Na Patagónia – V (continua)
Não houve um único dia que não tivesse acordado gelado. A amplitude térmica varia entre os 28º-30º C durante o dia e os cerca de -8ºC à noite. Estas variações contribuem igualmente para o carácter inóspito da região e para aumentar o cansaço da expedição.
Rodolfo Coria incitava o grupo dizendo que hoje lhe parecia um dia prometedor – para nós portugueses esta campanha já havia superado as expectativas. O referencial é completamente distinto entre os dois lados do atlântico – deixarmos no campo alguns fósseis em Portugal seria um pecado paleontológico.
Não sei se foi o sexto sentido paleontológico ou uma informação de campanha anterior o certo é que neste dia Coria “trouxe” à luz do dia três dentes de terópode (dinossáurio carnívoro) e uma mandíbula de crocodilo.
Nesta área (a cerca de 100 km de Plaza Huincul) foram encontrados diversos ovos de saurópodes e os primeiros com embriões preservados, alguns deles com fragmentos de pele preservada. A primeira vez que os vi e estudei não pude deixar de me sentir arrepiado com o grau de preservação dos tecidos – pareciam que tinham acabado de ser postos e a qualquer momento iriam eclodir!
Com todas estas descobertas compreende-se o grau cada vez maior de exigência nas descobertas para que mantenham estes investigadores com ânimo.
Ao fim da tarde e animados com as descobertas do dia permitimo-nos parar no topo do Cerro e admirar a vista deslumbrante que tínhamos a nossos pés. Quilómetros e quilómetros de planície de vegetação rasteira, apenas sulcados com caminhos rectilíneos abertos pelos trabalhadores das companhias petrolíferas.
(Continua)
Na Patagónia – IV (continua)
Iniciámos hoje a prospecção na vertente norte. Íamos a caminho quando fomos chamados via rádio. ” Los portugueses están por allí?”, alguém do Museo de Zapala tinha encontrado aquilo que pareciam ser pegadas de dinossáurio e pediam ajuda à única especialista presente – Vanda Santos.
Dirigimo-nos para o local, a cerca de 30 minutos de caminho. Chegados ao ponto indicado pensámos: “Mas como é que eles lá foram parar?”. Cem metros abaixo, numa vertente com uma inclinação enorme víamos os nossos companheiros que nos acenavam. Iniciámos a longa descida, fazendo lentos e demorados ziguezagues para evitarmos a queda certa. Vanda só me lembrava que nem quando esteve suspensa por cabos a estudar as pegadas do Cabo Espichel teve tanto medo …
Fomos recebidos com mate – “Nem à beira do precipício deixam de beber mate?”, na verdade serviu para nos acalmar. Iniciámos a avaliação da laje em condições novas – ambos suspensos e preocupados mais com a necessidade básica de sobrevivência do que com a importância científica da laje.
Apesar de tudo a apreciação das marcas permitiu dizer que, apesar de promissora, não valia a pena procedermos à sua deslocação até ao acampamento, dado não apresentar marcas inequívocas de grandes sáurios.
Neste dia foram descobertos mais alguns fragmentos de ossos de membros de saurópodes.
(Continua)
Na Patagónia – III (continua)
A rotina matinal, após o pequeno-almoço, consistia em efectuarmos o trajecto que nos separava da base do Serro Portezuelo no Unimog- os cerca de 5km moía-nos o corpo logo pela manhã.
Chegados, separávamo-nos em grupos de três ou quatro e procedíamos à selecção das áreas a serem “batidas”. Cada grupo ficava com um rádio walkie-talkie, que nos permitia comunicar achados importantes ou criar uma espécie de banda-da-amizade paleontológica.
Iniciávamos a caminhada diária (cerca de 10 kms) subindo e descendo imenso, sempre a olhar e a ver. Dirigíamo-nos aos afloramentos rochosos potencialmente fossilíferos e aí chegados apurávamos os “sentidos” paleontológicos.
Tal como a história das migalhas deixadas pelos meninos para não se perderem na floresta, assim foi a minha primeira descoberta. Seguindo fragmentos de osso por uma encosta acima “dei” com o meu primeiro vestígio de vida mesozóica na Patagónia – uma tíbia (osso da perna) de saurópode. Uma mescla de emoções à mistura com todo o peso de racionalidade científica invade-me.
