GENTE MINHA
Pinta-se-me o regresso a Casa de cores de alegria pois a gente voltou.
Tal como Agosto na aldeia, os meus emigrantes voltam a casa no Natal. São diferentes daqueles dos anos 60.
Já não vivem nos guetos, físicos e mentais.
Apropriam-se dos seus refúgios e trazem-nos para Casa.
Foram e voltam pelos mesmos motivos.
Alegram-me o regresso.
Dá vontade de partir só pelo prazer da volta.
Quase se esquece tudo o mais da distância. Como é bom o Natal na minha Casa.
Fora de época, relembrei um texto meu publicado noutras paragens…
Tudo a propósito de parte da minha gente que partiu… Gente que compreende as plantas, ou que produz música ou ainda que fazem vídeos como este…
Imagem – Dorothea Lange ”Migrant Mother” (1936)
CHERNES E ORNITORRINCOS
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 18/10/2007)
“A prova de que Deus tem sentido de humor é o ornitorrinco”, Woody Allen
A atribuição de características humanas a seres vivos ou a elementos naturais – antropomorfismo – é recorrente na literatura, pintura ou na linguagem do dia-a-dia. O inverso – zoomorfismo – que é designar ou conceder singularidades animais a pessoas ou instituições humanas, é frequente na vida política portuguesa. O mais recente caso compara a situação do maior partido da posição ao ornitorrinco – Ornithorhynchus anatinus.
Mas quais os motivos pelos quais o ornitorrinco exerce um fascínio tão grande?
Apesar de mamífero, as fêmeas ornitorrinco colocam ovos sendo as crias posteriormente alimentadas com o leite materno. Este animal apresenta ainda a mandíbula semelhante a um bico de pato, morfologia ímpar entre os mamíferos, morfologia que está na justificação etimológica do seu nome científico Ornithorhynchus – focinho de ave.É esta amálgama de particularidades reptilianas, avianas e mamiferóides que contribuem para que este monotrémato – grupo de mamíferos primitivos a que pertence o ornitorrinco – desempenhe um papel quase mitológico no imaginário colectivo.
Num dos capítulos de “A Feira dos Dinossáurios” do paleontólogo e historiador da Ciência Stephen Jay Gould, é feita a resenha histórica de como os naturalistas dos sécs. XVIII e XIX observavam o ornitorrinco. Primitivo, ineficiente e imperfeito foram alguns dos adjectivos utilizados então para descrever o mamífero australiano.
A Natureza, para aqueles cientistas, deveria apresentar divisões claras e inequívocas na sua diversidade de formas. Estas divisões seriam o resultado da sabedoria divina.
A miscelânea morfológica do ornitorrinco originava, assim, acesos debates não só biológicos mas também teológicos.

Os monotrématos (como o ornitorrinco) divergiram evolutivamente das linhagens de mamíferos marsupiais
(como o canguru) e placentários (como o ser humano) há mais de 100 milhões de anos. Assim, sempre se pensou que estariam desprovidos da fase REM do sono (nos humanos a fase do sono em que se sonha) pois esta seria uma característica moderna. Um estudo de 1998 veio desmentir aquela suposição – o ornitorrinco apresenta sono REM. A quem interessar…O aparente paradoxo, seja político, morfológico ou outro, materializado na forma do ornitorrinco, assenta na errada premissa evolutiva de que os organismos não devem apresentar fusão de características – um animal não deveria colocar ovos e alimentar as suas crias com leite produzido por glândulas mamárias, entre outras.
Gould contrapõe que é precisamente essa amálgama de especificidades que teriam concedido ao ornitorrinco vantagens evolutivas.
Um outro caso de zoomorfismo político envolveu, no passado recente, um conhecido político português e o poema de Alexandre O’Neill:
Sigamos o cherne, minha amiga!
Desçamos ao fundo do desejo
Atrás de muito mais que a fantasia
E aceitemos, até do cherne um beijo,
Senão já com amor, com alegria…
Adivinhem quem é…
Imagens (fontes) – links nas imagens
MUYBRIDGE
Após este relembrar pelo excelente The Loom, retomo a imagem que criei, a partir das de Muybridge e de uma outra inesquecível de Hillary Swank.
Imagem:
Imagem – montagem de Luís Azevedo Rodrigues a partir de “The Horse in Motion” (1878), Edward Muybridge e Hilary Swank (2005), Norman Jean Roy.
AVÔ SALVA NETO?
Duas notícias com uma base comum.
O degelo verificado em vastas áreas da Sibéria tem revelado enormes quantidades de presas de mamute.
As restrições ao comércio de marfim de elefantes, em Outubro passado, levaram ao aumento do preço daquele material contribuindo para que os vestígios paleontológicos sejam vendidos entre os 800 e os 1000 dólares o quilograma.
Uma questão curiosa se coloca – os antepassados dos actuais elefantes estão a contribuir para a preservação dos seus descendentes…
A segunda notícia relata as análise efectuadas a um mamute juvenil, excepcionalmente conservado, designado informalmente de Lyuba.
