Mala vazia com pão

Acabava de ser atendida. A velhota arrumava os papéis que a funcionária dos correios lhe havia dado.
“Ainda lha roubam”, disse eu. Que não deixasse a mala abandonada no banco que estava a meu lado. Era perigoso.
Voltou-se e sorriu.
A cobrir a cabeça um lenço, estranhamente colorido para quem tem aquela provecta idade, ainda deixava ver os óculos desanimados no nariz.
“Não tem nada, está vazia, menino…”, desculpou-se perante a minha preocupação, enquanto me mostrava o íntimo da mala.
Lá dentro apenas um pão embrulhado em saco de plástico transparente. Um arrepio de vergonha, pela intimidade exposta, correu-me de alto a baixo.
Apenas uma mala vazia com pão.
E ninguém lhe roubaria o pão.
As cartas que necessitava enviar roubaram-me a mais conjecturas e vergonhas, enquanto a velhota saía.
De regresso ao Museu, parei por instantes na banca de um vendedor ambulante de livros usados, no Príncipe Real.
Desliga-me o cérebro, como costumo dizer, e dá-me prazer o caçar livros.
“O senhor desculpe?”. Olhei para o lado mas não era a mim que se dirigia.
A mesma velhota do correio.
“O senhor desculpe, mas sabe a que horas vem o seu colega?”, insistia com o vendedor ambulante.
” Não sei, minha senhora. Não sei nem quero saber!”, respondeu ele de forma seca, deixando perceber que não nutria pelos seus colegas de transacção bibliográfica uma especial simpatia.
“O senhor desculpe, mas sabe a que horas vem o seu colega? É que eu trouxe um bocado de pão para um cãozinho que ele tem.”

Imagem – Elliott Erwitt/Magnum Photos