A 4 ASAS?
O documentário da PBS, canal público norte-americano (sim, ele existe), a ser exibido no próximo dia 26 de Fevereiro, vai abordar a questão de como voava o Microraptor.
Este animal, descoberto na China, apresentava cobertura de penas não só nos membros anteriores mas igualmente nos membros posteriores.
Este facto intriga os paleontólogos já que se pode especular se aqueles animais não teriam um voo a 4 asas.
A ver, com duas equipas de paleontólogos (ok, pode parecer um concurso televisivo…) a proporem hipóteses biomecânicas de voo para o Microraptor – túneis de vento, e tudo!
É sempre bom rever Xu Xing, com quem trabalhei no IVPP…
Trailer
[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=dLniJ3HFr_U]
Aqui, uma actividade inter-activa em que se podem controlar alguns parâmetros biomecânicos de voo do Microraptor.
Imagens – PBS
Candidatura Ibérica a Património Mundial da UNESCO – jazidas de dinossáurio
Em relação a esta notícia – aqui – só poderei, para não ser acusado de opinar excessivamente sobre assuntos que me são tão próximos, acrescentar o seguinte:
faltou falar do papel absolutamente fundamental da investigação feita nos últimos 15 anos por Vanda Faria dos Santos e que culminou na sua tese de doutoramento Cum Laude.
Este trabalho é um dos exemplos de investigação que sai da esfera do conhecimento puro e entra na aplicação quotidiana, por intermédio da divulgação do património Natural (como eu gostaria de ver comentada esta frase por Desidério Murcho ou Ludwig Krippahl!).
Sem esse trabalho, não teria sido possível levar à preservação e musealização in situ da Pedreira do Galinha ou o conhecimento das jazidas de Vale de Meios, Carenque ou Pedra de Mua (no cabo Espichel).
É um trabalho que não é visível a olho nu mas que está lá.
É um trabalho feito quer no contacto com os políticos, quer no contacto com o grande público.
Mas, acima de tudo, é um trabalho de divulgação e protecção do património natural feito contra os bem pensantes ou apenas contra a ignorância, sejam da casa ou de fora dela.
Parabéns Vanda!
Imagens – National Geographic Portugal; gráfico de Carlos Marques da Silva e Vanda Faria dos Santos
Na China II – Marte é um Dragão
Philip K. Dick estava certo quando construiu diálogos na língua híbrida futurista em Blade Runner: misto de chinês e espanhol.
Voltei à Terra e não fiz bem a descompressão.
Rodeiam-me neons embrulhados em pauzinhos;
búfalos puxados por cabos USB;
incapacidades de dizer não negadas com sorrisos de olhos rasgados;
miríades de gentes aos berros cheias de ausências;
calmas nervosas em acelerações esperadas;
surpresas incontáveis e inenarráveis;
cheiros a nada e de tudo;
estar do outro lado da jaula;
coreografias kitsch em cibercafés;
pedido de roupa lavada pelo Google translator nos confins do mundo;
pratos de fungos divinos com ninfas melíferas…
P.S. – texto de Dezembro de 2006, acabado de chegar do oriente…
Os Museus também se abatem…!
“Museu dos dinossauros é fechado em Uberaba
Prefeitura da cidade informou que vai reabrir o local e assumir a direção
Foram fechados, nesta terça-feira, o museu dos dinossauros e o centro de pesquisas paleontológicas de Uberaba, no Triângulo Mineiro. A fundação responsável pelo local não renovou o convênio com a prefeitura, que garantia o repasse de recursos para manter o museu. O acervo do centro de pesquisas já começou a ser retirado e todos os funcionários foram demitidos.
O prefeito de Uberaba, Anderson Adauto, disse que a prefeitura vai reabrir o Museu de Peirópolis. A direção também será assumida temporariamente. Em duas décadas, o local já foi visitado por 300 mil pessoas.”
