Noblella pygmaea

Noblella pygmaea – 11,4 milímetros de vida…

Referência:
A New Species of Minute Noblella (Anura:Strabomantidae) from Southern Peru: The Smallest Frog of the Andes. Copeia, Volume 2009, Issue 1 (February 2009), pp. 148-156.

Imagem
daqui

Paleo talk ou Miragaia longicollum

Logo após a publicação do artigo científico que descrevia um nada usual estegossáurio, enviei um pequeno questionário ao paleontólogo Octávio Mateus.
Pretendia que Mateus, numa linguagem acessível, descrevesse o Miragaia longicollum bem como a importância deste exemplar para a compreensão da vida passada na Terra.

Aqui está a mini-entrevista ou, como prefiro, uma troca de mails entre paleontólogos:

Ciência Ao Natural (CAN): Como apresentaria este novo dinossáurio ao público?
Octávio Mateus (OM): Como todos os dinossauros estegossauros é um quadrúpede herbívoro, com placas no dorso, espinhos na cauda e membros anteriores curtos. Mas ao contrário dos outros estegossauros, este tem um pescoço invulgarmente longo, com 17 vértebras cervicais, o que representa 10 a mais do que a girafa e o maior número entre todos os dinossauros não-avianos.

CAN: Esqueça que participou nesta descoberta. Como classificaria a importância deste fóssil?
OM: Este fóssil é um dos dinossauros portugueses mais completos e o facto de ser um novo taxon vem reforçar a importância de Portugal no cenário da riqueza mundial de dinossauros. A sua inesperada característica de pescoço longo leva-nos a uma série de questões fascinantes sobre a evolução destes dinossauros. Além disso, o Miragaia longicollum demonstra a plasticidade evolutiva dos dinossauros.

CAN: As semelhanças morfológicas, ao nível do esqueleto do pescoço, entre dois grupos de dinossáurios distintos como os saurópodes e o estegossáurios são evidentes nunca antes registadas. Que podemos inferir destas parecenças, ao nível da evolução dos dinossáurios?
OM: As semelhanças mostram que a convergência evolutiva é tão surpreendente como lógica e expectável. Ou seja, se por um lado ninguém esperava ver um estegossauro com 17 vértebras cervicais e superficialmente parecido a um saurópode, por outro lado, a plasticidade evolutiva associada à necessidade de adaptação ao mesmo ambiente dos saurópodes faz da convergência um processo comum e expectável.

CAN: Qual o dinossáurio que gostaria de descobrir em Portugal? Porquê?
OM: Gostaria de descobrir algo que não estivesse à espera de o fazer. Quanto mais inusitado, mais interessante será. Uma descoberta verdadeiramente inesperada levantaria muitas mais questões científicas e tornaria a paleontologia ainda mais cativante.

CAN: Qual o conselho que daria a um jovem português que gostasse de seguir as “pisadas” de Octávio Mateus?
OM: Sem me considerar um modelo, acho que o desejo de aprender mais sobre história natural é a minha grande motivação. Aconselho a interessarem-se pela história natural e nunca perderem a vontade de estudar.

Referência: Mateus, O., Maidment, S.C.R., and N.A. Christiansen. 2009. A new long-necked ‘sauropod-mimic’ stegosaur and the evolution of the plated dinosaurs. Proceedings of the Royal Society B, first online. DOI 10.1098/rspb.2008.1909.
Imagens: do blog Lusodinos

I Iberian Symposium on Geometric Morphometrics

Há quase cinco anos organizei e co-ministrei um Workshop de Morfometria Geométrica – resumo aqui. Agora é a vez de divulgar o I Iberian Symposium on Geometric Morphometrics, que decorrerá na cidade catalã de Sabadell, entre 23 e 25 de Julho de 2009.
Agradeço o honroso convite da organização para fazer parte da Comissão Científica, especialmente porque esta integra investigadores de excelente nível, como F. James Rohlf (State University of New York), Christian Klingenberg (University of Manchester), Paul O’Higgins (Hull-York Medical School, University of York), Diego Rasskin-Gutman (Universidad de Valência), entre outros.
A Morfometria Geométrica é um conjunto de técnicas de análise de variação da forma orgânica.

