A Humanidade não merece ir à Lua (II)
Continuando a série iniciada ontem, começamos aqui com dois outros feitos tecnológicos, mas a história desta vez não é tão feliz e inspiradora. À esquerda temos o Concorde, à direita o B-52. Ambos descendentes do primeiro avião – embora devam mais a Santos Dumont que aos irmãos Wright, mas esta é outra história. Ambos são feitos tecnológicos notáveis.
Desde que entrou em operação em 1976 até sua aposentadoria em 2003, você, cidadão comum – e razoavelmente abastado –, poderia comprar uma passagem do Concorde e cruzar o Atlântico a mais de duas vezes a velocidade do som, sentado confortavelmente bebendo champanhe. Grite “Uau!” e saiba que você poderia chegar até o ouvido mais próximo duas vezes mais rápido que o seu grito. Sentado e bebendo champanhe. “Uau!”.
E, no entanto, hoje já não se pode mais fazer isto. Com pouco mais de dez mil dólares ainda é possível comprar um passeio em um caça supersônico russo, mas não é a mesma coisa. Não se poderá beber champanhe, por exemplo. E que seja um avião caça, militar, nos leva ao bombardeiro B-52.
Desenvolvido a partir de 1952 e introduzido em serviço em 1955, o B-52 ainda é uma das principais aeronaves da Força Aérea dos Estados Unidos. Usado no Vietnã, nas duas guerras do Iraque e no Afeganistão, ele está muito longe de ser aposentado. Em verdade, os militares americanos planejam manter este avião subsônico em serviço pelo menos até o ano de 2040 (!). Seriam mais de 80 anos voando e despejando bombas pelo planeta, mais tempo do que o que levou do Flyer dos irmãos Wright à potência dos foguetes do Saturno V.
Se a foto do reflexo do Flyer no traje de Armstrong representa o imenso progresso tecnológico de que somos capazes, o B-52 é um símbolo concreto de estagnação. Resulta, no entanto, que ambos têm muito mais em comum do que se gostaria.
O motivo pelo qual este bombardeiro ainda está em serviço não é devido à nossa incapacidade de criar bombardeiros mais avançados. Pelo contrário, novas formas de lançar bombas têm sido desenvolvidas constantemente. Em 1964, há mais de quarenta anos e antes que pisássemos na Lua, já se havia criado o protótipo XB-70 Valkyrie, um bombardeiro com capacidade para toneladas de armas, capaz de voar a Mach 3, mais rápido que o próprio Concorde criado anos depois. Outras aeronaves como o B-1 ou o B-2, ainda em serviço, representam os avanços aeronáuticos que continuaram desde a introdução do B-52 há mais de meio século. Não é a ausência de tecnologia que faz com que este dinossauro voe até 2040.
“É a economia, estúpido”, bradou a campanha de Bill Clinton contra George Bush pai em 1992. Clinton ganhou. Bombardeiros B-52 são baratos, e funcionam bem para jogar bombas ao redor do mundo. Eles ganharam. Se a União Soviética não houvesse se dissolvido e a corrida armamentista desenfreada ainda estivesse em curso, é provável que o B-52 já tivesse sido aposentado em favor de algo mais moderno. Mas não por coincidência, a União Soviética também ruiu em grande parte por causa do fracasso de sua economia.
Economia também é o que levou à aposentadoria do Concorde em 2003. Apenas 20 unidades foram construídas nos quase trinta anos de serviço, muito menos do que o planejado. E a própria história do desenvolvimento do Concorde é ilustrativa do que se pretende discutir aqui.
Criar uma grande aeronave comercial supersônica não era nem nunca foi barato, e pelo visto, jamais foi economicamente viável. Diversos países se aventuraram, mas todos desistiram… por causa da economia. Houve apenas duas exceções: o próprio Concorde, e então o soviético Tupolev Tu-144, desenvolvido às pressas pelos soviéticos como resposta ao projeto ocidental e aposentado igualmente às pressas, por mostrar-se operacionalmente inviável.
É notável que tanto o Tupolev quanto o Concorde possam ser vistos como resultados de disputas. Como já mencionado, o projeto soviético opunha-se ao do Concorde e foi um vergonhoso fracasso. A surpresa é que o próprio projeto ocidental não foi uma cooperação tão feliz, e a infelicidade da parceria entre Reino Unido e França pode ser mesmo o motivo de seu sucesso. Ou fracasso, dependendo do ponto de vista.
