Endogamia
Faraós egípcios, labradores com displasia coxofemoral e gêmeos de Cândido Godói todos compartilham a endogamia. Endogamia é a prática de acasalamentos entre organismos aparentados numa população. Isso fará com que os alelos (as diferentes versões de um mesmo gene) herdados por indivíduos de populações endogâmicas tenham vindo frequentemente do mesmo ancestral. A endogamia tem como efeito direto a redução dos heterozigotos (Aa, lembram-se?), que frequentemente são indivíduos mais resistentes. Além disso, muitos problemas genéticos só se expressam em homozigose recessiva (aa) ou dominante (AA). Assim, a endogamia frequentemente traz problemas às populações, ou pelo menos algumas peculiaridades, como bem lembrou o Kardec.
Akhenaton, sua nora era sua filha, seu bisneto era filho de seus dois netos e o avô e o tio-avô de seu tataraneto eram a mesma pessoa. Hein? (Fonte: Wikipedia)
Hoje temos até leis a respeito dos graus de parentesco entre noivos, nosso código civil fala em três graus de diferença no mínimo (primos, por exemplo). Mas essa não foi sempre a regra. Na 18ª dinastia do Egito antigo, por exemplo, a endogamia era forte e, em prol da pureza do sangue real, casamentos entre irmãos e primos eram comuns, sabe-se lá a que custo para a saúde dos faraós. Sugeriu-se que os traços afeminados de Akhenaton, faraó dessa dinastia, pudessem de fato ser uma síndrome como a de Marfan ou Frölich, mas vestígios de seu DNA mumificado derrubaram a hipótese.
O pedigree de uma raça canina (qualquer raça, na verdade), depende do cruzamento seletivo entre os melhores representantes daquela raça, muitas vezes parentes próximos. Com isso alguns problemas genéticos tendem a aparecer, é o caso da displasia coxofemoral, uma falha na articulação entre fêmur e bacia causada pela musculatura desproporcional, especialmente comum em raças acima dos 25 kg. Esse e muitos outros problemas ocorrem na cruza de cães de raça, por isso sou contra o cruzamento caseiro de cães de raça. Apenas criadores credenciados têm os registros necessários para fazer os cruzamentos que mantenham as características da raça sem reforçar excessivamente as doenças genéticas. Isso ocorre principalmente com a inserção de genes estranhos rotineiramente.

Sem o alelo P72 a população de Cândido Godói seria bem menor! (Fonte: prefeitura de Cândido Godói)
A pequena cidade de Cândido Godói, no interior do Rio Grande do Sul, tem dez vezes mais gêmeos que a média nacional (1 em cada dez partos ali é de irmãos gêmeos). Por anos imaginou-se que o fenômeno se devesse a alguma substância na água ou às experiências do médico nazista Josef Mengele, que passou por ali. Nada disso, a geneticista Úrsula Matte, do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, encontrou nas famílias com gêmeos uma recorrência do alelo P72, compartilhado por endogamia nessa cidade de cerca de 6500 habitantes.
Santa Maria
Em dezembro passado estive numa palestra sobre a divulgação científica em Blogs na UFSM por causa do Ciência à Bessa. Lá fui muito bem recebido por um grupo de jovens felizes e com olhos brilhando de interesse pelo que eu estava falando. Mais tarde alguns até me levaram para sair numa boate como a Kiss. Hoje estou consternado pensando quantas daquelas pessoas estariam no trágico acidente dessa madrugada. Meu pensamento fica com vocês todos dessa universidade tão agradável.
Culpa
Desde o ciclo do ouro não se via festa igual na Igreja de São Francisco de Assis. Do alto do pórtico desciam fios ornados com bandeirolas coloridas agitadas pelo vento alegre. Todo o clero, reunido no alto da escadaria nas mais festivas vestes, margeava à esquerda e à direita o Cardeal Dom Antônio Pacheco Filho. Ao fundo, o coral de coroinhas bochechudos como anjos barrocos tornava a atmosfera ainda mais celestial. Havia sido agendada naquela manhã de festa a devolução da cruz empunhada por São Luís Rei de França, roubada 60 anos antes por um ladrão arrependido. Em uma carta entregue algumas semanas antes pelo carteiro o ladrão narrava a subtração que nem havia sido percebida pela diocese, marcando data e hora da devolução: aquela manhã.
