramente foi observado na natureza sendo estas conclusões obtidas indirectamente pela análise do património genético das crias.

Fonte: Gottelli D, Wang J, Bashir S & Durant SM (2007) Genetic analysis reveals promiscuity among female cheetahs. Proceedings of the Royal Society of London B doi:10.1098/rspb.2007.0502

Imagens: http://planet-earth.nnm.ru/dikie_koshki_i_kotyata_chast_5_gepard_remake

Divulgar Ciência


Hoje tive uma manhã diferente.
Não porque o que fiz seja raro.
Não é.
É frequente e comum.
O invulgar é fazê-lo para a faixa etária para a qual o fiz. 7 anos.
Os colegas biólogos, geólogos, químicos ou físicos perdoar-me-ão mas parto em vantagem.
Falar de e sobre dinossáurios, bem como de assuntos relacionados, é fácil.
Ou melhor, partimos em vantagem.
Porque as crianças bebem tudo o que dizemos.
Querem saber o como. O quem. O porquê.
Enfim, curiosidade na sua forma mais pura e elementar.
Mas falar e mostrar o que faço, porque tenho a mim apontado essa curiosidade bruta é igualmente penoso.
Porque a curiosidade não perdoa. Não tem contemplações. Não cede.
É fria, de tão pura.
Apenas quer saber.
Assim é a Ciência.
E deixou-me feliz.
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Quanta Vida por descobrir…


Descobertas no Suriname 24 novas espécies de animais, entre anfíbios, insectos e peixes.
Duas notas curiosas, ou talvez não:
-um dos anfíbios apresenta pigmentação fluorescente;
-a descoberta surgiu da actividade de prospecção mineral de bauxite, para obtenção de alumínio.

Imagens: Atelopus; peixe-gato; Daceton armigerum
Fonte

Gralha fumada

Vai ser proibido fumar na maioria dos locais públicos.
Felizmente, e no meio da cruzada da saúde, parece haver um ser vivo capaz de utilizar o tabaco.
Foram observadas gralhas-calva (Corvus frugilegus) com, no mínimo, comportamentos pouco recomendáveis na sociedade actual.
Em Devon, Inglaterra, foi descrito que aquelas aves utilizavam as pontas de cigarro ainda acesas e se colocavam sobre elas.
Este comportamento pouco ortodoxo parece ter o objectivo de um desparasitante natural, funcionado o fumo como “princípio activo” para tal actividade.
Fumadores, e da próxima vez que nos colocarem fora de um bar ou similar, resta-nos invocar que nos estamos a desparasitar!
Bem, talvez não seja boa ideia…

Fonte

Patas para que vos quero!

“Tira daí as patas!”, grita um qualquer mamífero de forma semi-agressiva.