Iniciei os trabalhos de limpeza, escavação e consolidação do material, sem “provocar” as hostes pelo rádio. Tinha encontrado o meu primeiro osso na Patagónia e logo de saurópode!
Para almoçar reuníamo-nos, normalmente, em depressões do terreno ou ribeiros secos, procurando abrigo do sol abrasador. Partilhávamos sanduíches, fruta e água e trocavam-se histórias de escavações passadas. Pude conhecer melhor Alberto Garrido, geólogo do Museo Carmen Funes. Conhecia-o de várias publicações, entre as quais algumas relativas a Auca Mahuida – jazida de ovos e embriões de saurópodes descobertas em meados dos anos 90. Tem a mesma idade que eu e já percorreu bastantes pontos do globo, fazendo cartografia geológica. Impressionou-me o relato da sua primeira saída como geólogo profissional. Em 1996 foi-lhe atribuído, e a mais dez geólogos, o trabalho de cartografar a geologia de parte da Serra de Aconcágua – a maior elevação da América do Sul. Durante a viagem para a base da serra, um dos veículos despistou-se tendo falecido metade dos geólogos. Contava-me Alberto que, de uma forma aparentemente natural, comunicaram aos familiares o sucedido, procederam às exéquias dos mortos e alguns dias depois retomaram o trabalho geológico (com metade dos especialistas). Aquela história pareceu-me absolutamente reveladora de um espírito duro e capaz de grandes sacrifícios. Trabalhar na Aconcágua é uma tarefa fisicamente desgastante (a mais de 5000 m de altitude) mas fazê-lo após a morte de vários companheiros parece-me quase humanamente insuportável. Fizeram-no, conta Alberto Garrido, como uma homenagem aos mortos e para espantar os seus medos e fantasmas. Tinha sido a primeira das suas três expedições a Aconcágua.
Pelas 17h30 chegávamos ao local onde tínhamos deixado o Unimog e enquanto esperávamos pelos mais atrasados dava-se início a “cerimónia” do Mate.
Neste dia o meu grupo encontrou mais fragmentos de ossos de dinossáurio e de tartarugas.
P.S. 3ª foto – Vista do Serro Portezuelo; 4ª foto – Xavier e Alberto Garrido tomando Mate.
Na Patagónia – II (continua)
Acordei pelas 6h30, tinha passado uma noite gelada e demorei a perceber que estava no meio da Patagónia. Saí da tenda mal os primeiros raios de luz iluminavam a paisagem, que ainda não havia visto. Dei por mim primeiro embasbacado, depois um pouco receoso – a enormidade do espaço poderia provocar agorafobia a qualquer um.
Dirigi-me ao local onde havíamos jantado. Rodolfo Coria chegou pouco tempo depois e começámos a aquecer água para o café e mate matinais. Este paleontólogo, com mais de 20 anos de experiência, contribuiu com importantes achados paleontológicos na região que estávamos prestes a explorar. Em meados dos anos 90 descobriu vértebras e alguns ossos das patas do que é considerado o maior dinossáurio alguma vez descoberto – o Argentinosaurus.
Este dinossáurio saurópode (herbívoro e quadrúpede), e com base nas proporções dos restos ósseos descobertos, mediria cerca de 40 metros de comprimento e pesaria mais de 100 toneladas.
Descobriu ainda restos fossilizados do maior dinossáurio carnívoro, Giganotosaurus (maior do que o famoso T-rex), em conjunto com Phillipe Currie do Tyrrel Museum do Canadá, e em parceria com Alberto Garrido e Luis Chiappe, revelou ao mundo as riquezas paleontológicas da jazida de Auca Mahuida. Pouco a pouco todos os elementos da expedição saíam das suas tendas.
Esta manhã parte da equipa tinha que ir desatascar o veículo que na noite anterior nos havia transportado. Para tal foi preciso recorrer aos “serviços” do Mercedes Unimog. Como iria perceber nos dias seguintes, sem esta verdadeira “mula” dos tempos modernos, a maioria das deslocações até à base do Serro teriam sido talvez impossíveis.
Nota: como quem já esteve na Argentina sabe o que é o Mate, convém explicar para quem não esteve. O mate é uma planta a partir da qual se faz a infusão de nome idêntico. Bebe-se a partir de um recipiente – calabaza – feito de uma pequeno abóbora, e sorvido por um tubo de metal chamado bombilla. Para além de funcionar como refescante e estimulante, é parte de um ritual de partilha e socialização. Os argentinos tomam-no a toda a hora, andando, por todo o lado, com um termo de água quente. Agradecer, indica que já não desejamos beber mais.
