Tudo em um ano 8 – Estromatólitos

Tive um professor na USP muito encantador, destas pessoas que falam de seus trabalhos com uma faísca nos olhos e seduzem pela palavra. Se chama Thomas Fairchild e seu principal foco de interesse são os estromatólitos.

Os estromatólitos do Thomas eram torres de minerais há muito eternizadas no registro fóssil. Eles são, provavelmente, o mais antigo registro inequívoco de um ser vivo sobre a Terra. Pequenas bactérias ou microalgas capturavam (e ainda capturam, em locais como o litoral australiano e as Bahamas há estromatólitos modernos) minerais em suspensão nas águas do mar e os depositavam em camadas ao longo dos séculos. O que se vê nos fósseis são apenas as camadas de mineral, mas sabe-se que elas são fruto de atividade biológica.

Estes fósseis datam de 3,4 bilhões de anos, sendo a data mais precisa para se apontar a existência certa de seres vivos.

Tudo em um ano 7 – A célula

Da mesma forma que o mundo do RNA, o surgimento da primeira célula pauta-se por modelos experimentais, obviamente fósseis destes eventos seriam virtualmente impossíveis de serem deixados. Há diversas teorias sobre a origem das células e dos componentes básicos desta estrutura, vou apresentar um pout-pourri do que converge entre elas.

Ácidos graxos, gorduras, são moléculas orgânicas capazes de terem se originado espontaneamente. Devido a sua natureza imiscível à água, os ácidos graxos se organizam na forma de vesículas diminutas com duas camadas encerrando dentro de sim um pequeno volume de líquido e o que nele estiver presente. Estas vesículas podem conter moléculas importantes como a de RNA do último post da série, podem encerrar substâncias em suas superfícies capazes de modificar seu funcionamento, podem ser química e osmoticamente diferentes de seu entorno, isolando fatores hostis do ambiente, podem fundir-se e dividir-se e até apresentar um metabolismo rudimentar.

A célula propriamente dita é uma questão de como esta vesícula, que alguns chamariam de coacervado, se formará. Seu surgimento dependeria apenas de concentrar as funções listadas acima todas em uma mesma vesícula destas.

Ainda há muito que mudar para que tenhamos uma célula complexa como as modernas, mas o pequeno passo de hoje, foi fundamental para a história da vida. Na verdade, usei a data de 3,7 milhões de anos atrás como a da origem da célula, mas encontrei referências desde este número até 4,3 milhões de anos, colocando as células como um evento anterior ao mundo do RNA. Nesta escala de grandeza eventos marcantes ainda não são facilmente datados.

Tudo em um ano 6 – Ácido Ribonucléico

Quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? O dogma (odeio este termo) central da biologia propõe que DNA é transcrito por proteínas em RNAm, este sai do núcleo, anexa-se a ribossomos predominantemente protéicos, e é traduzido em proteínas. Então DNA produz proteínas e proteínas leem o DNA. Mas quem veio primeiro, o DNA ou a proteína? Para a vida como a conhecemos ter evoluído seria necessário ter um replicador (DNA), mas este replicador precisaria de algo que o catalizasse (proteína). Um não serve para nada sem o outro!

god_ribozyme

É clichê, mas é legal

fonte: sage.ucsc.edu

Os narradores da origem da vida em nosso planeta passaram muito tempo às voltas com este problema até que descobertas em outras áreas ajudaram a elucidar o que houve. Seria possível uma mesma molécula conter informações hereditárias e também catalisar reações químicas para sintetizar outras moléculas? Seria! O RNA, ácido ribonucléico, faz exatamente isto até hoje em determinadas situações.

A simplicidade química do RNA permitiria seu surgimento por mecanismos não bioquímicos, desde que tempo o suficiente para combinações quase que aleatórias de elementos estivesse disponível, coisa mais ou menos comprovada hoje em dia. Afinal, foram 400.000.000 de anos de combinações ao acaso.