A excitação da antecipação contagiara a paróquia. Noviças românticas idealizavam um senhor pio e arrependido de suas aventuras de rapazola ou já livre dos anos de necessidade que o levaram ao crime. Madres e Bispos, taciturnos e tão céticos quanto cabe a um religioso, apostavam num velho decrépito que, à beira da morte e temendo a pena que lhe caberia pela vilania, decidiu redimir-se esperando o perdão celestial. As beatas temiam pelo pior, uma manhã desperdiçada à espera de um falso arrependido que jamais viria. Oculto de longe se riria dos presentes.
À hora marcada ouviram-se os passos lentos do cavalo contornando a Sé. Saltou do alto do Alazão oum senho, sim, mas ágil e forte como ninguém previra. Subiu aos saltitos a longa escadaria com a pesada cruz envolta em veludo carmim nos braços e entregou ao cardeal.
-Aqui está, lamento o inconveniente.
-Não há o que lamentar, irmão. O importante é que você ouviu a voz de Deus nosso Senhor. Foi iluminado e desfez, ainda que tardiamente, seu erro. Sua fé e arrependimento o levarão ao reino dos céus. Graças a Deus.
-Amém! – Entoou a multidão.
O ex-criminoso se virou para descer as escadas, mas foi interrompido pelo clérigo.
-Não quer entrar, se confessar e comungar? Livrar-se completamente do peso desse pecado do passado? Vamos, eu providencio tudo.
-Muito obrigado, mas não. Sou ateu. – Respondeu já de partida o herói.
Essa crônica foi fruto da oficina de Produção Textual dos Professores Roney Barreto da Silva e à Priscila Quintino da Silva no III CILE, a quem eu agradeço a inspiração e os ensinamentos.
Parabéns biólogos!
Em tempo, quero dar meus parabéns a todos os Biólogos. Aos Biólogos que são mais do que uma carteirinha do CRBio na carteira ou um diploma na parede. Aos Biólogos de fibra, mas de uma fibra mais nobre do que a fibra de celulose. Aos Biólogos que o atestam nas cicatrizes das viagens de campo e nas histórias impagáveis de laboratório. Aos Biólogos que, como eu, falam com fervor desse mal que lhes acomete, seja para seus jovens alunos, seja para sua tia-avó e queira ou não a plateia escutar. Aos Biólogos que só se sentem vivos mesmo em meio a tudo o que é vivo. A todos esses Biólogos, meu feliz dia do Biólogo!
Esse ano quero dar meus parabéns especiais a um grupo de Biólogos específicos em nome de todos os do país: a Gesivânia Pires, o Ângelo Manzotti, a Fabiana Freitas, a Tania Matsumoto, o Allan Crema, o Elias Lopes de Freitas, a Vivian Mendonça, o Fernando Nodari, a Karina Tatit, a Sarah Leandrini e todos os meus futuros entrevistados da série Profissão Biólogo. Vocês têm sido um sucesso de clicagem, obrigado pela participação e pela confiança. E aos visitantes, continuem acessando que ainda tem muito material até o fim do ano.
Pensamento de Segunda
“Não acredite em nada, não importa onde você o leia ou quem o diga, a menos que esteja de acordo com sua própria razão.”
Sidarta Gautama
Vencedor do Quiz
Uma das aulas mais marcantes de todo semestre na minha disciplina de Zoologia dos Vertebrados é a de Diversidade e Ecologia de Lepidossauria. Esse grupo de ‘répteis’ (assim entre aspas porque não é um agrupamento natural) inclui as serpentes, lagartos e anfisbenas, familiares a todos os alunos. O grupo inclui ainda os tuatara, Rhynchocephalia ou Sphenodontidae.