(Continua)
Na Patagónia – I (continua)
(Num momento de enorme trabalho na tese, e em que me encontro num vai-não-vai para suspender o Ciência Ao Natural, publico, em várias partes, um resumo do trabalho de campo efectuado na Patagónia argentina, em 2005. Recordei-me deste diário devido à estreia – nos EUA – do documentário Dinosaurs 3D: Giants of Patagonia. Este trabalho foi efectuado na província de Neuquén. em 2004 já havíamos estado na províncias de Chubut e Rio Negro)
“Sur o no Sur” (Sul ou não Sul) Kevin Johansen
Chegámos a Plaza Huincul depois de mais de 24 horas de viagem. A cidade, num sábado à tarde de calor, parecia deserta. Lembrava as cidades de um México cinematográfico – paradas à espera de algo que nunca acontece.
A equipa tinha-se instalado na base do Serro Portezuelo havia dois dias e enquanto esperávamos que nos viessem buscar procurámos um sítio onde comer. As horas não eram as mais adequadas – estava calor e tudo fechado.
Quando a noite já tinha caído apareceu um dos membros da equipa num Chevrolet antigo. Era Sérgio Cocca, do Museo Carmen Funes.
Partímos e após vários quilómetros de asfalto entrámos numa picada de terra onde as últimas luzes deram lugar à enormidade do céu patagónico. Procurava uma referência familiar nalguma constelação, mas tinhamos cruzado o equador!
O caminho ia-se complicando até que, num acesso apertado e cortado num dos lados por uma escarpa com cerca de 3m de altura, o veículo inclinou de tal forma que nos encolhemos uns contra os outros. Não subia. Sérgio, circunspecto até à exaustão (uma maneira muito própria de ser patagónico, como viemos depois a perceber) permanecia silencioso. Vanda e eu igualmente – o medo dá-nos por vezes para o silêncio, para não perturbar. Tentámos de novo mas não avançávamos. Parecia que escorregava. Sérgio finalmente disse algo: “Se queda!“. Pensámos: “mas fica o quê?”. No dia seguinte viríamos resgatá-lo.
Descarregámos as mochilas e começámos a caminhar. Apareceram depois, no meio da escuridão, parte do resto da equipa que pensaram ter havido um problema. Entre eles estava Rodolfo Coria, que nos convidou para esta “aventura”.
Caminhámos alguns quilómetros até que vislumbrámos luzes e o resto da equipa. Estavam numa depressão do terreno à volta de uma fogueira ainda sem jantar, à nossa espera. Levaram-nos depois às nossas “carpas” (tendas). Iria partilhar a minha com um jovem investigador do Museo de Cinco Saltos (cerca de 150 km de Plaza Huincul), Ignacio Cerda ou Nacho.
Deitei-me sem ainda ter intuído verdadeiramente onde estava…
Cerca das três da manhã, por motivos fisiológicos tive que deixar a tenda. Mal saí fui de novo “assaltado” pela enormidade do céu. Senti-me de uma pequenez extrema… Só pela vista deste céu a terrível viagem já havia valido a pena.
Agora havia que trabalhar…
Apanhados no radar
(interrupção esporádica do pousio)
O suor corre-lhe pela cara, vendando-o quase por completo. Corre, tentando escapar aos sons ensurdecedores que, atrás de si, estão cada vez mais perto. As pernas não lhe respondem, indo atrás e à frente como pêndulos de um relógio acelerado. Atrás de si, as patas do perseguidor não param, mas a sua amplitude é maior do que a da presa. A distância entre ambos é cada vez menor, não havendo tempo para fugas ou ocultações na vegetação.
Esta cena podia ser de um qualquer filme, mas não é. É parte do imaginário que se pode fazer a partir dos dados científicos publicados a 22 de Agosto.
Biólogos e paleontólogos da Universidade de Manchester propõem velocidades diferentes das até aqui propostas para os sáurios extintos.
Utilizando modelos computacionais – algoritmos evolutivos – baseados em dados de animais actuais (como, por exemplo, a ave corredora australiana Ema), foram propostas novas velocidades máximas para algumas espécies de dinossáurios. Segundo esta modelação, o Compsognathus, com apenas 3 kg de peso, podia atingir uma velocidade de mais de 60 km/h, ou seja superior a qualquer animal bípede actual.