FONTE – Globominas.com
Saudades
Não tenho tempo para comentar esta notícia.
Apenas para a recordação emotiva do primeiro dinossáurio que estudei – o Tenontosaurus – no American Museum of Natural History, em Nova Iorque.
Mais do que um Museu, uma casa de Ciência.
Às vezes dá-me para isto…
Referência: Lee, A.H. and Werning, S. 2008. Sexual maturity in growing dinosaurs does not fit reptilian growth models. PNAS. January 15, vol. 105 | no. 2, 582-587.
Na China – I
A “história” chinesa foi bastante complicada – ver post com outra das histórias.
O contacto inicial foi feito com Xu Xing do IVPP. Ele é responsável por mais 20 espécies novas de dinossáurios e publicou mais de 10 artigos na Nature.
Para além de me receber, propôs-me também iniciar trabalho de análise morfológica 3D de crâneos de Psittacosaurus, em conjunto com um aluno seu de doutoramento (foto).
Durante a primeira semana de estadia em Pequim, Dong Zhi-ming, um dos “pais” da Paleontologia de dinossáurios na China, encontrava-se em Pequim de visita. Falei com ele, contei-lhe o meu projecto e ele convidou-me para, passados 4 dias, nos encontrarmos no sul da China, em Lufeng. Comecei logo a tratar das coisas (arranjar avião pois Lufeng, na província de Yunnan, fica próximo da fronteira com o Vietname e do Laos) e a improvisar os meus planos iniciais.
Passados esses dias aterrava em Kunming onde tinha colaboradores de Dong Zhi-ming à minha espera, para uma viagem de carro de cerca de duas horas até Lufeng.
Estive cerca de uma semana trabalhando sobretudo em prossaurópodes, o mais famoso dos quais é o Lufengosaurus (do nome da cidade), mas também em diversos saurópodes, alguns dos quais ainda não descritos.
Fiz também prospecção no campo em conjunto com Dong Zhi-ming nas famosas jazidas do Triásico desta região.
Este investigador ficou tão impressionado com o meu trabalho que me propôs que regressasse para descrever novos materiais (provavelmente novas espécies, das centenas de ossos que eles têm em preparação), mas essa história fica para mais tarde…
Em Lufeng fui brindado com os manjares entomológicos que os meus colegas me tinham reservado – sou extremamente alérgico à picada de abelhas e vespas e quando me puseram à frente um prato de larvas e vespas adultas ia caindo para o lado!
Neste jantar, para além de Dong Zhi-ming e colaboradores, estavam também quatro colegas da Mongólia Interior, conhecidos, entre outras atributos, por serem resistentes aos efeitos do álcool. Para os chineses, quem aguenta bem a bebida é porque é bom líder, disseram-me.
Para além de convidado, era estrangeiro, e nisso os chineses são muito formais, de maneira que de 5 em 5 minutos levantava-se um chinês, fazia-me um brinde e bebíamos ambos um trago de aguardente de arroz. Como eles eram dez e eu o único convidado, tive que efectuar vários brindes com aguardente…
Dong Zhi-ming contou-me, no dia seguinte, que os colegas mongóis tinham ficado impressionados comigo porque nunca abandonei as boas maneiras nem alterei o tom de voz, e isso para eles é sinal de força interior. Não sei se é ou não, o certo é que nesse dia tinha uma certa dor de cabeça!
Lufeng é uma cidade muito pequena, mesmo para os standards chineses, semi-rural e onde quase nunca vão estrangeiros – é impressionante como estavam sempre a olhar para mim quando andava na rua…!
Recordo-me de sair um dia à noite e num restaurante (o mais próximo que se pode dizer daquele espaço…) onde entrei para me aventurar nas surpresas gastronómicas, estar vazio. Passada meia-hora, já quase não haviam mesas para chineses que apenas tinham dois objectivos: beber chá e mirar o ocidental que pensava em dinossáurios saurópodes, enquanto tentava adivinhar o que lhe tinham colocado no prato!