Este mundo dominado por RNA deve ter existido há cerca de 4,2 bilhões de anos, por regra de três exatamente hoje, dia 9 de setembro. Sua descoberta deu a Sidney Altman o prêmio Nobel de química de 1989.

Tudo em um ano 3 – Genoma Zero

A essa altura você mal se lembra do que se trata esta série. Se este for o caso clique aqui e em seguida aqui para recapitular. Nos fogos de reveillon que deram boas vindas ao ano de 2010 eu enxerguei a grande explosão, a maior de todos os tempos, aquela que deu início a tudo e desde então os grandes eventos da história do universo que estão mais intimamente relacionados a nós, humanos, vêm se acumulando. Desde o último post desta série o universo não passava de uma porção de nuvens de poeira vagando nas fronteiras do espaço, nenhum objeto maior, nenhuma estrela, planeta ou satélite existia. Era como se o universo estivesse em gestação, uma gestação que ainda irá durar até agosto, daqui a dois bilhões de anos.

Hoje, porém, a data não marca um acontecimento de fato, mas uma suposição. E com essa suposição vem uma série de novas dúvidas. Por regra de três, se a história do universo se resumisse a um único dia algo que ocorreu há 7.000.000.000 anos teria ocorrido exatamente hoje, 25 de junho.

Desde o advento da biologia molecular que os cientistas observaram uma tendência ao aumento da complexidade nos genomas dos seres vivos. Esta complexidade é, em geral, derivada apenas do aumento da quantidade de informação carregada neste genoma, ou seja, da quantidade de genes que o organismo possui. Nosso DNA tem por volta de 23 mil genes, e 3 bilhões de pares de bases; o DNA da Mycoplasma genitalium tem 523 genes e 500 mil pares de bases. Outro aspecto geralmente aceito hoje é que o aumento do material genético ocorre por duplicação de pedaços de DNA previamente existentes. Existem inclusive formas de usar a taxa de transformação do DNA no tempo como um tipo de relógio para medir geneticamente quanto tempo faz que dois grupos de organismos se separaram na história evolutiva, por exemplo. São os chamados relógios moleculares.

Bom, se sabemos que toda a complexidade genética existente hoje derivou de duplicações e que essas duplicações ocorrem com uma dada frequência no tempo, é possível calcular quando foi que o genoma mais simples possível existiu, o chamado genoma zero. Fazendo os cálculos necessários, supõe-se que o genoma zero teria existido há cerca de sete bilhões de anos, em 25 de junho do nosso ano universal.

O leitor mais atento há de ter percebido que em nossos episódios anteriores não foi descrita ainda a formação de nosso planeta, portanto, se a hipótese do genoma zero vier a se confirmar isso seria uma evidência de que a vida não surgiu em nosso planeta, mas em outro rincão deste universo, apenas tendo chegado aqui num segundo momento. Como dizem meus alunos: “é o tipo de coisa que se você for parar para pensar muito, enlouquece.” Mais complicado do que a vida ter surgido solta no universo e ter vindo para a Terra depois é que neste período não havia muitas opções de onde surgir vida, já que estrelas, planetas e luas ainda estavam em formação, o que de fato ameaça a hipótese do genoma zero.

Neste caso, como se explicaria o resultado de sete bilhões de anos. Bem, pode ser que a taxa de multiplicação genômica que vemos hoje não seja a que existiu em toda a história da vida. Mecanismos de correção do DNA e intolerância a mutações são fatores relativamente recentes na história evolutiva que nos fizeram acreditar que o genoma zero ocorreu antes. Também é possível que nunca tenha havido um organismo geneticamente super simplificado, já que neste caso o DNA codificaria muito pouca informação, não sendo funcional. Pode ser que os seres vivos tenham surgido já com um genoma mais amplo de forma a portar as instruções necessárias à vida deles como um todo.

De qualquer forma o que o genoma zero nos faz pensar é na possibilidade da vida não ter surgido na Terra. Esta possibilidade existe e meios para que ela viajasse pelo espaço e viesse colonizar esta terceira rocha a partir do sol também são concebíveis.