Nojo por Inês
Leio agora que à Sr.ª Inês de Medeiros, deputada do PS, irá ser paga uma viagem semanal a Paris, em executiva. Quatro viagens por mês, brilhantemente concluo.
Aquando da sua candidatura à Assembleia da República, a dita Inês apresentou como morada oficial um endereço de Lisboa.
Assim, iremos todos pagar, com voluntário deleite, uma viagem semanal da tribuna à cidade das luzes, uma vez que aquela se deverá encontrar desocupada.
A morada de Lisboa, não a deputada.
Feliz fico por o meu Estado recompensar tanto em viagens a Paris da parlamentar como o que paga a quatro professores, ou a seis bolseiros de investigação científica, ou mesmo a quase dez trabalhadores com o salário mínimo.
Delirante continuo, por o meu país investir em viagens executivas a Paris para uma meritosa Inês de Medeiros que oficialmente reside em Lisboa, mas suspeita ter a sua família em Paris.
Os quatro professores, ou seis bolseiros de investigação científica, ou os salários mínimos, que se calem. O seu valor não é comparável à Sr.ª Medeiros, que tanto tem feito pelo bem-estar de Portugal. Tanto, que necessita purgar-se semanalmente à beira Sena dos afazeres lusitanos.
Nojo.
É o que sinto.
Pelos invejosos quatro professores, seis bolseiros de investigação científica, ou dez trabalhadores com o salário mínimo, que se roem de inveja maledicente das viagens da deputada Inês de Medeiros.
Nojo por Inês.
P.S. – breve biografia da deputada do PS, Inês de Medeiros – do site da Assembleia da República:
“Habilitações Literárias – Frequência de Licenciatura em Literatura Portuguesa (Universidade Nova de Lisboa), Estudos Teatrais (Sorbonne Paris). Profissão – Autora”
Europa Ocupada
Há momentos que nos remetem para o passado, como se ele, de tão reconhecível e evidente, nos entrasse de novo pela compreensão adentro.
Tal como na década de 40 do século passado, a Europa encontra-se ocupada. No passado que relembro, um exército expansionista alargava a sua influência territorial, empurrando para as franjas da Europa, quem lhe procurava fugir. A ocupação alemã, na Segunda Guerra Mundial, implicou a movimentação maciça de muitos procuravam novos ares.
Portugal constituía, nos anos 40, uma porta de fuga para um novo mundo, liberto de exércitos e impedimentos, de todos os que eram perseguidos ou apanhados pelos acontecimentos bélicos.
Hoje, um novo exército ocupa os céus da Europa, vindo de norte, fechando à sua passagem os caminhos de ida e regresso de milhares de pessoas. Os pós vulcânicos, tal como antes o havia feito um outro exército, empurram muitos para a Península Ibérica.
Agora, por mera casualidade, Portugal encontra-se de novo na rota dos que tentam fugir, agora de uma nuvem de pó que ocupa grande parte dos países europeus, nuvem que impede as viagens aéreas.
Como há 70 anos, Portugal apenas os vê passar, gente que contorna obstáculos.
Antes, fugiam da guerra.
Hoje, apenas tentam voar, fugindo de outra nuvem.
Imagens:
daqui
e
daqui.
O Moura dos robôs
Impulsionado pela criatividade do Moura dos robôs, o Jornal de Letras lançou-se num debitar letrado sobre um futurismo.
Não me parece mal.
Eu já havia louvado o dito Moura em palavreado que me deu muito prazer intitulado “O Artista”.
O JL refere que o Moura dos robôs simula não pintores, mas actores.
Explico.
Desta feita, o Moura suga robôs, encena uma peça teatral, interpretada maquinalmente pelos seus escravos.
Embalados por mais esta “Estética do Futuro”, o JL disserta, em várias páginas de referências literárias, sobre um futuro mais pleno do que este presente vazio, à moda do Moura.
De estética nada sei; apenas sinto que, tal como o robótico Moura, o JL deslumbra-se perante o pincel, apaixona-se pela caneta, arde de paixão perante a máquina que regista imagens, e tudo mais que não seja a mera veneração do meio.