The advent of Geometric Morphometrics was claimed as a revolution at the end of the century, and step by step it has grown to become a customary tool to analyze and understand the ultidimensional nature of biological form.
This symposium is organized to gather for the first time all practitioners of the field, as a way to share each one´s knowledge, findings and concerns, but also as a way to begin opening a window for future collaborations.”
(do site do Simpósio)
Um FAQ da Universidade de Viena sobre a Morfometria Geométrica.

Informações:

Página do Simpósio no Instituto Catalão de Paleontologia / Miquel Crusafont (organização):
Mais informações em (segunda circular):
Impresso de registo:
http://www.icp.cat/docs/registration.form_70.pdf

Imagens – dos sites do Simpósio e da Universidade de Viena.

Panphagia protos

Já não o incluirei na tese, apesar de ser objecto dela.
Mas que raio…devia haver um período de carência de publicação de novas espécies, especialmente quando fazem parte do nosso objecto de estudo.
Deveríamos entrar num limbo, onde tudo estivesse parado e não fôssemos obrigados a tentar apanhar tudo o que cai do céu com uma sombrinha de cocktail…
Enfim…

Panphagia protos é um sauropodomorfo basal, daqueles que só existem nas primeiras fotos de família…

Referência: Martinez RN, Alcober OA, 2009 A Basal Sauropodomorph (Dinosauria: Saurischia) from the Ischigualasto Formation (Triassic, Carnian) and the Early Evolution of Sauropodomorpha. PLoS ONE 4(2):e4397.doi:10.1371/journal.pone.0004397

Imagens: da referência

II O canário do mineiro

(continuação)

O registo paleontológico conta-nos que, após cada evento deste tipo, se dá um rápido desenvolvimento de novas linhagens biológicas. É comummente aceite que o desaparecimento dos dinossáurios terá facilitado o desenvolvimento e diversificação dos mamíferos. Este pequeno exemplo permite constatar que os acontecimentos de extinção de enormes quantidades de seres vivos facilitaram o desenvolvimento de outros grupos biológicos, entre os quais os próprios seres humanos.

Num inquérito recentemente efectuado entre biólogos, paleontólogos e evolucionistas, sete em cada dez afirmam que está a ocorrer mais uma das grandes extinções – a Sexta Extinção em Massa. Esta extinção tem como principal causa um único ser vivo – Homo sapiens – e será provavelmente a mais devastadora das que a precederam.
São referidos números distintos mas é unânime que os números avançados, em 1993, por E.O. Wilson – que cerca de 30 000 espécies desaparecem por ano – se encontram desactualizados, mas por defeito…

Ao contrário das outras cinco, a Sexta Extinção caracteriza-se por enormes transformações da paisagem, sobreexploração das espécies (animais e vegetais), poluição e introdução de espécies estranhas a determinados ecossistemas (por ex. acácias introduzidas em Portugal).

A redução da diversidade biológica regista-se a uma taxa nunca antes testemunhada no nosso planeta – em quantidade e rapidez com que está a ocorrer. A título de exemplo, entre as cerca de 10 000 espécies de aves que actualmente se conhecem cerca de 1200 estão seriamente em risco de extinção.

Porque devemos então preocupar-mo-nos que uma espécie de anfíbio da América do Sul se extinga?

Para além de nos inquietar a redução do património genético e consequente “ataque” à biodiversidade, esse desaparecimento é uma mensagem especial.

Deve fazer-nos lembrar que esse anfíbio pode ser o nosso Canário do Mineiro, que lhe devemos prestar atenção correndo o risco de, se o não fizermos, colocarmos a vida na Terra num futuro mais do que minado…

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro em Outubro de 2004)

Referências
existe vasta bibliografia referente a extinções em massa; recomendo sobretudo os trabalhos de Douglas Erwin, que há mais 15 anos teve a simpatia e modéstia de responder directamente a uma questão trivial de um estudante de licenciatura sobre …o estudante era eu; a questão tenho pudor em a revelar.

Imagens (dos dois posts e por ordem):
daqui, daqui, daqui, daqui, daqui e, finalmente daqui.