Mas e se fosse um peixe?
“Dois belos pés!” afirma o comentador desportivo, numa tarde de futebol.
Nós temos. Os peixes não.
A “simples” diferença na forma do esqueleto, como ter “mãos” e “pés” ou autópodes, carrega uma importante história evolutiva desde os peixes até aos animais como nós.
Ao segurar um jornal, o leitor está, em termos evolutivos, a utilizar uma barbatana muito complexa e evoluída, e pertence a um grupo de vertebrados chamados tetrápodes, animais com quatro membros, que incluem animais como os mamíferos, aves, répteis e anfíbios.
O aparecimento dos ossos dos dedos em alguns anfíbios deveria ser resultado de nova “maquinaria” genética, pois todas as estruturas orgânicas são o resultado da informação que está contida nos genes. Será assim?
Um estudo publicado, a 24 de Maio, na revista Nature, refere que os genes necessários à formação dos dedos das “mãos” e “pés” dos tetrápodes têm uma história que remonta há 360 milhões de anos ou seja antes de os animais terem feito a “invasão” da terra. O estudo molecular dos genes HoxD (genes reguladores do desenvolvimento em diferentes organismos e áreas do corpo, concretamente no desenvolvimento do esqueleto apendicular, i.e., dos membros) vem mostrar que o património genético necessário já estava presente em peixes primitivos como o actual peixe actinopterígeo Polyodon spathula, considerado um autêntico fóssil vivo.
A análise genética deste animal permitiu afinar as informações paleontológicas com as da biologia do desenvolvimento, possibilitando que estas analisassem dados genéticos de peixes menos “evoluídos” – os actinopterígeos – e os comparassem com os dos tetrápodes. Tradicionalmente, estas análises eram efectuadas em peixes mais “evoluídos”, os teleósteos.
Os estudos paleontológicos em exemplares de transição morfológica entre peixes e animais com verdadeiros membros locomotores deixavam em aberto a possibilidade daquela “revolução” evolutiva se ter dado de uma forma rápida em termos de tempo geológico mas o Polyodon revelou que o património genético que permitiu o aparecimento de verdadeiras patas é mais antigo do que se suponha.
Fundamental para se compreender esta “novela” científica é o conhecimento dos fósseis de transição deste trajecto evolutivo.
Os “fotogramas” que permitem visualizar as alterações morfológicas entre as barbatanas e verdadeiros membros locomotores são vários. Conhecia-se já há algum tempo a parte mais inicial do “filme” – os peixes Eusthenopteron e Panderichthys – e a mais avançada – os anfíbios do Devónico superior como Acanthostega e Ichthyostega. Recentemente foi descoberto mais um “fotograma” – o peixe Tiktaalik; este, apresenta um mosaico de características morfológicas antigas e modernas, no trajecto evolutivo para o aparecimento de verdadeiros autópodes.
Algumas curiosidades morfológicas destes “primos” afastados: Ichtyostega possuía sete dedos em cada pata; o Acanthostega, oito. Desculpem mas não resisto a dizer: “vão-se as barbatanas mas fiquem os dedos!”.
Da próxima vez que um qualquer criacionista falar em falta de fósseis de transição nada como descrever estes belos nomes – Eusthenopteron, Panderichthys, Acanthostega, Tiktaalik e Ichthyostega!
Um outro estudo, de 2006 e desta vez embriológico, levado a cabo em Barcelona, permitiu analisar o processo de formação e disposição de dois ossos do pé em embriões humanos – o calcâneo (osso que constitui o nosso calcanhar) e o astrágalo, ambos ossos do pé.
Foram descritas semelhanças morfológicas entre um embrião humano de 33 dias, nas extremidades inferiores, com barbatanas; aos 54 dias o calcâneo e o astrágalo estão localizados no mesmo preciso local que em Bauria cynops, um réptil mamaliforme que viveu há 260 milhões de anos. As semelhanças anatómicas de posicionamento às 8 semanas e meia dos ossos referidos são enormes entre o embrião humano e a espécie fóssil Diademodon, que viveu há 230 milhões de anos.
Os autores deste estudo afirmam, que nesta fase, o posicionamento, e consequências ao nível da locomoção, dos ossos analisados estão a meio “caminho” entre répteis e mamíferos. Este tipo de análises incrementa o conhecimento morfológico efectuado por vários autores no séc. XIX, mesmo antes de Darwin publicar a sua obra magna, como Karl Ernst von Baer (1792-1876), que notou semelhanças morfológicas entre embriões de grupos diferentes. Conta a “tradição”, que von Baer, trabalhava no seu gabinete, e encontrou dois frascos com embriões de aves e lagartos; sem rótulos, não os pôde distinguir à primeira vista…

Von Baer propôs que estádios embrionário iniciais conservavam padrões morfológicos comuns a vária espécies sendo os estádios mais avançados reveladores de divergência morfológica – as similitudes observadas entre embriões humanos e espécies do passado comprovam que anda bem que os frascos de von Baer deveriam ter os rótulos! Resumindo: espécies que divergem morfologicamente em estádios mais iniciais irão ser morfologicamente mais distintas em estádios adultos.

Von Baer foi pioneiro nas propostas que fez ao nível do desenvolvimento embrionário sendo o seu trabalho basilar numa das áreas mais importantes das Biologia actual – a evolução e o desenvolvimento, Evo-Devo.
De tudo o que vimos só me resta afirmar que a as teorias evolutivas que explicam o nosso trajecto na história da Terra têm cada vez mais “pés para andar…!”
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 31/5/2007)
BIBLIOGRAFIA
Carroll, R.L., Irwin J. & Green, D.M. 2005. Thermal physiology and the origin of terrestriality in vertebrates. Zool. J. Linn. Soc. 143: 345-358.

Carroll, S. B. 2005. Endless Forms Most Beautiful: The New Science of Evo Devo and the Making of the Animal Kingdom, W. W. Norton & Company.

Davis, M.C. et al. 2007. An autopodial-like pattern of Hox expression in the fins of a basal actinop
terygian fish. Nature 447: 473-476.

Evo-Devo – http://www.pnas.org/cgi/content/full/97/9/4424

Goodwin, B. 1994. How the Leopard Changed its Spots, Phoenix Giants.

