Ética do Cuidado

“Não há, em verdade, sequer a possibilidade de sobrevivência de nossa espécie sem cuidado parental. O fato de a filosofia moral tradicional ter negligenciado elementos como o cuidado se deveria em parte a tal tarefa ser tomada como algo absolutamente natural – embora exercida em maior parte, tradicionalmente, por grupos sociais específicos, como mulheres” (Juliana Missagia, comentando Noddings 1986)

Como os diferentes modos de ser mulher impactam o desenvolvimento moral dos indivíduos e coletividades que compõem a espécie humana? De que modo o cuidado de outros seres humanos, invariavelmente realizado por mulheres ao longo dos milênios, aparece nas elaborações teóricas sobre a moralidade?

Até a publicação de Uma voz diferente, originalmente publicado por Carol Gilligan em 1982 e traduzido para o português em 1990, essa questão não fora sequer colocada. As teorias tradicionais do desenvolvimento moral – cujo epítome contemporâneo são os trabalhos de Lawrence Kohlberg – tendiam a ignorar as vivências de mulheres, em especial as vivências relativas ao trabalho de cuidar dos outros, na caracterização das diferentes fases da moralidade que um ser humano experiencia.  Mais do que isso, tais abordagens implicavam a conclusão de que mulheres não são aptas a alcançar o estágio de pleno amadurecimento moral. Uma crítica feminista aos pressupostos metodológicos que autorizam esse tipo de conclusão está na origem da ética do cuidado, cujas principais ideias são apresentadas por Juliana Missagia no verbete sobre o tema.

De uma parte, Missagia delineia histórica e conceitualmente os traços mais prementes deste campo de estudos, tão ou mais importante do que qualquer outro estudo ético no momento em que milhões de seres humanos necessitam de cuidados mútuos como poucas vezes na nossa história. De outra parte, não escapam à autora as críticas elaboradas às formulações das pioneiras da ética do cuidado por parte de feministas mais atentas aos aspectos sociais das interações morais (como Sheila Benhabib e Catharine MacKinnon), de autoras ligadas ao feminismo lésbico (como Sara Lucia Hoagland e Claudia Card), bem como autoras do feminismo latino (como Fiona Williams), do feminismo negro e ainda outras.

Para uma excelente visão de conjunto das críticas e das refazendas interseccionais da ética do cuidado, confira o verbete dedicado ao tema – ele pode ser imaginado como uma iluminada janela pela qual podemos ver e refletir sobre o papel vital do cuidado para a formação de nossos “eus” e nossos “nós”. E sobre quem e por que os desempenham(os). Leia aqui o verbete. E veja a entrevista realizada posteriormente, aqui.

Juliana Oliveira Missagia é Doutora em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), tendo realizado um estágio doutoral na Albert-Ludwigs-Universität Freiburg como bolsista PDSE. É professora do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria, onde realiza suas pesquisas nas áreas de Fenomenologia, Existencialismo e Ética, com especial ênfase no campo da ética do cuidado.

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