O Tuatara é um réptil exclusivo da Nova Zelândia. Apesar da aparência, não é considerado um lagarto. São características desses aniamais a presença de dentes fundidos à maxila (eles não podem extrair um dente, seria arrancar um pedaço do osso, ao contrário dos nossos dentes que só se inserem no maxilar), um terceiro olho funcional capaz de divisar claro e escuro através da pele do alto da cabeça usando uma estrutura conhecida como glândula pineal. Por outro lado, os lagartos, serpentes e anfisbenas compartilham o sumiço de um osso chamado quadradojugal, que continua presente nos tuatara.
Durante o Mesozóico os tuatara formavam um grupo diversificado de répteis, tendo se extinguido em todo o mundo, exceto algumas ilhas costeiras da Nova Zelândia. São animais de cerca de 35 cm que se alimentam de insetos e pequenos vertebrados e têm temperatura corporal em atividade de até 6° C, bem mais baixa do que nos lagartos.
Tive a chance de conhecer essa no Zoológico de Auckland recentemente. Ela é uma fêmea usada para educação ambiental ali. Agradeço tremendamente a atenção da Elena Dray-Hogg que me oportunizou essa experiência única de interagir com um animal tão enigmático e ímpar na história evolutiva dos vertebrados.
Sem mais delongas, o ganhador do brinde foi o Roberto Takata no tempo récorde de 28 minutos e não dando chance nenhuma para os outros candidatos. Entrarei em contato contigo pelo e-mail para descobrir para onde enviar seu presente, outro ícone dessa ilha de bizarrices, a Nova Zelândia.
Quiz: Que animal é esse?
Está lançado o desafio. Quem sabe que animal é esse?
Respondam nos comentários, que só publicarei no dia da entrega do resultado, 2 de agosto. O primeiro leitor que acertar ganha de presente um brinde. Não deixem de preencher o e-mail no comentário para eu voltar a entrar em contato para enviar o prêmio. Dia 2 solto um post sobre esse animal e o vencedor do quis.
Direito ambiental – Profissão Biólogo
Fabiana Freitas
Direito ambiental
Sou Bacharel em Direito, Advogada desde 1999 e bacharel em Ciências Biológicas desde 2007. Atualmente faço consultoria jurídica a um Município de São Paulo, atuando em diversas áreas como o direito ambiental.
O direito ambiental tem espaço para a atuação de biólogos. Os profissionais de direito, necessitam de profissionais de outras áreas, e no caso, os profissionais da Biologia podem atuar com a realização de perícias em diversas áreas, especialmente na criminal e ambiental, fornecendo pareceres, relatórios, avaliações, que irão dar embasamento às teses jurídicas. Cabe ressaltar que há muito tempo os conhecimentos relacionados à biologia são utilizados pelo mundo jurídico, como por exemplo, os exames de investigação de paternidade, perícias criminais, e hoje com a atenção voltada para as questões ambientais, o biólogo, pode desempenhar importantes trabalhos, que vão desde a elaboração de Estudos de Impacto Ambiental até a emissão de pareceres a empresas preocupadas com o ambiente.
No direito a atuação do biólogo funciona como um complemento. O biólogo que presta serviços a um advogado necessita basicamente de conhecimentos técnicos, inscrição no Conselho de Classe (CRBio) e boa redação para elaboração de estudos e pareceres.
No meu caso, participo de trabalhos que envolvem a análise jurídica de estudos de impacto ambiental, audiências públicas e pareceres jurídicos na área ambiental. Trabalho 40 horas semanais, das 8:00 às 17:00 h, boa parte delas dentro de um escritório.
Primeiro me formei em Direito, e depois, decidi estudar Biologia. Logo que me formei em direito me envolvi com o Direito Ambiental, e na contramão de outros profissionais da área jurídica, que vão estudar Gestão Ambiental, aproveitei o fato de ter afinidade e curiosidade em relação a plantas, bichos, evolução de espécies, minerais e decidi estudar biologia, como um diferencial à minha área profissional.