O canário do mineiro I

(recupero um texto publicado em 2004 como consequência da vinda de Niles Eldredge à Gulbenkian, no próximo dia 13 de Fevereiro, para uma palestra integrada na comemoração dos 150 anos da publicação da Origem das espécies de Charles Darwin)

Há cerca de 10 anos, deambulava eu numa livraria de Edimburgo quando encontrei um livro de um dos mais importantes paleontólogos e evolucionistas ainda vivos.

O livro, “The Miner’s Canary. Unravelling the Mysteries of Extinction”, custou-me apenas uma libra e foi escrito por Niles Eldredge.

Este paleontólogo, que em conjunto com Stephen Jay Gould, propôs, na década de 70 do século passado, uma das mais importantes teorias revisionistas da Evolução – o Equilíbrio Pontuado.

O Professor Eldredge trabalha há mais de trinta anos no American Museum of Natural History (AMNH), em Nova Iorque, como Curator de Invertebrados.
Desde o primeiro dia em que cheguei ao AMNH, para desenvolver a minha investigação em dinossáurios, tive o título desse livro a martelar-me na cabeça.

Passava todos os dias pelo corredor onde se localizava o gabinete do Doutor Eldredge e sempre o quis questionar da razão desse esse título…

O título surgiu de uma costume dos mineiros do século XIX e início do século XX. As aves eram transportadas, em gaiolas, para as profundezas da Terra para auxiliarem na detecção de concentrações anormais de gases perigosos (metano, monóxido de carbono, etc.). Quando, devido à actividade mineira, os gases eram libertados, os canários eram os primeiros dar o sinal de alerta, comportando-se de uma forma assustada – deixavam de cantar e ficavam nervosos, chegando mesmo alguns a morrer.

Assim, os mineiros já sabiam que algo de errado se passava com o ambiente de mina, podendo fugir em segurança.

Niles Eldredge utiliza, metaforicamente, essa tradição para nos lembrar que as alterações provocadas na biodiversidade dos actuais ecossistemas pelo Homem têm necessariamente consequências sobre tudo e todos.

Apesar de estarmos familiarizados com a palavra extinção e sermos capazes de identificar as suas causas, extinções e desaparecimentos biológicos em grande escala não são uma novidade na História da Terra.

As Extinções em Massa são acontecimentos em que, num curto espaço de tempo geológico, grande quantidade de formas de vida desaparece a nível planetário.

Fenómenos assim designados foram vários, mas os mais importantes (em quantidade de espécies e número de ecossistema afectados) são cinco:

Ordovícico (440 milhões de anos; desaparecimento de 57% de espécies marinhas, uma vez que a vida em ambientes terrestre ainda não se havia desenvolvido) – a segunda extinção mais devastadora para os ambientes marinhos; um terço de todas as famílias de braquiópodes e briozoários, bem como inúmeras famílias de conodontes, trilobites, graptólitos e corais;

Devónico (370 milhões de anos) Desaparecimento de 75% das espécies marinha entre corais rugosos e várias espécies de trilobites e amonites;

Pérmico/Triásico (250 milhões de anos – 60% de desaparecimento de todas as espécies e 75 a 90% das espécies marinhas). Nesta extinção, por exemplo, desapareceram todas as espécies de trilobites bem como diversos grupos de vertebrados terrestres. Actualmente pensa-se que na sua origem terá estado uma enorme actividade vulcânica. Esta actividade, para além do efeito directo das lavas (cerca de 2000000 km3 (!) em menos de um milhão de anos) terá libertado igualmente uma imensa quantidade de gases para a atmosfera que contribuíram directamente para importantes alterações climáticas. Efeitos indirectos dos gases libertados foram as alterações na composição química, circulação e oxigenação dos oceanos. As mais recentes investigações apontam igualmente para uma possível queda de um meteorito~;

Triásico/Jurássico (200 Milhões de anos – 45% de todas as espécies). Esta extinção é uma das menos conhecidas e terá feito desaparecer, entre outras, grande quantidade de espécies de dinossáurios “primitivos”;
Cretácico/Terciário (65 milhões de anos – 75% de fauna e flora, entre os quais todos os dinossáurios não-avianos e amonites). Esta é uma das extinções melhor estudadas e conhecidas, estando na sua génese o bem conhecido impacto de um meteorito que poderá ter tido como aliados fenómenos de vulcanismo intenso.

