Pensamento de Segunda – SbBr 5 anos

Reinaldo José Lopes

Pensamento de Segunda – SbBr 5 anos

Átila Iamarino

Pensamento de Segunda: SbBr 5 anos

Rafael Bento

Nova série do Pensamento de Segunda

Num passado não muito distante fui convidado a integrar uma rica rede de pessoas que pensam ciência e como torná-la mais acessível a qualquer pessoa. Cinco anos atrás o Átila Iamarino e o Carlos Hotta criaram esse condomínio de blogs científicos que, primeiro se chamava Lablogatórios e depois tornou-se o Scienceblogs Brasil. Foram cinco anos acompanhando as ideias dessas pessoas tão diferentes e espero que muitos outros venham pela frente.

Por esse motivo lanço semana que vem uma nova série do pensamento de segunda em homenagem a essas pessoas que têm me ensinado tantas coisas legais nos últimos 5 anos. A cada semana apresentarei uma frase inspirada desses escritores da Web 2.0. Não percam essa nova chance de descobrir nossa comunidade e o que se passa nas cabeças deles.

O futuro da água

Uma vez assisti uma palestra falando sobre o que se procura no espaço para justificar uma busca mais aprofundada por vida naquela direção. Me chamou a atenção que um dos fatores é a existência de água como condição sine qua non da vida. Pois bem, acho que estamos colocando a nossa em risco.

Sendo a água o solvente universal que dá sustentação à vida na Terra, parece que não estamos nos preocupando muito com isso. Meu doutorado demonstra como até atividades tidas como preocupadas com a preservação (o ecoturismo) podem ter um forte impacto se não forem gerenciadas com cuidado. Lá mesmo onde curso o doutorado, na UNESP de São José do Rio Preto, a professora Lilian Casatti tem se preocupado com a influência da complexidade do habitat, dentro e fora dos rios, nos ecossistemas, especialmente sobre os peixes. Ela falou sobre isso nessa matéria recentemente publllicada na Epoch Times.

Cabeceiras preservadas assim são raras, mas são também a base para a água do planeta todo.

Cabeceiras preservadas assim são raras, mas são também a base para a água do planeta todo.

O fato é que ainda não nos damos conta da conexão que existe entre tudo em termos ecológicos. Temos uma visão microecológica dos impactos, achando que um desmatamento pequeno só afetará aquele local. Não é verdade! Uma só atmosfera, fluxos de massas de ar, rios extensos, correntes marinhas e espécies migratórias garantem que um impacto local se torne um problema global.

Para isso também serve a ciência: gerar informação capaz de subsidiar políticas públicas conservacionistas. O problema está na falta de disposição de muitos tomadores de decisão de escutar o que o cientista tem a dizer. Enquanto mantivermos esse diálogo de surdos as perspectivas não são nada boas.

Uma malvácea muito popular

Certos produtos são tão artificiais que esquecemos que têm uma raiz natural em sua composição, mesmo que essa raiz tenha sido abandonada na composição moderna. É o caso do refrigerante mais famoso do mundo. Se você der uma olhadinha na lista de ingredientes dessa bebida verá que um dos principais ingredientes vem da noz de Cola.

A Cola, Cola acuminata, é uma árvore da família Malvaceae, a mesma do algodão, hibisco, baobá e cacau. Suas nozes vêm de um fruto rugoso e duro que contém oito sementes com um invólucro branco, mas vermelhas por dentro. As nozes podem ser secas e trituradas ou fervidas para a extração da cola. Essa árvore cresce até os 25 m na África tropical da Nigéria ao Congo.

De onde vem a noz de Cola? Ilustração de Franz Köhler

De onde vem a noz de Cola? Ilustração de Franz Köhler

A masca da noz de Cola lembra muito a da folha de coca em termos culturais. Revigora, espanta a fome e dizem que até impotência resolve. É usada em rituais que vão da escolha do nome do bebê ao funeral, adivinhos também leem o futuro nas nozes da Cola, mais ou menos como fazem com búzios. Nas tribos, a masca é feita numa grande roda como se faz com o chimarrão no sul. Não é só na cultura ocidental pós-industrial que a Cola é importante!