Foi também em Lufeng que ao sair de um riquexó motorizado (basicamente uma moto com uma cobertura atrás – foto) me deixaram à porta de uma pensão que não era a minha. Era de noite, não tinha o nome do sítio onde estava nem tão pouco sabia minimamente onde me encontrava. Para além de não esperar que alguém soubesse falar inglês, e o meu ultra-básico mandarim não dar para me safar daquela situação, foram uns minutos de completa impotência. Senti-me ao mesmo tempo como uma criança perdida no supermercado e como um adulto imbecil. Depois de ter recuperado a calma abordei o condutor do riquexó com as palavras “Kong long, kong long!” que significam “dinossáurio, dinossáurio”, uma das poucas que sei em mandarim.
Após o ter repetido várias vezes e o chinês ter recuperado das gargalhadas iniciais, lá deduziu que eu queria que ele me conduzisse ao Museu dos Dinossáurios.
É que a partir do Museu sabia eu o caminho!
Terminei a noite, com a cabeça de fora da caixa motorizada a gesticular “esquerdas e direitas” até ao meu hotel no sul da China.
Já andei por grande parte do mundo e nunca me tinha sentido tão “perdido” como naqueles cinco minutos…
A bela e o fémur do Monstro
Apenas um trocadilho, das profundezas da pesquisa bibliográfica.
Procurava uma referência de Prosauropoda do Lesotho e dei de caras com esta imagem.
A bela não está identificada; o fémur direito é de um plateosaurídeo indeterminado.
A escala humana é sempre aconselhável, até em fotos de campo.
Referências:
Primeira foto, tirada em 1955, em Maphutseng, Lesotho.
Knoll, F. 2004. Review of the tetrapod fauna of the “Lower Stormberg Group” of the main Karoo Basin (southern Africa) : implication for the age of the Lower Elliot Formation. Bulletin de la Société Géologique de France. v. 175 no. 1 p. 73-83 DOI: 10.2113/175.1.73
Segunda foto – fémur esquerdo de Plateosaurus engelhardti, Museum für Naturkunde, Berlin
Luís Azevedo Rodrigues, 2006
Na Patagónia – VIII (CONCLUSÃO)
Hoje vai ser o nosso último jantar no campo. Fizemos uma refeição especial, com vinho e uma aguardente típica da região. Comemos num misto de alegria triste já que sabemos que vamos deixar o campo mas que também nos fazem falta a família e um banho decente!
O caminho foi feito de forma lenta já que os dois todo-o-terreno e o Unimog iam muito carregados com o material da escavação. Ao fim de duas horas de caminho parámos onde dois trilhos se cruzavam. A gente de Zapala tinha que se separar. Antes disso, a habitual foto de família. Foram feitas as despedidas, da maneira típica patagónica unicamente com beijos, não muito triste porque nos íamos todos reunir dentro de duas semanas em Plaza Huincul, nas Jornadas Argentinas de Paleontologia.
Ainda assim em cada escavação há sempre um desconforto na despedida que é gerado pelas muitas horas de convívio e trabalho conjuntos.Quando entrámos novamente no asfalto, tudo me parecia novo. Olhava para as placas de trânsito como se nunca as houvesse visto. A cidade que me havia parecido tão simples e deserta transbordava de coisas novas, recentemente esquecidas. E tantas pessoas!
Só uma coisa permanecia igual…O céu era enorme!
Na Patagónia – VII (continua)
Começo a sentir-me isolado. Não pelo carácter desértico e estéril da paisagem patagónica – a vastidão da paisagem desenvolve em mim um distender da imaginação onde a solidão não teme espaço -, mas pelo hábito de estar sempre contactável pelo telemóvel, aqui sem a mínima cobertura.