(continua 5ª feira dia 22 de Janeiro de 2009)

Rodar à Esquerda

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 29/11/2007)
O actual governo “devia governar um bocadinho mais à esquerda”, afirmou Mário Soares. Respondeu Vitalino Canas: “O PS governa à esquerda e de acordo com as possibilidades que tem de governar à esquerda”.

Onde têm origem estas lateralidades? E porque se imiscuem conceitos políticos em histórias de evolução e biologia?
Comecemos pela primeira questão. A polaridade entre esquerda e direita surgiu no séc. XVIII durante a Revolução francesa. Esta demarcação despontou durante a fase da Monarquia Constitucional, quando os lugares da Assembleia Legislativa eram ocupados, à direita, pelos deputados da aristocracia, e à esquerda, o povo e a pequena e média burguesia.
Esta dualidade de atitudes e classes sociais, representada nessa câmara, impregnou para sempre a denominação política. Atitudes mais conservadoras e individualistas são designadas, genericamente, de direita. Posturas mais reformistas e de carácter socializante (por oposição a individualista) são consideradas de esquerda.

Mas onde entra então o tema natural da semana?

O grupo Pleuronectiformes, chamado peixes-achatados e com mais de 500 espécies, é geralmente conhecido pelos seus representantes linguado, solha e rodovalho, sofreu uma rotação do seu eixo de simetria.

Eixo de quê?
Pense, por exemplo, num ouriço-do-mar. Se o quiser dividir em duas partes iguais, pode escolher inúmeros planos de corte, desde que passem pelo centro do animal. Essa forma biológica tem simetria radial. Animais com simetria radial são essencialmente organismos que vivem fixos.
Imagine agora o leitor que é um assassino em série – imagine só!
Se nos quiser dividir em duas partes iguais só o poderá fazer de um único modo – olhos nos olhos, começa a dissecar da cabeça até à zona do “baixo-ventre”, como dizem os comentadores desportivos. Obteria, assim, duas partes iguais – pelo menos exteriormente… Animais com essa forma, e são-no a grande maioria, desde as baratas ao melhor escritor, têm simetria bilateral.

A história evolutiva dos peixes-achatados apresenta uma particularidade morfológica sui generis. Estes peixes adquiriram hábitos de caça a partir de fundos marinhos, especialmente arenosos, onde se escondem. É nesses substratos que se enterram, num comportamento de mimetismo e emboscada. Para minimizar a área exposta, deveriam colocar-se enterrados de lado, ficando, assim, só com um dos lados do animal à “coca”. Pouco prático. A selecção natural favoreceu a migração de um dos olhos para o outro lado, ou seja, o olho direito migrou para o lado esquerdo – embora existam casos em que a migração é inversa. Assim, os peixes-achatados, como a solha, já poderiam camuflar-se melhor nos fundos arenosos marinhos.

A migração do olho à esquerda conferiu a este grupo de peixes uma maior vantagem evolutiva, ante outros que tinham métodos de emboscada semelhantes. De simetria bilateral, a solha passou a simetria pseudo-bilateral. O crânio sofreu também rotação semelhante, tornando-se a solha um animal em que o lado esquerdo se tornou o “dorso” e o lado direito o “ventre”.
O curioso é que, durante a metamorfose larvar, esta apresenta uma forma simétrica, ou seja, com um olho de cada lado do corpo. Apenas durante o desenvolvimento posterior, entre o 10º e 28º dias, é que se dão as alterações que determinam a assimetria descrita – ver vídeo abaixo.

Para se adaptar a novas condições de vida, este grupo de peixes teve que “virar” à esquerda. Terá o PSD, devido às políticas do PS, que sofrer o “Efeito Solha”, ou seja, rodar à esquerda?

REFERÊNCIAS
Schreiber, A. M. 2006. Asymmetric craniofacial remodeling and lateralized behavior in larval flatfish. The Journal of Experimental Biology. 209, 610-621.