Tal como os atletas de alta-velocidade ou os jogadores de futebol, também a velocidade máxima atingida pelos dinossáurios é um factor de extrema importância. A fuga da presa ou o sucesso do predador estão dependentes da velocidade e contribuem para um maior ou menor sucesso evolutivo dos animais envolvidos.
Mas como calcular a velocidade de animais que nunca cruzaram uma meta?
Desde há mais de um século que os paleontólogos têm tentado estimar as velocidades atingidas pelos dinossáurios.
Estas estimativas têm sido propostas a partir de medição de pegadas e do passo obtido na pista, do estudo da estrutura (forma e tamanho) anatómica dos dinossáurios e destas com as de animais actuais, cálculos das forças suportadas pelos matérias envolvidos (leia-se ossos), localização das inserções musculares, entre outros métodos.
Pressente-o. Imagina o toque, tentando olhar de soslaio. Apesar de correr sente-se gelado. Muda de direcção subitamente. Ganha alguma distância.
Trabalhos de John Hutchinson e colegas da Royal Veterinary College em Londres tinham sugerido, em 2002, para a impossibilidade de o T. rex poder atingir velocidades superiores a 40 km/h. Apesar de não muito estimulante, quando comparada com as velocidades atingidas nas nossas auto-estradas, é de referir que Francis Obikwelu atinge “apenas” idênticos 40 km/h.Animais grandes não se deslocam necessariamente mais velozmente que animais pequenos. Veja-se por exemplo os elefantes. Segundo Hutchinson, os elefantes não correm; apenas aumentam a cadência do seu andar, adquirindo uma maior velocidade. Este investigador calculou ainda que para um T. rex atingir uma velocidade de 70 km/h necessitaria possuir 86% do seu peso total em músculo – um autêntico Schwarzenegger, biologicamente pouco viável!
Para além destas impossibilidades na ligeireza, também as mudanças súbitas de direcção necessitariam de segundos para serem efectuadas, impossibilitando o grande dino de súbitas mudanças de direcção.
O terreno era agora lamacento. Escorregou, ficando prostrado no meio do lodo e sedimentos. Atrás de si, o ruído das passadas diminuiu de cadência.
As velocidades, inferidas a partir das medições feitas nos rastos de pegadas, são normalmente baixas. Estas medições tradicionalmente deixavam entender que os dinossáurios eram animais lentos.
Em Portugal a velocidade máxima inferida a partir de pegadas é de cerca de 14 km/h num trilho de terópode (dinossáurio carnívoro e bípede) do Cabo Espichel. Rastos de dinossáurios saurópodes, como o dos da Pedreira do Galinha, apresentam velocidades máximas de 5 km/h. No entanto estes dados não significam que os dinossáurios eram animais lentos. O que os paleontólogos explicam é que as condições geológicas para a preservação das pegadas (icnitos) são diferentes das necessárias á preservação dos ossos. Os sedimentos favoráveis à preservação daquelas marcas são os de ambientes lamacentos ou semelhantes. Nestes ambientes a movimentação é mais difícil pois existe o risco de o animal escorregar. Assim, é natural que as velocidades de deslocação calculadas a partir de pegadas de dinossáurios sejam, na sua maioria, velocidades baixas.
Por algum motivo o som abrandava atrás de si. Estava cada vez mais distante. Escapara, no meio da lama.
Referências
Hutchinson, J. & Garcia, M. 2002. Tyrannosaurus Was Not a Fast Runner. Nature 415: 1018-1021.
Hutchinson, J.R., D. Schwerda, D. Famini, R.H.I. Dale, M. Fischer, R. Kram. 2006. The locomotor kinematics of African and Asian elephants: changes with speed and size. Journal of Experimental Biology 209: 3812-3827
Sellars, W.I. & P.L. Manning. 2007. Estimating dinosaur maximum running speeds using evolutionary robotic. Proceedings of the Royal Society B. DOI: 10.1098/rspb.2007.0846
Não foi falta de comparência…foi KO!
Ao contrário do que se pensava os dinossauros não dominaram todo o Mesozóico (251-65 milhões de anos).
Os vertebrados terrestres dominantes eram outros.