No entanto, nestas enormes extensões de chão, um outro produto da tecnologia é absolutamente necessário – o GPS. As grandes distâncias e o carácter monótono da paisagem exigem que se utilize este instrumento tecnológico para se referenciarem e localizarem zonas fossíliferas.
Era isto que pensávamos Alberto, Xavier e eu quando nos dirigíamos onde, no dia anterior, Xavier havia descoberto vestígios de saurópodes. Não tendo tido tempo para proceder a uma avaliação cuidada e necessitando de uma opinião mais especializada, Xavier pediu-nos que regressássemos ao local.
Uma tarefa pouco fácil. Embora a área de prospecção se encontre numa das raras elevações, continua a ser muito difícil reconhecer e localizar o mesmo sítio de um dia para o outro. Referências visuais facilmente identificáveis aqui são escassas. Apesar do sentido de orientação apurado dos paleontólogos, o GPS é indispensável. Mas hoje o aparelho parecia não dar com o sítio. O resultado foi uma tarde a subir e a descer barrancos muito idênticos, variando somente as cores das rochas. Cansados e quase desistindo, Xavier fez mais um esforço para defender a sua “honra”. Eu fiquei a fumar um cigarro na base de mais um barranco desfrutando da paisagem. Do alto de mais de 60m, chamavam-me “Es aqui portugues!!“. Esqueço a referência patriótica e o possível novo engano e começo a subir. Fazia calor e o cansaço acumulado pesava. Quando cheguei não visualizei imediatamente o que Xavier me queria mostrar. Recuperei o fôlego e então sim, pude observar melhor. A princípio só se via uma pequena porção a aparecer mas depois de uma pequena limpeza pude verificar que, sim eram ossos fossilizados. “Que le parece a vos?”.
Xavier estás perdoado!.
“São de saurópode“, respondi. E prometem, pensei.
Essa tarde passámo-la escavando, quase junto ao topo do cerro, aquilo que já foram os ossos que permitiram a algum saurópode ter caminhado.
P.S. – segunda foto: Marina aponta para a base do cerro que temos que descer!
Na Patagónia – VI (continua)
Hoje escavei com Rafael Cocca, do Museo de Zapala e Marina Alegria, do Museo Carmen Funes. É a única mulher preparadora num ambiente quase exclusivamente masculino e foi ela que preparou os embriões de saurópodes descobertos em Auca Mahuida (informalmente chamada a partir daí Auca Mahuevo). Desenvolveu uma relação tão forte, ao longo das centenas de horas de trabalho, com os seus pequenos sáurios que inclusivamente os baptizou – Filipe, Pepe, etc. Baixa e de uma energia inesgotável fala dos seus pequenos “bebés” com um carinho enorme, como se fossem os seus animais de estimação. Apercebo-me que aqueles animais desaparecidos, pelo prazer e curiosidade científica aliados a uma imensa sensibilidade, podem ser “ressuscitados”.
Enquanto procedíamos à prospecção e escavação de alguns fósseis, contaram-me um pouco da história desta região e da fundação de Plaza Huincul. No final do séc. XIX esta era uma área que se encontrava sob forte colonização. Inicialmente eram estabelecidos fortes militares que serviam de guarda-avançada aos colonos que posteriormente se instalavam. A prévia instação militar justifica-se pela existência de indígenas Mapuche. Carmen Funes era uma mulher que acompanhava algumas dessas expedições de conquista do território patagónico. Numa delas decidiu estabelecer-se aqui e começar uma vida tendo casado com um dos militares.
O casal estabeleceu uma hospedaria e, diz a lenda, que o seu marido foi morto pelos Mapuche numa das constantes refregas.
No início do séc. XX, e devido ao desenvolvimento da extracção petrolífera, Plaza Huincul ter-se-à desenvolvido só adquirindo o carácter de Município nos anos 60 após ter expirado a concessão, pela companhia petrolífera YPF, da exploração das terras onde a cidade crescia.