Shankland, M., and Seaver, E.C. 2000.Evolution of the bilaterian body plan: what have we learned from annelids? Proc. Nat. Acad. Sci. USA. 97:4434-4437.

ALEX SCHREIBER LAB

IMAGENS
1 e 4 – Schreiber (2006)
2 – Ikumi Kayama
3 – Shankland & Seaver (2000)

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=mESrj3ZvSzA]

Patas para que vos quero!

ResearchBlogging.org A propósito do aparecimento dos primeiros tetrápodes e do Tiktaalik, republico um post e artigo de jornal que publiquei em 2007.

“Tira daí as patas!”, grita um qualquer mamífero de forma semi-agressiva.

Mas e se fosse um peixe?
“Dois belos pés!” afirma o comentador desportivo, numa tarde de futebol.
Nós temos. Os peixes não.
A “simples” diferença na forma do esqueleto, como ter “mãos” e “pés” ou autópodes, carrega uma importante história evolutiva desde os peixes até aos animais como nós.
Ao segurar um jornal, o leitor está, em termos evolutivos, a utilizar uma barbatana muito complexa e evoluída, e pertence a um grupo de vertebrados chamados tetrápodes, animais com quatro membros, que incluem animais como os mamíferos, aves, répteis e anfíbios.

O aparecimento dos ossos dos dedos em alguns anfíbios deveria ser resultado de nova “maquinaria” genética, pois todas as estruturas orgânicas são o resultado da informação que está contida nos genes. Será assim?


Um estudo publicado, a 24 de Maio (de 2007), na revista Nature, refere que os genes necessários à formação dos dedos das “mãos” e “pés” dos tetrápodes têm uma história que remonta há 360 milhões de anos ou seja antes de os animais terem feito a “invasão” da terra. O estudo molecular dos genes HoxD (genes reguladores do desenvolvimento em diferentes organismos e áreas do corpo, concretamente no desenvolvimento do esqueleto apendicular, i.e., dos membros) vem mostrar que o património genético necessário já estava presente em peixes primitivos como o actual peixe actinopterígeo Polyodon spathula, considerado um autêntico fóssil vivo.
A análise genética deste animal permitiu afinar as informações paleontológicas com as da biologia do desenvolvimento, possibilitando que estas analisassem dados genéticos de peixes menos “evoluídos” – os actinopterígeos – e os comparassem com os dos tetrápodes. Tradicionalmente, estas análises eram efectuadas em peixes mais “evoluídos”, os teleósteos.

Os estudos paleontológicos em exemplares de transição morfológica entre peixes e animais com verdadeiros membros locomotores deixavam em aberto a possibilidade daquela “revolução” evolutiva se ter dado de uma forma rápida em termos de tempo geológico mas o Polyodon revelou que o património genético que permitiu o aparecimento de verdadeiras patas é mais antigo do que se suponha.
Fundamental para se compreender esta “novela” científica é o conhecimento dos fósseis de transição deste trajecto evolutivo.
Os “fotogramas” que permitem visualizar as alterações morfológicas entre as barbatanas e verdadeiros membros locomotores são vários. Conhecia-se já há algum tempo a parte mais inicial do “filme” – os peixes
Eusthenopteron e Panderichthys – e a mais avançada – os anfíbios do Devónico superior como Acanthostega e Ichthyostega. Recentemente foi descoberto mais um “fotograma” – o peixe Tiktaalik; este, apresenta um mosaico de características morfológicas antigas e modernas, no trajecto evolutivo para o aparecimento de verdadeiros autópodes.

Algumas curiosidades morfológicas destes “primos” afastados: Ichtyostega possuía sete dedos em cada pata; o Acanthostega, oito.
Desculpem mas não resisto a dizer: “vão-se as barbatanas mas fiquem os dedos!”.
Da próxima vez que um qualquer criacionista falar em falta de fósseis de transição nada como descrever estes belos nomes –
Eusthenopteron, Panderichthys, Acanthostega, Tiktaalik e Ichthyostega!

