Todos os Nomes*
Nomear e classificar são actos intrinsecamente humanos. Chamamos as coisas pelos nomes para as discriminar, mas esse acto acrescenta algo mais do que a mera nomeação da coisa.
“Não me chames nomes!”, dizia-me um colega de escola para não ser ofendido; “Isso não se diz!”, corrigia a minha mãe quando eu apelidava, com várias intenções, alguém de quem não gostava.
A classificação dos seres vivos, quer actuais quer os do registo fóssil, obedece a regras precisas com o objectivo de não gerar equívocos e mal-entendidos na comunicação científica.
Utilizando várias fontes online, todas baseadas na “bíblia” da nomenclatura dos animais – o ICZN (International Code of Zoological Nomenclature), dediquei algum tempo à pesquisa de nomes inusitados com que alguns animais têm sido nomeados.
Não poderia deixar de começar com uma personagem fóssil que tem estado ligada à minha vida profissional – o Apatosaurus louisae. Este dinossáurio saurópode americano foi dos primeiros a ser descoberto e montado numa exposição, nos finais do séc. XIX. O mecenas das escavações e trabalho científico, Andrew Carnegie, tinha como esposa a senhora Louise, sendo esta a musa inspiradora para o nome do grande animal.
Mas a homenagem dos paleontólogos não se ficou pela patroa; também o senhor Carnegie teve direito ao seu quinhão – Diplodocus carnegii – outro saurópode, sendo assim apelidado para preservar o nome do chefe. Não morder a mão que nos alimenta e abençoar o seu nome devia ser a moral da história…
Ainda no mundo dos dinossáurios de referir o Masiakasaurus knopfleri, um carnívoro descoberto em Madagáscar. A história do baptismo é conhecida mas foi-me contada na primeira pessoa por um dos autores, Catherine Foster. Justificou-me ela que ouviam a música dos Dire Straits, cujo vocalista é Mark Knopfler, quando descobriram o sáurio. Espero estar ouvir Amália da próxima vez que estiver a escavar, pensei eu na altura. E não é que existem pelo menos 13 animais com o nome “amalia”, entre aves, moluscos e insectos?
Outro dos ícones portugueses, o Pantera Negra, entra no nome científico de dois animais – Libellula eusebioi (uma libélula fóssil) e um ácaro das Filipinas, Dolicheremaeus eusebioi.
Aproxima-se o importuno Dia dos Namorados mas nada como relembrarmos o Bela eva, um gastrópode de Moçambique. Que nome bonito e adequado para a nossa cara-metade. Bem, a menos que ela seja uma malacologista – estudiosa de gastrópodes e bivalves – pois nesse caso não achará grande originalidade ao nosso piropo conjugal. Mas podemos sempre atirar-lhe com Amoraster – ouriço-do-mar do Miocénico da Austrália. Quem feio escuta, bonito lhe parece, pelo menos nesta situação.
Há 470 milhões de anos, quando fossilizou, o equinoderme primitivo Delgadocrinus oportovinum mal imaginava que teria o seu baptismo científico associado ao produto agrícola mais famoso de Portugal – o Vinho do Porto. Pois foi isto que a equipa liderada por um paleontólogo da UTAD fez; a justificação para a designação da nova espécie assenta na sua morfologia já que esta faz lembrar um cálice do néctar duriense, sendo a primeira parte do nome uma “vénia” ao geólogo Nery Delgado, responsável pelas primeiras recolhas de material.
Se os paleontólogos puderem ter algum apoio do sector vinícola, é ouro sobre…um Porto de Honra!
” ****, seu **** “, são nomes que não posso repetir e que apelidam o senhor do apito que corre de calções, com outros senhores que pontapeiam uma bola; mas quando “joga” o Taedia benfica – insecto pertencente à família Miridae e descrita por cientistas brasileiros, não me parece que haja muitos protestos, salvo se estivermos para os lados das Antas ou Alvalade.
O prémio para nome contraditório poderia perfeitamente ser atribuído à Boa canina – um réptil da ordem Serpentes; esta besta, que mata por estrangulamento, de boa não tem nada, pelo menos para as suas vítimas; e de canino, talvez apenas a fidelidade ao seus instintos.
Já o Turanogryllus mau – um grilo africano – pode invocar que tem a reputação manchada pelo nome científico que lhe calhou na rifa…
O mundo da Internet já serviu igualmente de inspiração ao “negócio” de alcunhar animais. A Proceratium google é uma formiga de Madagáscar, descrita em 2005 e, justificam os investigadores, tem a particularidade de saber procurar muito bem as suas presas, tal como o seu homónimo informático.
A lista de nomes é imensa, mas finalizo com Libellago finalis – uma libelinha.
Assim, acho que ainda tenho tempo para agarrar La cerveza – uma traça norte-americana.
*Uma sincera homenagem à obra homónima de José Saramago.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 15/2/2007)