Até ao final do Triásico, algumas das faunas dominantes eram, por exemplo, os grupos Rhynchosauria, répteis herbívoros, os Aetosauria (1, 2), também herbívoros, e os carnívoros Phytosauria.
Entre os representes mais antigos do clado Dinosauria contam-se o Herrerasaurus ischigualastensis e o Eoraptor lunensis, ambos procedentes de jazidas da Formação Ischigualasto do Triásico superior Argentina.
Para além das análises filogenéticas que proporcionaram formular, permitindo perceber o enquadramento dos vários elementos basais de Dinosauria, aquelas duas espécies revelaram igualmente pormenores anatómicos que permitem compreender a evolução locomotora do grupo*.
A transição entre as faunas de não-dinossáurios para um domínio faunístco de dinossáurios, ao nível de diversidade e ocupação de ecossistemas, deu-se, segundo a revista Science, de forma diferente e menos rápida do que se supunha**.
O grupo de paleontólogos que apresentou estes resultados propôs que essa substituição faunística, ao nível de vertebrados terrestres, ter-se-à dado não só mais lentamente mas também de forma distinta em vários locais do planeta.
Os vertebrados terrestres dominantes, pensava-se, teriam entrado em declínio, permitindo assim que os secundários dinossauros ocupassem os nichos ecológicos abandonados.
Mas o que propõem os paleontólogos é que ambas as faunas – dominantes e dinossauros – coexistiram durante um período grande de tempo – 15 a 20 milhões de anos.
O que se verificou , por outras palavras, foi uma vitória por KO (adaptativamente os dinossauros foram melhores) e não uma vitória por falta de comparência (as faunas até aí dominantes coexistiram com os dinossauros e não se extinguiram previamente ao aparecimento daqueles).
* – Ao contrário do que sucedeu com os mamíferos, cujos elementos conhecidos (alguns exemplos 1, 2 , 3) mais primitivos eram todos quadrúpedes, a locomoção original nos dinossauros era a locomoção bípede.
**- A associação faunístca estudada e que permitiu estes resultados foi a da Formação Chinle do Triásico superior do Novo México, nos EUA.
Referências:
Langer, M.C., Benton, M.J. 2006. Early dinosaurs: a phylogenetic study.Journal of Systematic Palaeontology 4 (4): 309–358
Sereno, P. 2007. The phylogenetic relationships of early dinosaurs: a comparative report. Historical Biology, 2007; 19(1): 145–155
Randall B. Irmis, Sterling J. Nesbitt, Kevin Padian, Nathan D. Smith, Alan H. Turner, Daniel Woody, Alex Downs. A Late Triassic Dinosauromorph Assemblage from New Mexico and the Rise of Dinosaurs. Science 20 July 2007: Vol. 317. no. 5836, pp. 358 – 361
DOI: 10.1126/science.1143325
Imagens – capa da revista Science de 20 de Julho de 2007; ©Carlos Papolio 2006
Auto da Ocorrência
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 28/06/2007)
Trânsito parado. Avançamos. Polícias. Medem algo na estrada. Mais à frente, carros batidos. Os peritos continuam a medir e a escrever. Finalmente conseguimos passar, apenas retendo na memória o resultado final do que aconteceu.
A familiar cena de cidade poderia ser um qualquer dia de um paleontólogo que estude pegadas de dinossauro.
Tal como os polícias e os mirones, também os cientistas procuram saber o que se passou. Medem os vestígios do acontecimento ocorrido algures num passado mais ou menos remoto. Os elementos da autoridade medem o rasto da travagem para inferirem o tempo de duração da mesma e a velocidade provável a que se deslocava o carro. Os paleontólogos medem o espaço entre pegadas para deduzirem a velocidade do animal. Esta medição permitiu, por exemplo, constatar que, no Cabo Espichel, o trilho de um dinossauro carnívoro apresentava um passo (série de duas pegadas) irregular; por outras palavras, o animal coxeava. As razões para este comportamento podem ser várias: ferimento numa das patas ou, motivo mais difícil de comprovar, poderia estar a transportar uma presa.
Os paleontólogos conseguem inferir uma série de informações biológicas a partir da “cena do crime”: p.e., com base no tamanho e forma da pegada, conseguem concluir a altura do animal até à anca e assim ter uma ideia geral do tamanho do animal.