Hoje é comum produzir o sabor da Cola artificialmente e a extração e comercialização da semente em si perdeu muito interesse. No entanto a noz ainda é cultivada na África e em outras regiões quentes.

Endogamia

Faraós egípcios, labradores com displasia coxofemoral e gêmeos de Cândido Godói todos compartilham a endogamia. Endogamia é a prática de acasalamentos entre organismos aparentados numa população. Isso fará com que os alelos (as diferentes versões de um mesmo gene) herdados por indivíduos de populações endogâmicas tenham vindo frequentemente do mesmo ancestral. A endogamia tem como efeito direto a redução dos heterozigotos (Aa, lembram-se?), que frequentemente são indivíduos mais resistentes. Além disso, muitos problemas genéticos só se expressam em homozigose recessiva (aa) ou dominante (AA). Assim, a endogamia frequentemente traz problemas às populações, ou pelo menos algumas peculiaridades, como bem lembrou o Kardec.

Akhenaton, sua nora era sua filha, seu bisneto era filho de seus dois netos e o avô e o tio-avô de seu tataraneto eram a mesma pessoa. Hein? (Fonte: Wikipedia)

Hoje temos até leis a respeito dos graus de parentesco entre noivos, nosso código civil fala em três graus de diferença no mínimo (primos, por exemplo). Mas essa não foi sempre a regra. Na 18ª dinastia do Egito antigo, por exemplo, a endogamia era forte e, em prol da pureza do sangue real, casamentos entre irmãos e primos eram comuns, sabe-se lá a que custo para a saúde dos faraós. Sugeriu-se que os traços afeminados de Akhenaton, faraó dessa dinastia, pudessem de fato ser uma síndrome como a de Marfan ou Frölich, mas vestígios de seu DNA mumificado derrubaram a hipótese.

O pedigree de uma raça canina (qualquer raça, na verdade), depende do cruzamento seletivo entre os melhores representantes daquela raça, muitas vezes parentes próximos. Com isso alguns problemas genéticos tendem a aparecer, é o caso da displasia coxofemoral, uma falha na articulação entre fêmur e bacia causada pela musculatura desproporcional, especialmente comum em raças acima dos 25 kg. Esse e muitos outros problemas ocorrem na cruza de cães de raça, por isso sou contra o cruzamento caseiro de cães de raça. Apenas criadores credenciados têm os registros necessários para fazer os cruzamentos que mantenham as características da raça sem reforçar excessivamente as doenças genéticas. Isso ocorre principalmente com a inserção de genes estranhos rotineiramente.

Sem o alelo P72 a população de Cândido Godói seria bem menor! (Fonte: prefeitura de Cândido Godói)

A pequena cidade de Cândido Godói, no interior do Rio Grande do Sul, tem dez vezes mais gêmeos que a média nacional (1 em cada dez partos ali é de irmãos gêmeos). Por anos imaginou-se que o fenômeno se devesse a alguma substância na água ou às experiências do médico nazista Josef Mengele, que passou por ali. Nada disso, a geneticista Úrsula Matte, do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, encontrou nas famílias com gêmeos uma recorrência do alelo P72, compartilhado por endogamia nessa cidade de cerca de 6500 habitantes.

O que é, o que é?

O que têm em comum a 18ª dinastia egípcia, os cães com displasia coxo-femural e os gêmeos de Cândido Godoi, Rio Grande do Sul?

Respondam nos comentários que eu posto na quarta-feira o resultado.