Ao Moura dos robôs: como já antes opinei, julgo que nem os terabytes dos robôs se lembrarão desta sua nova façanha.
Imagem:
daqui
Fim da Infância
Da primeira vez que folheei a revista não percebi o drama.
Só numa segunda abordagem involuntária, talvez ampliada pela luz do meio-dia, me despertou para a aberração.
Ao contrário do que Peter Pan explicitamente apregoava, as crianças de hoje não se querem crianças.
Adultos precoces ou, mais pavoroso, adolescentes cool, com laivos de sexualidade à la MTV.
Não sei que pensar.
Talvez os tempos actuais impliquem uma precocialidade de aparência.
Talvez.
O desfasamento é tanto maior quanto é do senso comum que as crianças de hoje em dia revelam uma altricialidade pouco vulgar noutros tempos, dependentes dos pais para tudo, mesmo para brincar.
Velhas nas roupas; crias dependentes nos comportamentos.
P.S. – a revista do El País de hoje revela pelo menos cinco anúncios de roupa para criança nos quais se vê tudo menos crianças.
Precocial – “Cria independente e activa pouco tempo depois de ter eclodido”
Altricial – “Cria muito dependente dos pais quando eclode”
Imagens – revista do jornal El País de 28 de Março de 2010.
Horror ao Ensinar
Uma excelente visão sobre o que é e o que deveria ser a Escola, pelo Professor Carlos Fiolhais.
Alguns excertos que me pareceram muito relevantes.
Gostei particularmente da parte do horror a que o Ministério da Educação votou o verbo ensinar, de há anos a esta parte.
Revista Notícias Magazine, 14/03/2010
” (…)
O que é que está mal? Está tudo mal?
Não, temos bons professores, que fazem, a maioria deles, por cumprir a sua obrigação profissional num ambiente que não é nada fácil.
Se me pergunta o que está mal, dou-lhe um exemplo: o Ministério da Educação é – vou usar uma palavra brutal para fazer jus à minha fama de crítico – um monstro.
É um aparelho criado pelo Estado, que está por todo o lado em demasia, retirando liberdade aos bons professores. Há regulamentos para tudo e mais alguma coisa, os programas não são bons, os livros têm de se ater aos programas, os horários são o que se sabe, há disciplinas que não são disciplinas nenhumas. Enfim, não tenho dúvidas de que é possível fazer melhor e que isso passa por uma menor intervenção do Estado. Será precisa toda aquela burocracia? Será preciso aquela linguagem em que se exprime o monstro e que eu e outras pessoas designamos por «eduquês»? Não se pode falar claro? A actual ministra domina bem o português, é uma boa escritora, não poderá pôr aquele Ministério a falar claro?
(…)
A máquina ministerial condiciona a criatividade de alunos e de professores?
Condiciona a criatividade dos professores, que são a chave do sucesso da escola. Diminuir o papel dos professores foi o pior que se podia ter feito. Portanto, tudo o que possamos fazer para valorizar este papel, para lhes dar importância e autoridade, é útil.
Há uma palavra que não se tem usado muito em Portugal e que se devia usar mais (o Ministério da Educação, então, foge dela como o diabo da cruz), que é ensinar. A escola é um sítio onde se ensina. Claro que também é um sítio onde se aprende, mas para aprender é preciso que se ensine. Quase tudo aquilo que sei foi porque alguém me ensinou. A partir de certa altura já fui capaz de aprender por mim próprio, mas devo muito à escola e aos meus professores. Porque é que os jovens de agora não hão-de poder dizer o mesmo? Estamos a desviar-nos do essencial e o essencial é preparar para a vida. Não estaremos a alienar os nossos jovens da capacidade de saber mais, de decidir, que não devia ser apenas de alguns, mas de todos?
Esse sistema é a razão pela qual Portugal não tem sido um país de Ciência?
A nossa educação científica é uma área em que podemos progredir. A ciência devia estar presente mais cedo na escola, e não se trata tanto de falar de ciência, mas mais de ver como ela se faz. A ciência devia estar presente no jardim-escola e no ensino básico. A palavra ciência quase não aparece nos programas, aparece uma coisa chamada «estudo do meio».