Quando franceses e ingleses firmaram o acordo de desenvolvimento do Concorde, este incluía a condição de que caso qualquer dos países abandonasse o compromisso, teria que pagar pesadas multas ao outro. Isso se tornaria um pesadelo aos políticos responsáveis nos dois países porque o desenvolvimento estourou todos os orçamentos previstos, mas abandonar o acordo ainda sairia mais caro que empurrá-lo com a barriga e continuar investindo.
Ao final, o Concorde foi levado até o final a um custo seis vezes maior do que o previsto. Nenhuma companhia aérea além de British Airways e Air France comprou unidades, e as duas companhias só adquiriram suas unidades porque as receberam por generosos financiamentos. Quase todas as rotas iniciais foram canceladas. Foram bilhões de investimento público em aviões comerciais supersônicos que tudo indica não terem sequer rendido o suficiente para cobrir tal gasto.
O que isso tem a ver com o B-52 e a Lua? No próximo texto da série.
A Humanidade não merece ir à Lua (I)
Reconhece a imagem acima? Está um tanto distorcida, mas é o Flyer dos irmãos Wright, o primeiro avião a voar em 17 de dezembro de 1903. A razão da pequena distorção é singela: o Flyer está sendo visto como um reflexo dourado em uma réplica do traje lunar de Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na Lua em 20 de julho de 1969.
O reflexo no visor recoberto de ouro, em um breve encontro do Flyer original e da réplica do traje de Armstrong, se deu brevemente no ano passado, permitindo a estupenda fotografia repleta de significado. Como destacou a revista Air and Space, apenas 65 anos e meio separam o primeiro avião do primeiro pouso na Lua, ilustrando a rapidez com que fomos de um pequeno vôo a um gigantesco salto. Das asas de pano aos trajes multi-camada capazes de suportar variações de temperatura de centenas de graus e proteger um ser humano em outro mundo. Das dezenas de metros do primeiro vôo, aos quase 400.000 km que nos separam do satélite natural.
“Imagine nascer em 17 de dezembro de 1890, em um mundo onde os esforços para o vôo motorizado não tinham ido a lugar algum em toda história humana. Em seu aniversário de 13 anos, os humanos finalmente solucionam o enigma de voar. E quando você alcançasse os 79 anos e meio, humanos pisariam na Lua. Coisa pouca, não?”.
Como não se orgulhar disto? Apesar de todas nossas limitações, fomos capazes de em menos de três gerações não só conquistar o vôo dos pássaros, como realizar um feito que até onde sabemos nenhum ser vivo, terrestre ou não, realizou em bilhões de anos. Não existem pássaros capazes de ir à Lua. Pisar na Lua representou o ápice daquilo que nos faz humanos, daquilo que podemos fazer e que, até onde sabemos, ninguém nem nada mais pode fazer.
Se não formos nós a colonizar outros planetas, não há evidência de que a natureza colonize com vida abundante o sistema solar, muito menos outros sistemas estelares. De fato, é possível que outros planetas no sistema solar como Marte já tenham abrigado vida, mas hoje ela mal se faz presente, se é que ainda existe. A terceira grande rocha a partir do Sol é o único local onde conhecemos vida, e vida com uma diversidade incrível.
Incluindo aí uma espécie capaz de visitar outros mundos não através de alguma característica biológica especial desenvolvida pela evolução em bilhões de anos. Nada contra os pássaros e seu vôo. Mas somos capazes de feitos concretizados por tecnologia, que transforma em 65 anos um avião de madeira e pano que mal se sustenta no ar em um foguete de 100 metros de altura e mais de 3.000 toneladas capaz de lançar 47 destas em órbita de outro mundo.
Podemos isto porque somos humanos, e se há algo com que se orgulhar em ser humano, é lembrar do que fizemos, do que pudemos e principalmente, do que podemos fazer. Não se pode enfatizar o quanto de mais valoroso o sucesso do projeto Apollo representa, as conquistas são intermináveis.
Depois de todo este entusiasmo, no entanto, no próximo texto tentarei explicar por que o projeto Apollo também representa por que não merecemos ir à Lua, em uma série de textos aqui em 100nexos com algumas reflexões sobre o cancelamento do projeto americano de retornar à Lua noticiado recentemente. [imagem via cgr v2.0]
A dança das estrelas vagantes
Mais conhecidas como planetas. O professor David Colarusso oferece uma simulação da dança do Sol e cinco planetas pelo céu, uma visão clara que permite perceber Mercúrio girando freneticamente ao redor do astro-rei ou os movimentos retrógrados, que motivaram os epiciclos Ptolemaicos (de Homer Simpson?). E há muito, muito mais que pode ser descoberto a partir dessa simulação.