Isidro, A. & Vazquez, M.T. 2006. Phylogenetic and ontogenetic parallelisms on talo-calcaneal superposition. The Foot 16, 1-15.

FIGURAS:
Carroll, R.L., Irwin J. & Green, D.M. 2005. Thermal physiology and the origin of terrestriality in vertebrates. Zool. J. Linn. Soc. 143: 345-358.
Clack, J. 2002. An early tetrapod from Romer’s Gap, Nature 418, 72 – 76.

Horder, T.J
. 2006. Gavin Rylands de Beer: how embryology foreshadowed the dilemmas of the genome. Nat Rev Genet. 7(11):892-8.

Borboletas desde o tempo dos Dinos

Uma exposição no Museu Nacional de História Natural.
Para quem gosta de borboleteas. E de dinossáurios.
E de borboletas desde os tempos dos dinossáurios…

Mitos em NY


Uma nova exposição no AMNH.
E texto antigo da relação fósseis e mitos.
Ou vice-versa.
Para maiores detalhes o excelente livro de Adrienne MayorThe First Fossil Hunters: Paleontology in Greek and Roman Times (Princeton University Press 2000)”

Para o Verão…

Daqui…

PATAS E GENES

Este estudo vem evidenciar que os genes envolvidos no desenvolvimento e aparição evolutiva dos autópodes (partes do esqueleto os carpos, metacarpos, metatarsos, metacarpos e falanges, resumindo, o ossos das “mãos” e “pés” de mamíferos, aves, répteis e anfíbios – os tetrápodes) já se encontravam no património genético há mais tempo do que quando se deu a transição para o ambiente terrestre..

Os estudos paleontológicos em exemplares de transição morfológica entre peixes, anfíbios e animais com verdadeiros membros locomotores deixavam em aberto a possibilidade daquela “revolução” evolutiva se ter dado de uma forma rápida em termos de tempo geológico – ver estudos em Acanthostega, Tiktaalik e Ichthyostega.

Este estudo molecular dos genes Hox (genes fundamentais reguladores do desenvolvimento em diferentes organismos e áreas do corpo, nomeadamente no desenvolvimento do esqueleto apendicular, ie, dos membros) vem mostrar que a “maquinaria” molecular necessária já estava presente. O que faltaria seriam apenas as condições ecológicas necessárias à sua verdadeira expressão.

Voltarei a este assunto mais tarde…

An autopodial-like pattern of Hox expression in the fins of a basal actinopterygian fish

Marcus C. Davis1, Randall D. Dahn1 & Neil H. Shubin1,2 Nature 447, 473-476 (24 May 2007)

Comparative analyses of Hox gene expression and regulation in teleost fish and tetrapods support the long-entrenched notion that the distal region of tetrapod limbs, containing the wrist, ankle and digits, is an evolutionary novelty. Data from fossils support the notion that the unique features of tetrapod limbs were assembled over evolutionary time in the paired fins of fish.

The challenge in linking developmental and palaeontological approaches has been that developmental data for fins and limbs compare only highly derived teleosts and tetrapods; what is lacking are data from extant taxa that retain greater portions of the fin skeletal morphology considered primitive to all bony fish. Here, we report on the expression and function of genes implicated in the origin of the autopod in a basal actinopterygian, Polyodon spathula. Polyodon exhibits a late-phase, inverted collinear expression of 5′ HoxD genes, a pattern of expression long considered a developmental hallmark of the autopod and shown in tetrapods to be controlled by a ‘digit enhancer’ region. These data show that aspects of the development of the autopod are primitive to tetrapods and that the origin of digits entailed the redeployment of ancient patterns of gene activity.

(Figuras : Heredity (2006) 97, 235-243. doi:10.1038/sj.hdy.6800872; published online 26 July 2006 Building divergent body plans with similar genetic pathways B J Swalla; http://en.wikipedia.org/wiki/Image:Fishapods.jpg)

Destapar a poesia das coisas

Como (quase) todos os dias começo por me deleitar com as palavras e histórias do Fernando Alves no “Sinais” na TSF.

O Fernando tem o que é imprescindível a qualquer cientista – a curiosidade e o poder da observação.

Alia essas características ao dom de manejar as palavras numa teia que prende e vicia, conduzindo-nos a ela por voz reconhecível.

Quando uma vez quis falar comigo, por motivos profissionais, fiquei mais nervoso do que em muitos congressos.
Mas acabei por fazê-lo.

Hoje, uma vez mais, o destapar a poesia das coisas como só ele o faz.
(fotos – REUTERS/Stringer; site TSF)