O que é isso? Um cientista é um estudioso do meio?
Percebo a ideia de que o meio não é só o meio material, é também o meio social. Muito bem, é evidente que vivemos num meio social, mas antes disso pisamos um planeta que nos puxa para baixo, respiramos ar, bebemos água, e é bom que no básico façamos experiências que nos permitam compreender o que é o planeta, o que é o ar, e o que é a água. A descoberta do mundo pela criança tem de começar por aí. A junta de freguesia e outras construções sociais, por muito importantes que sejam, vêm depois do ar e da água.”
Imagem:
Jean-Auguste-Dominique Ingres, “Roger Freeing Angelica”
daqui
A Debandada do Intelecto
Tenho assistido, com perplexidade e por vezes com deleite assustado, a inúmeras manifestações de irracionalidade, originadas nas recentes catástrofes – Haiti, Madeira, Chile e o mau tempo de sábado.
Alguns dos que lia no Twitter associavam fenómenos como o aquecimento global com sismos; o relativo mau tempo com o recrudescimento de vulcanismo; e as derrocadas madeirenses a uma qualquer reacção vingativa da Natureza.
De quase tudo li no Twitter.
Esta confusão generalizada de conceitos e fenómenos, imbuídos de um neo-animismo vingativo, confirma que a irracionalidade grassa em situações de crise, ainda que não directamente vivenciadas, relatadas quase em directo pelos novos meios de comunicação.
O absurdo quase generalizado atesta ainda que, por muita informação de que se disponha, e esta jorra de todo o lado em maior quantidade e de forma quase instantânea, esta parece ter apenas como resultado o ampliar do efeito manada embrutecida.
A informação, que deveria filtrar os medos e temores mais irracionais, parece apenas gerar novas confusões e a debandada do intelecto.
Imagem:
Agostino Carracci – The Flood – 1616-1618.
Tragédia na Madeira: um desastre já anunciado há dois anos
Depois da tragédia, pensar no que poderá ser (poderia ter sido) feito.
Um excerto do programa Bioesfera (RTP2) de Abril de 2008.
P.S: link sugerido por José Carlos Ferreira, no mailing list GEOPOR.
Tento na Língua
Nenhum dos casos é muito agradável, muito menos para mentes eticamente bem formadas ou estômagos sensíveis.
Ainda assim, encontro-lhes pontos de contacto.
O parasita Cymothoa exigua é um crustáceo isópode que actua de maneira singular.
Explico, enquanto se torcem.
Já na boca do peixe, o C. exigua fixa-se na boca do peixe por intermédio de patas semelhantes a ganchos (pereópodes), começando por sugar o sangue dos tecidos da língua, até que esta acaba por atrofiar.
Após o repasto, que pode durar algum tempo, o parasita de até quatro centímetros, passa a alimentar-se do que o peixe ingere, substituindo-lhe a língua por completo.
Curiosa é a semelhança de forma entre a desaparecida língua do peixe e o recém instalado. Para além de função análoga, já que o parasita desempenha a usurpação lingual com enorme competência, também o aspecto da cavidade bucal do peixe parece quase inalterada. Brusca e Gilligan avançam com a hipótese de que peixes parasitados poderão ter melhor desempenho alimentar que peixes sem língua.
Ou seja, em termos de eficiência, esta relação parasítica parece conceder alguma vantagem sobre patologia ou doenças que afectem a língua de peixes.
Pois…melhor uma língua substituta que nenhuma, parece ser a conclusão.
Quanto ao segundo caso, apenas deixo um vídeo.
Deixo aos leitores o estabelecimento de paralelismos.
A existirem.
Referências:
Brusca, R.C. and Gilligan, M.R. (1983): Tongue replacement in a marine fish (Lutjanus guttatus) by a parasitic isopod (Crustacea: Isopoda). Copeia 813-816.