Colarusso promove a ferramenta como um instrumento pedagógico, através do qual você, pai, professor, educador, poderá criar um sistema solar personalizado para que cada aluno acompanhe de um a cinco planetas ao longo de suas trajetórias. “Será que postularão um universo heliocêntrico, ou descobrirão a lei das elipses? Trabalhando com dados hipotéticos do sistema solar, você pode garantir que seus estudantes não tomem nenhum ‘atalho’ para terminar sua lição de casa”, sugere o professor, que ainda explica como solucionar as equações de Kepler.
Com algum esforço, cada aluno poderá dar por si mesmo os gigantescos saltos intelectuais que permitiram descobrir nossa posição no Universo. [via cgr v2.0]
O Universo Conhecido
São imagens poderosas, afinal, é todo O Universo Conhecido, um filme produzido pelo Museu Americano de História Natural em uma viagem do monte Everest e as gargantas do rio Ganges até os limites de todo o cosmo conhecido.
No caminho, enquanto nos afastamos do planeta vemos o azul profundo do Pacífico, a Terra como um todo, as órbitas de milhares de satélites que lançamos em órbitas baixas e então um anel daqueles em órbita geostacionária; rapidamente focando o brilho de nosso Sol, o sistema solar, a bolha de nossas transmissões de rádio com décadas de anos-luz de raio, a nossa galáxia, a estrutura filamentar de milhões de outras galáxias próximas até o limite do Universo observável, na radiação de fundo composta dos ecos do Big Bang.
Viajar pelo espaço nesta escala é também viajar no tempo, enquanto a esfera final do Universo conhecido marca também os primeiros instantes de tudo. Caso se sinta alguma vertigem, basta se segurar nos assentos porque logo fazemos todo o caminho de volta ao pálido ponto azul.
Esse tipo de visualização não é particularmente novo, e sua versão mais famosa é o clássico Potências de 10 (1977), sendo que uma versão recente particularmente bela inicia o filme Contato (1997). A diferença é que desta vez, “a estrutura de O Universo Conhecido é baseada em observações e pesquisas precisas e cientificamente acuradas”. Isto é, enquanto todas as outras versões anteriores contavam com uma boa dose de licença artística e imaginação, nesta versão a beleza é derivada diretamente de dados científicos concretos. É por isto que em certo momento a visualização de galáxias e quasares forma uma espécie de ampulheta, porque só podemos observar em grandes distâncias em planos perpendiculares ao disco de nossa Via Láctea – isto é, “para cima ou para baixo”, porque “dos lados” todas as estrelas de nossa galáxia bloqueiam a visão.
De traçar constelações no céu a olho nu a uma visão de todo o cosmo com bilhões de anos-luz, este é o poder, ou a potência, de O Universo Conhecido.
Longe de diminuir a fascinação, justamente por se centrar em dados observacionais esta visualização instiga mais beleza. Além dos limites do conhecido não se exibe nada. Não vemos a cabeça de Homer Simpson, o que seria algo cômico, mas que não se compara com o fato de que este vazio representa o incognoscível. De tudo que conhecemos sobre o cosmos, dentro da esfera, o que há além dela estaria por definição fora de nosso alcance. É grosso modo aquilo que teria ocorrido antes do Universo, com o detalhe de que antes de nosso Universo o tempo também não existia.
“Comparo o Universo Digital à invenção do modelo do globo terrestre”, diz Ben Oppenheimer, astrofísico do Museu. “Quando Mercator inventou o globo, todos queriam um. Ele teve encomendas adiantadas por anos. Deu a todos uma nova perspectiva de onde viviam em relação aos outros, e esperamos que o Universo Digital faça o mesmo em uma escala maior, cósmica”.
Haveria “outros” pelo Universo? Sem dúvida, a primeira e mais básica impressão que o filme deixa é justamente que, se estivermos sós, “será um grande desperdício de espaço”.
[O filme foi produzido por Michael Hoffman e dirigido por Carter Emmart, criado na plataforma Uniview, a mesma utilizada em outro trabalho fenomenal, Bella Gaia, abordado aqui em 100nexos há alguns meses]
2009: Uma Odisséia no Espaço
Com oito anos de atraso, temos uma nave espacial que partiu da Terra realizando acrobacias em órbita, filmado de uma estação espacial internacional permanente. A valsa ocorre a 350 quilômetros de altitude entre a Tasmânia e Austrália, com o fim de fotografar a parte inferior da Atlantis e checar a integridade das placas negras de proteção térmica (procedimento de segurança adotado depois do trágico ocaso da Columbia).