Um outro estudo, de 2006 e desta vez embriológico, levado a cabo em Barcelona, permitiu analisar o processo de formação e disposição de dois ossos do pé em embriões humanos – o calcâneo (osso que constitui o nosso calcanhar) e o astrágalo, ambos ossos do pé.
Foram descritas semelhanças morfológicas entre um embrião humano de 33 dias, nas extremidades inferiores, com barbatanas; aos 54 dias o calcâneo e o astrágalo estão localizados no mesmo preciso local que em Bauria cynops, um réptil mamaliforme que viveu há 260 milhões de anos. As semelhanças anatómicas de posicionamento às 8 semanas e meia dos ossos referidos são enormes entre o embrião humano e a espécie fóssil Diademodon, que viveu há 230 milhões de anos.
Os autores afirmam que, nesta fase, o posicionamento, e respectivas consequências ao nível da locomoção, dos ossos analisados estão a meio “caminho” entre répteis e mamíferos. Este tipo de análises incr
ementa o conhecimento morfológico efectuado por vários autores no séc. XIX, mesmo antes de Darwin publicar a sua obra magna, como Karl Ernst von Baer (1792-1876), que notou semelhanças morfológicas entre embriões de grupos diferentes.
Conta a “tradição”, que von Baer, trabalhava no seu gabinete, e encontrou dois frascos com embriões de aves e lagartos; sem rótulos, não os pôde distinguir à primeira vista…

Von Baer propôs que estádios embrionário iniciais conservavam padrões morfológicos comuns a vária espécies sendo os estádios mais avançados reveladores de divergência morfológica – as similitudes observadas entre embriões humanos e espécies do passado comprovam que anda bem que os frascos de von Baer deveriam ter os rótulos!
Resumindo: espécies que divergem morfologicamente em estádios mais iniciais irão ser morfologicamente mais distintas em estádios adultos.

Von Baer foi pioneiro nas propostas que fez ao nível do desenvolvimento embrionário sendo o seu trabalho basilar numa das áreas mais importantes das Biologia actual – a evolução e o desenvolvimento, Evo-Devo.
De tudo o que vimos só me resta afirmar que a as teorias evolutivas que explicam o nosso trajecto na história da Terra têm cada vez mais “pés para andar…!”
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 31/5/2007)

BIBLIOGRAFIA
Carroll, R.L., Irwin J. & Green, D.M. 2005. Thermal physiology and the origin of terrestriality in vertebrates. Zool. J. Linn. Soc. 143: 345-358.

Carroll, S. B. 2005. Endless Forms Most Beautiful: The New Science of Evo Devo and the Making of the Animal Kingdom, W. W. Norton & Company.

Davis MC, Dahn RD, & Shubin NH (2007). An autopodial-like pattern of Hox expression in the fins of a basal actinopterygian fish. Nature, 447 (7143), 473-6 PMID: 17522683

Evo-Devo – http://www.pnas.org/cgi/content/full/97/9/4424

Goodwin, B. 1994. How the Leopard Changed its Spots, Phoenix Giants.

Isidro, A. & Vazquez, M.T. 2006. Phylogenetic and ontogenetic parallelisms on talo-calcaneal superposition. The Foot 16, 1-15.

FIGURAS
Carroll, R.L., Irwin J. & Green, D.M. 2005. Thermal physiology and the origin of terrestriality in vertebrates. Zool. J. Linn. Soc. 143: 345-358.

Clack, J. 2002. An early tetrapod from Romer’s Gap, Nature 418, 72 – 76.
Horder, T.J
. 2006. Gavin Rylands de Beer: how embryology foreshadowed the dilemmas of the genome. Nat Rev Genet. 7(11):892-8.

Deixar de ser ilha*

Traços e traços.
Linhas que unem tipos e formas.
As ilhas imutáveis e isoladas que eram as espécies, criaram laços.
As mais próximas e as mais afastadas, todas unidas pelas pontes de Darwin.

Imagem* – a primeira árvore evolutiva desenhada por Darwin, em 1837. A única ilustração de “A Origem das Espécies” é uma árvore evolutiva.
Referência – Gregory, T.R. 2008. Understanding Evolutionary Trees. Evolution Education Outreach 1: 121-137.