Brusca, R., & Gilligan, M. (1983). Tongue Replacement in a Marine Fish (Lutjanus guttatus) by a Parasitic Isopod (Crustacea: Isopoda) Copeia, 1983 (3) DOI: 10.2307/1444352
Mark Carwardine. 2005.Natureza radical. Ediouro Publicações Ltda. Rio de Janeiro.
Zimmer, C. 2000. Parasite Rex. Arrow Books. London.
Imagens:
Matthew Gilligan – primeira, adaptada do livro de Mark Carwardine; segunda daqui
Umami e Engenheiros
Dois artigos de enorme importância, embora em contextos muitos diferentes.
Abrem-nos os olhos sobre o que pensávamos saber, de realidades sobre que discutimos inúmeras vezes mas que, pelos vistos, desconhecemos os verdadeiros significados e contornos.
Ambos no El País de hoje.
O primeiro revela-nos um quinto sabor, para além dos clássicos doce, salgado, amargo e ácido.
O neo sabor dá pelo nome de umami (saboroso em japonês).
Mais sobre o umami no artigo digitalizado aqui
A segunda notícia desfaz-nos os arreigados estereótipos sobre o terrorismo islâmico.
Resumindo um artigo do European Journal of Sociology, intitulado “Why are there so many Engineers among Islamic Radicals?”, o jornalista do El País abre-nos os olhos para uma realidade que provavelmente é mais assustadora do que pensaríamos.
Entre outras conclusões, as de que os terroristas islâmicos têm formação superior, na sua maioria engenheiros, e que apenas um pequena minoria tem uma vida religiosa activa.
O artigo do El País digitalizado aqui.
O artigo do European Journal of Sociology aqui (PDF)
Gambetta, D., & Hertog, S. (2009). Why are there so many Engineers among Islamic Radicals? European Journal of Sociology, 50 (02) DOI: 10.1017/S0003975609990129
Imagens:
daqui e daqui
Água Que Queima
A natureza de algo nunca é parece o que ser.
É mais. Ou menos. Mas exactamente aquilo que parece ser, é raro.
Uma gota de água. Cristalina. Fresca.
Ainda assim, e apoiando o senso comum de um qualquer agricultor ou mero jardineiro de fim-de-semana, o refrescante efeito da rega durante as horas de maior calor pode não ser o desejado.
Mais.
As gotas de água que caem sobre a folhagem poderão provocar queimaduras nos tecidos vegetais.
Cada gota irá funcionar como uma lente ampliando o efeito energético sobre as folhas da vegetação conduzindo assim ao efeito contrário do que se pretenderia.
Referência:
Ádám Egri, Ákos Horváth, György Kriska and Gábor Horváth. Optics of sunlit water drops on leaves: conditions under which sunburn is possible. New Phytologist. (2009) doi: 10.1111/j.1469-8137.2009.03150.x
Abstract
“It is a widespread belief that plants must not be watered in the midday sunshine, because water drops adhering to leaves can cause leaf burn as a result of the intense focused sunlight. The problem of light focusing by water drops on plants has never been thoroughly investigated.
Here, we conducted both computational and experimental studies of this phyto-optical phenomenon in order to clarify the specific environmental conditions under which sunlit water drops can cause leaf burn.
We found that a spheroid drop at solar elevation angle θ ≈ 23°, corresponding to early morning or late afternoon, produces a maximum intensity of focused sunlight on the leaf outside the drop’s imprint. Our experiments demonstrated that sunlit glass spheres placed on horizontal smooth Acer platanoides (maple) leaves can cause serious leaf burn on sunny summer days.
By contrast, sunlit water drops, ranging from spheroid to flat lens-shaped, on horizontal hairless leaves of Ginkgo biloba and Acer platanoides did not cause burn damage. However, we showed that highly refractive spheroid water drops held ‘in focus’ by hydrophobic wax hairs on leaves of Salvinia natans (floating fern) can indeed cause sunburn because of the extremely high light intensity in the focal regions, and the loss of water cooling as a result of the lack of intimate contact between drops and the leaf tissue.”
Imagens:
Luís Azevedo Rodrigues
(com Nokia N73)
e do artigo