Os movimentos parecem lentos, mas tanto a estação quanto o ônibus espacial estão a quase 30.000 km/h.
A visão de Clarke e Kubrick, abaixo:
[via Fogonazos]
SciCats de Segunda [05]
Vídeo do trabalho “Cat and Mouse in 0g” da artista americana Lyn Hagan: o gato realmente esteve em microgravidade dentro um avião em trajetória parabólica. [via Reino da Almofada, Ila Fox]
Bella Gaia: Imersão no Ponto Azul
“‘Bella Gaia’ é uma jornada audiovisual por um ‘Atlas Vivo’ de nosso mundo, expressando a profunda beleza em movimento do planeta Terra como visto pelos olhos dos astronautas. De queimadas na bacia do Amazonas a imagens de longa duração do derretimento do gelo no ártico, a visão de Bella Gaia é unir o poder da arte, tecnologia, ciência espacial e visualizações científicas reais de dados com o objetivo comum de aumentar o conhecimento e apreciação de nosso planeta natal”.
O diretor e compositor Kenji Williams vem apresentando o show desde o ano passado pela Europa, EUA e Japão. A amostra de pouco mais de cinco minutos acima dá apenas uma vaga idéia do que deve ser a experiência completa: 45 minutos projetados em gigantescos cinemas imersivos.
Se você ficou, como eu, ansioso por mais, muito mais, a plataforma utilizada por Williams para gerar as belas imagens é o Uniview, que oferece esta galeria de imagens e mesmo papéis de parede para seu desktop:
Ainda mais? Fique com este vídeo em que James May, do programa de TV Top Gear, voa até os limites da atmosfera em um avião espião U2. Esta não é uma simulação:
Estes vídeos e imagens caíram hoje em meu Reader e Twitter, oferecendo uma perspectiva que à primeira vista pode contrastar com o texto anterior sobre o Pálido Pixel Azul. Não há contradição: toda esta complexidade, toda esta escala insanamente fantástica de detalhes é ainda assim “apenas” um pixel. Não significa que este pixel seja um ponto insignificante, e sim que as minúcias deste ponto, das quais somos uma, são uma fração ínfima de um palco incomensuravelmente maior.
Ou, em outras palavras, wow. Simplesmente, wow. [via infosthetics, Flávio Gomes via Lazzeri]
Um pixel, da Terra à Lua, ao infinito e além
Um pedaço de rocha de pouco mais de 1.700 km de tamanho, a 400.000 km de distância da Terra. São números muito grandes, de difícil compreensão, mas é a nossa Lua. Saber que é a nossa Lua, contudo, não deve ajudar muito a capturar suas dimensões e distâncias, até porque nossos sentidos nos enganam. Tente representar com a mão, ou mesmo os braços, o tamanho com que a Lua aparece no céu, por exemplo. Fez o círculo? Muito provavelmente representou algo muito maior do que enxerga.
Pois o tamanho angular da lua no céu é de apenas meio grau. Para ter uma idéia do que isto representa, estenda o braço à sua frente e levante seu polegar: sua largura deve ter de um a dois graus. Isto é, a largura de seu dedão pode cobrir a Lua, de 1.700 km de tamanho, até quatro vezes. É quão pequena a Lua realmente surge no céu. Levante-se e vá conferir! Praticamente todos nós tendemos a estimar o tamanho da Lua no céu como muito, muito maior do que isso (às vezes até usando os braços!) devido à ilusão da Lua. É por isso que a Lua sempre aparece “tão pequena” quando a fotografamos, a câmera não mente, nossa percepção sim.
Felizmente, já há milhares de anos observamos o céu, há alguns séculos passamos a compreender os mecanismos celestes, e há quatro décadas, representantes de nossa espécie, a não mais do que seis graus de separação de você ou eu, pisaram na Lua. Lá já não era mais possível cobrir todo o satélite com o polegar. A menos, é claro, que o polegar ficasse imediatamente à frente dos olhos. Mas então não se enxergaria nada.
Há muitas formas de expressar como esta conquista foi fantástica, mas já que falamos de tamanho, continue lendo para a imagem que é a inspiração para este post, e ir ao infinito – e além.
Curso “O que é a Vida?” de Marcelo Gleiser
“Em dois encontros especiais, o físico Marcelo Gleiser conduzirá um percurso de investigação e reflexão sobre um tema fundamental: a vida. No primeiro encontro, analisará o que é a vida sob o ponto de vista da Biologia moderna – e como é difícil defini-la. Explicará ainda o que sabemos e o que não sabemos da história da vida na Terra, desde as suas origens até a incrível diversidade de hoje. No segundo encontro, o destino é o espaço, quando se discutirá a possibilidade de vida extraterrestre e a diferenciação de vida não inteligente e inteligente. Em seguida, ganham lugar as reflexões sobre as implicações filosóficas da possibilidade de vida extraterrestre e como a sua descoberta mudaria profundamente a História da humanidade.