No caso da maior jazida portuguesa de pegadas de dinossauro – Pedreira do Galinha, na zona de Fátima – podem observar-se centenas de pegadas de saurópodes – dinossauros herbívoros quadrúpedes. Este local apresenta os maiores rastos de dinossauros do Jurássico médio (sensivelmente há 165 milhões de anos) a nível mundial, dois dos quais com mais de 140 metros de extensão.
Não só os rastos permitem deduzir informações sobre a velocidade e comportamento do animal. A partir da forma das pegadas individuais, os paleontólogos obtêm informações sobre o seu autor: à semelhança de um CSI natural, deduzem, com maior ou menor rigor, o retrato-robô de quem andou (literalmente) num determinado local.
As pegadas de dinossáurio também exerceram fascínio na produção literária.
A descoberta em 1909 de pegadas de Iguanodon, em Inglaterra, originou uma enorme excitação em Sir Arthur Conan Doyle, o criador do detective Sherlock Holmes.
Alguns autores apontam este motivo, bem como a publicação da “Origem das Espécies” de Darwin, como os principais factores de inspiração para que Conan Doyle escrevesse “O Mundo Perdido”, relato de aventuras num país da América do Sul povoado de criaturas perigosas e pretensamente extintas.
Ao contrário do que se passa nos acidentes de automóvel, em que os responsáveis materiais normalmente ficam junto do local da “ocorrência”, no caso das pegadas de dinossauro estes nunca lá estão para soprar no balão. Uma das perguntas mais frequentes que me são feitas refere-se ao motivo pelo qual os ossos de dinossauro nunca são encontrados perto das jazidas de pegadas. As razões são essencialmente duas: a maioria das pegadas é produzida em momentos de actividade biológica habitual, isto é, quando o animal se encontrava em movimento para pastar ou caçar, não sendo provável, assim, que tivesse deixado aí o seu esqueleto…
O segundo motivo diz respeito às condições de preservação – tafonomia – dos vestígios. Pegadas e ossos necessitam de condições geológicas diferentes para fossilizar, ou seja, os ingredientes para a fossilização são distintos para o registo icnológico (pegadas) e o registo osteológico (ossos).
Tal como os índios norte-americanos, que perseguiam os seus adversários ou as presas numa caçada, também os paleontólogos seguem os rastos, embora nunca consigam alcançar os seus autores… ao contrário daqueles, apenas ficam com pedaços duma ocorrência do tempo passado.
Foto: Luís Azevedo Rodrigues – jazida de Vale de Meios
“Passarão”
Uma nova espécie, na ligação evolutiva entre dinossáurios e aves, foi descoberta na China (Mongólia interior) – o Gigantoraptor erlianensis, em rochas com 85 milhões de anos (Cretácico superior).
O importante da descoberta reside no tamanho deste animal – cerca de 8 metros de comprimento e pesando 1.4 toneladas.
Este animal é evolutivamente surpreendente porque na linha evolutiva dos dinossáurios para as aves se pensava, e todas as formas encontradas até agora o comprovavam, que
existiria uma redução no tamanho entre os dinossáurios e as aves: o Gigantoraptor erlianensis é o exemplo contrário.
Filogeneticamente (ao nível do parentesco) o Gigantoraptor erlianensis é um dinossáurio que pertence grupo Oviraptorosauria – grupo de dinossáurios com penas que raramente ultrapassavam os 40 kg (“O Falso Culpado”). Existiria assim uma ainda maior diversidade morfológica do que até agora se pensava.
Só por si esta nova “aquisição” paleontológica seria motivo de notícia; mas as novidades não ficam por aqui.
Segundo os autores, que efectuaram análises aos tecidos ósseos preservados, este animal apresentava uma taxa de crescimento mais rápido do que os seus “primos” tiranossáurios norte-americanos – Albertosaurus e Gorgosaurus.
Mais uma das dezenas de boas-novas paleontológicas que chegaram da China nos últimos 20 anos.
Estou ansioso pela leitura detalhada do artigo e pelas novidades detalhadas!
P.S.: na segunda imagem a microestrutura óssea com linhas de crescimento anual.
Referência (apenas abstract consultado):
Xu, X., Tan, Q., Wang, J., Zhao, X., and Tan, L. 2007. A gigantic bird-like dinosaur from the Late Cretaceous of China. Nature 447:844-847. doi: 10.1038/nature05849.
Imagem: (Handout/Reuters)