Falsificações naturais

Os Executivos são todos iguais.
Estejamos onde estivermos, conseguimos identificar um quadro importante de uma empresa – o vestuário, o calçado e os adereços são semelhantes. Independentemente das diferentes empresas a que pertencem, percursos de vida, educação e anos de carreira, um executivo transmite uma imagem perfeitamente identificável, estejamos em Nova Iorque, Tóquio ou na Bolsa de Lisboa.
Mas para que utilizo eu uma das imagens de marca do capitalismo?
Tal como os executivos adoptam uma imagem semelhante, a Natureza reproduz formas e funções semelhantes em organismos muito diferentes.
Tubarões e golfinhos, ao nível do seu plano corporal, são muito semelhantes, apesar de um ser um peixe e o outro um mamífero, e estarem separados evolutivamente por 400 milhões de anos.
Tubarões e golfinhos podem ser apontados como exemplos de Evolução Convergente – aquisição independente de características físicas semelhantes por parte de seres vivos muito diferentes.

Existem outros exemplos de Evolução Convergente: os membros anteriores das aves, dos morcegos e dos pterossáurios (répteis voadores, parentes e contemporâneos dos dinossáurios) apresentam formas seme lhantes. Embora de grupos diferentes, separados por milhões de anos de evolução, possuem estruturas anatómicas que lhes permitem (ou permitiam, no caso dos pterossáurios) uma mesma função: voar. A locomoção bípede (somente nos dois membros posteriores) evoluiu de forma convergente nos humanos e nas aves – nestas surgiu há mais de 200 milhões de anos, nos seus dinossáurios antepassados; nos seres humanos, a transição para a locomoção bípede, há uns meros milhões de anos…
Os leitores e os pombos partilham, convergentemente, este tipo particular de locomoção com alguns roedores, com os cangurus e com alguns lagartos – facultativamente nestes.
Mas qual o “motivo” da Natureza para organismos tão afastados, em termos evolutivos, apresentem estruturas e funções tão semelhantes?
A primeira justificação passa pelos condicionamentos de design e de eficiência orgânica.
Quem não tem muita paciência para cuidar de plantas em casa conhece os cactos. Estas plantas apresentam formas características, adaptadas aos climas desérticos – forma alongada ou arredondada, sem folhas (para não perderem água) e as folhas que possuem estão transformadas em espinhos e tecidos internos capazes de retenção de água. Mas, onde ia eu?
A maioria dos amantes de cactos não sabe é que… está a ser “traída”! Não possuem cactos (família Cactaceae e originários da América do Norte) mas sim plantas da família Euphorbiaceae. Mas a “traição” é justificável… As plantas que consideramos cactos desenvolveram, pelo fenómeno de evolução convergente, formas idênticas às plantas dos westerns. Vivendo em climas igualmente áridos, mas em África, as Euphorbiaceae necessitaram de adaptar a sua estrutura para evitar perdas de água e…”imitaram” os cactos!

A segunda razão, por detrás da evolução convergente, envolve o sucesso da imitação.
Podemos utilizar um exemplo da cultura humana – a música. Já todos nós constatámos que quando um grupo musical tem sucesso logo aparecem vários outros a o imitar. As condições do mercado e do gosto musical num determinado momento são as certas, de maneira que os imitadores também vingam, por se aproveitarem de um modelo vencedor.
Na Natureza, a “imitação” estrutural também funciona de maneira equivalente. Por exemplo quer os veados quer os cavalos desenvolveram membros finos e esguios, assentes no desenvolvimento do dedo III (central) e redução dos restantes.
Estas adaptações permitiam a optimização da corrida. Quer uns quer outros tinham o mesmo tipo de predadores e, ao longo de milhões, desenvolveram anatomias semelhantes.
A Selecção Natural conduziu espécies competidoras de um mesmo ecossistema por trilhos evolutivos paralelos, pois o sucesso evolutivo estava dependente da economia da forma, da função e do design. Todos nós já constatámos que quando um determinado produto tem sucesso comercial, logo aparecem imitações.
É o ritmo da sociedade de consumo.
Ainda bem que não existem patentes na Natureza!

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 16/02/2006)

Imagens – daqui, daqui e daqui
(a primeira não me recordo…)