Eu adoro árvores, agroecologia e sou mergulhadora, então logo de cara me encantei com as aulas de botânica e zoologia. Mas sempre gostei bastante das matérias interdisciplinares. Para que se faça a implantação de uma obra que cause impacto no ambiente, é necessária a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental, que na maioria dos casos envolve disciplinas como a zoologia, botânica, além de estudos em relação ao solo, à água, além do impacto humano/social naquele ambiente.
Para trabalhar em direito ambiental fiz as duas graduações em direito e em biologia. Hoje, por ocasião, meu trabalho não está focado somente nesta área, mas faz parte da minha trajetória, os dois cursos. Estou planejando para o próximo ano, uma especialização em Direito Ambiental.
O direito é uma área muito interessante e multidisciplinar, que necessita da atuação de profissionais de outras áreas. Eu sempre gostei de tudo o que envolvia o mundo natural, desde plantas, animais, evolução, preservação, à qualidade de vida. Acredito que para a aplicação do direito nas questões que envolvam o ambiente, o conhecimento da biologia é fundamental. Quando estudava biologia, muitas vezes fui criticada por vários colegas advogados, que achavam que o que eu estava fazendo era uma loucura. Nunca dei importância a isso, pois sempre acreditei na minha escolha. Acho que o mercado para os advogados que trabalham com o Direito Ambiental e biólogos (que em algum momento profissional vão esbarrar nas questões legais) tem que se expandir bastante ainda, não pode ficar restrito a questões relacionadas ao poder público. Acredito que haja um grande potencial para isso, já que vivemos o momento histórico em que temos que cuidar do ambiente para o hoje e para o futuro.
Para quem tiver interesse em seguir a carreira do direito ambiental recomendo gostar muito das duas áreas, já que vai ter que estudar por pelo menos dez anos, ser perseverante, e claro, acreditar no próprio potencial!
Um memorial ao Cesar Ades
Um dia descobri um curso de comportamento animal na Psicologia da USP. Me inscrevi e na primeira aula fui recebido por um professor sorridente e entusiasmado chamado Cesar Ades. E ele me mostrou que existe uma ciência no comportamento animal.
Um dia defini minha iniciação científica na USP com comportamento de peixes de caverna. Fui até a Psicologia e aquele professor parou tudo o que estava fazendo, que parecia bem importante, para discutir comigo meu projeto. E ele me convenceu de que receber críticas é bom.
Um dia estava no congresso de Uberlândia e me impressionei com o mesmo Cesar Ades deixando de lado as rodinhas de colegas experientes e renomados para se sentar com os estudantes e conversar. E ele me ajudou a ver que todos nós éramos importantes.
Um dia, enquanto contava animado sobre o que tinha aprendido no transcorrer do meu mestrado ao Cesar, ele me perguntou se eu não gostaria de apresentar aquilo tudo na forma de um mini-curso no encontro de etologia seguinte, em Brasília. Tremi de cima a baixo e argumentei que não tinha titulação ainda. E ele me convenceu de que ideias eram mais importantes do que títulos.
Um dia levei meus próprios alunos ao encontro de etologia e lá estava o Cesar para recebê-los com uma simplicidade tamanha que meus meninos nem acreditavam que ele era a autoridade que era. E ele me convenceu de que arrogância não combina com competência.
Um dia, outro dia, fiquei feliz de ver meu nome na mesma matéria que o dele dando palpites sobre comportamento animal, um estudo sobre cognição em primatas e cães noticiado no Correio Braziliense. E ele me fez ver que desde aquele aluno entrando na primeira aula de comportamento animal até hoje já caminhei um bocado e que ele, de uma forma ou de outra, sempre esteve por perto.
O Prof. Cesar Ades teve morte cerebral declarada ontem. Ele fará muita falta para todos nós da etologia.