A alga e o assassinato de Mércia

É tão raro acontecer que resolvi dar mais visibilidade. Vocês viram que um biólogo pode ser o responsável pela prova mais contundente do julgamento de Mizael Bispo dos Santos? O réu, acusado de assassinar a namorada Mércia Nakashima, tinha vestígios de uma alga do gênero Chaetophora na sola do sapato. É a biologia fazendo parte da ciência forense.

A alga que sabia demais: Chaetophora sp. Fonte: eol.org

Imagine que haja na cena do crime uma alga que só ocorra ali. Encontrar vestígios dela no sapato do acusado seria uma prova de que, em algum momento ele esteve no local. Chamamos de endemismo a ocorrência de um organismo apenas numa região. Isso pode ocorrer por isolamento reprodutivo. Uma alga como a Chaetophora, restrita a ambientes de água doce e lenta, até poderia ser endêmica da represa de Nazaré Paulista, já que tanto o rio que chega ao reservatório quanto o que sai têm águas mais rápidas, mas não é esse o caso. Afinal, a represa não é antiga o suficiente para ter gerado uma especiação. Se a alga não é endêmica da represa, como ela pode ser uma prova contra Mizael?

A alga Chaetophora não é exatamente rara nas represas brasileiras, mas por crescer aderida a superfícies lisas, como outras plantas aquáticas, e ser muito suscetível à dessecação só poderia ter ido parar na sola do sapato de Mizael se ele tivesse andado dentro da água com esse sapato. Além disso, o volume de poluentes orgânicos presentes na represa (hipereutrofização) favorece a proliferação dessa alga específica justamente ali. Assim, se não é definitivo que Mizael só pode ter estado na cena do crime, ele pelo menos esteve caminhando de sapatos dentro de uma represa eutrofizada como a de Nazaré Paulista. Pode ser uma prova relativamente fraca isoladamente, mas acompanhada de outras tantas a biologia presta seu papel na justiça, assim como em tantas outras faces da vida.

Vício

Estou olhando para o armário. Sei que ela está lá dentro. Pelo menos dessa vez é consciente. Desejo mais uma dose. A ideia domina meus pensamentos como um refrão chato, recorrentemente. Tantas vezes nem me dou conta. Quando percebo já consumi mais um pouco. Só resta a embalagem vazia evidenciando meu fraquejo.

Um vício pernicioso e perigoso. Fonte: usp.com.br

O pó branquinho, refinado, nem apela tanto a mim, mas acabo consumindo escondido, de outras formas às quais não resisto. Conheço bem esse desejo que sinto agora. Sei que ele só aquieta se eu ceder, mas voltará mais forte depois. Penso na sensação do consumo. No bem-estar instantâneo que ela me dá. Na substância entrando no meu corpo, sendo absorvida no meu sistema digestório, entrando no sangue. No alívio de senti-la atingir meu cérebro. Meu sistema límbico excitado pelo prazer do consumo vai lembrar daquilo e, como agora, me fazer querer mais.

Mas sei também dos malefícios. Pelo menos conscientemente sei. Conheço tanta gente que se perdeu para o vício. Tanta gente que morreu por ele, na minha própria família. Tento pensar na dependência, tento pensar no estrago que virá se eu ceder. Tento me convencer de que não posso abrir mão das conquistas que alcancei até agora, de todo o trabalho feito para me livrar. Na deterioração do meu corpo que o consumo causará. Na insulina que um dia pode não ser mais suficiente. Nada adianta, o pensamento retorna cada vez com mais força.

Um lado sombrio de mim contra-argumenta: Quase todo o mundo usa e nada acontece. Não seja paranoico. É só mais um pouquinho, não vai te fazer mal. Você merece, já está sem faz algum tempo. É tão bom. Resolvo tomar uma atitude. Visto-me e saio, sem dinheiro no bolso para evitar comprar na rua, onde em toda esquina é fácil encontrar. Vou dar uma volta. Tentar esquecer. Pelo menos adiar ceder ao vício. Muita gente nem me considera um viciado, mas eu sei da verdade. Sou viciado em açúcar.