Início: 03 AGO
Duração: 2 encontros
Dias/horários: Segundas-Feiras, Quartas-Feiras, às 20h (03/08, 05/08)
Valor: R$ 90,00 na inscrição + 1 parcela de R$ 100,00”
Os encontros acontecem na Casa do Saber na Lagoa, RJ. Mais informações no website.
Uma erupção observada do espaço faz barulho?
A resposta é sim, ainda que os astronautas não possam ouvir. As imagens mais do que devem compensar, capturadas em plena órbita a 350km de altitude. Foi assim que no último dia 12 de junho registraram os primeiros estágios da erupção do vulcão Sarychev em uma desabitada ilha russa próxima da fronteira com o Japão.
No quadro abaixo, vêem-se os diversos fenômenos empolgando meteorologistas, geocientistas e vulcanologistas. A gigantesca coluna de fumaça é a primeira das plumas lançadas pelo vulcão, em uma combinação de cinza marrom e vapor branco. Enquanto a mistura aquecida se eleva rapidamente pela atmosfera, a umidade acaba se condensando e formando a peculiar nuvem branca em forma de domo: é uma nuvem pileus, cuja aparência inusitada já foi motivo de confusão com discos voadores.
Também há cinzas mais densas estendendo-se pela terra, em um fluxo piroclástico, do qual distância é mais do que recomendada. Finalmente, a cobertura de nuvens ao redor da ilha está aberta em um círculo, com centro aparentemente no ponto de erupção. Cientistas discordam sobre o que pode ter causado este “furo” que permitiu uma visão tão clara. Vários indicam que seria a estrondosa onda de choque da explosão, enquanto outros sugerem ser o ar quente da pluma retornando ao solo ou simplesmente uma disposição natural das nuvens ao redor da ilha, sem relação com a erupção.
Fato é que são imagens fenomenais, motivando muito mais reflexão do que se a erupção fez ou não barulho – tanto fez que, repetindo, a onda de choque pode ter aberto o furo quilométrico da cobertura de nuvens, o que significaria que os astronautas podem ter “visto o som”.
O vídeo que inicia esta nota, por exemplo, é uma composição da série de fotografias capturadas a bordo da Estação Espacial Internacional. Note como entre a primeira e a última imagem os astronautas deslocaram-se bastante em relação à erupção, capturando-a primeiro de um lado e depois de outro. Natural, pois estão a quase 30.000km/h, completando uma volta ao planeta a cada 91 minutos. Lembrando que estão a 350 km de altitude e que a distância ao vulcão deveria ser uma diagonal muito mais longa, as imagens são uma façanha.
Falando em quilômetros, escalas são necessárias. O pico Sarychev alcança pouco menos de 1,5km de altura, mas a pluma que lançou ultrapassou 8km de altitude, podendo ter chegado aos 16km. Mais do que o dobro do Everest em questão de horas. Ela não se estendeu apenas verticalmente, e na imagem acima, capturada dois dias depois, as cinzas marrons se estendem por toda a região. As várias erupções levaram cinzas do Sarychev a mais de 2.400km de distância, e a enorme extensão destas cinzas ressalta o impacto em escala planetária que erupções podem ter.
Somando tudo, é algo fabuloso em escala incomensurável. Uma erupção ocorrida há menos de um mês em uma ilha desabitada é observada do espaço por astronautas em órbita, fotografada em câmeras digitais cujos arquivos foram enviados à Terra muito antes que os astronautas retornem. Seis astronautas, a propósito, lotação recorde nesta vigésima expedição, com americanos, russos, um canadense e o engenheiro de vôo japonês Koichi Wakata, que andou com um tapete voador. Arquivos digitais, a propósito, divulgados pela NASA em seus sítios, discutidos por especialistas e apreciados por leigos, partilhados no Twitter e Youtube até chegar a este blog.
“Apesar de todos os nossos fracassos, a despeito de nossas limitações e falibilidades, somos capazes de grandeza”. Só posso esperar que Carl Sagan perdoe o abuso de suas palavras para definir a maravilha que é o registro e a forma de divulgação dessas Manchas Marrons vistas do espaço em nosso Pálido Ponto Azul. [dica do Atila]