PDF com alguma informação sobre os mamutes – aqui
Fontes das notícias – daqui , daqui e daqui
Imagens – Chien-Chi Chang/Magnum Photos; Reuters/Daniel Fisher/University of Michigan/Handout
ESCALAS
Por vezes é necessário um terceiro elemento para dar escala aos restantes…
Imagem – Luís Azevedo Rodrigues
SEGREDOS NO ÂMBAR
Para quem perdeu a palestra de Romain Vullo no Museu Nacional de História Natural, organizada pela Doutora Vanda Santos e pelo Dr. Nuno Rodrigues, em Dezembro passado, aqui ficam algumas imagens dos restos de animais encontrados no âmbar das jazidas de Charentes bem como o resumo da notícia:
“Paleontologists from the University of Rennes (France) and the ESRF have found the presence of 356 animal inclusions in completely opaque amber from mid-Cretaceous sites of Charentes (France). The team used the X-rays of the European light source to image two kilogrammes of the fossil tree resin with a technique that allows rapid survey of large amounts of opaque amber. At present this is the only way to discover inclusions in fully opaque amber.
Opaque amber has always been a challenge for paleontologists. Researchers cannot study it because the naked eye cannot visualize the presence of any fossil inclusion inside. In the Cretaceous sites like those in Charentes, there is up to 80% of opaque amber. It is like trying to find, in complete blindness, something that may or may not be there.
However, the paleontologists Malvina Lak, her colleagues from the University of Rennes and the ESRF paleontologist Paul Tafforeau, together with the National Museum of Natural History of Paris, have applied to opaque amber a synchrotron X-ray imaging technique known as propagation phase contrast microradiography. It sheds light on the interior of this dark amber, which resembles a stone to the human eye. “Researchers have tried to study this kind of amber for many years with little or no success. This is the first time that we can actually discover and study the fossils it contains”, says Paul Tafforeau.
The scientists imaged 640 pieces of amber from the Charentes region in southwestern France.
They discovered 356 fossil animals, going from wasps and flies, to ants or even spiders and acarians. The team was able to identify the family of 53% of the inclusions.
Most of the organisms discovered are tiny. For example, one of the discovered acarians measures 0.8 mm and a fossil wasp is only 4 mm. “The small size of the organisms is probably due to the fact that bigger animals would be able to escape from the resin before getting stuck, whereas little ones would be captured more easily”, explains Malvina Lak.
The surface features of amber pieces, like cracks, stand out more in the images than the fossil organisms in the interior when using synchrotron radiation. In order to solve this problem, scientists soaked the amber pieces in water before the experiment. Because water and amber have very similar densities, immersion made the outlines of the amber pieces and the cracks almost invisible. At the same time, it increased overall inclusion visibility, leading to better detection and characterization of the fossils.”
Notícia – daqui e daqui (com vídeo)
Legendas da imagens – na notícia
Imagens – M. Lak, P. Tafforeau, D. Néraudeau (ESRF Grenoble and UMR CNRS 6118 Rennes
PALEO FOI À RÁDIO
Apesar da simpatia, generosidade e o sentido de humor de Ana Sousa Dias, o cansaço do paleontólogo de serviço foi mais forte.
Mas deu para falar da Patagónia, China, do Tempo, de dinos com radioactividade, de ping-pong e de muito mais, com uma excelente conversadora.
A ouvir aqui a entrevista no Rádio Clube Português, de 5ª feira, 20 de Março de 2008 (ficheiro MP3). |
Para quê estudar Dinossáurios e outros fósseis que tais?
Retomo um texto que publiquei no jornal Diário de Aveiro em Agosto de 2004.
Para que não me esqueça…
“Tenho tanta curiosidade da Terra…traz-me coisas da Terra.”
Este trecho do livro “A Menina do Mar”, de Sophia de Mello Breyner, paradoxalmente ou não, fez-me pensar que nos tempos que correm é cada vez mais difícil explicar às pessoas o porquê e para quê serve a Paleontologia.
A Paleontologia não é uma história da vida que esteja escrita nos manuais e nos artigos científicos da especialidade; é contada antes pelos fósseis e pelos estratos rochosos. Estes, são pequenos fragmentos de uma história muito maior e complexa que necessita ser interpretada e explicada. É aqui que a Paleontologia poderá ir buscar motivos para a sua existência. Certo é que os fósseis existem por si; poder-me-ão dizer que não necessitam de mais explicações. A verdade é que eles ganham “vida” quando os colocamos no “sítio” certo, no “filme” que foi, é e (provavelmente) será a vida neste planeta. Este filme, apesar de cada vez mais completo, nunca passará de um conjunto pequeníssimo de fotogramas. É a Paleontologia que faz a análise do “filme projectado” ao longo dos milhões de anos da história da Terra. Este “filme” da vida ora acrescentou ora fez sair de cena personagens da trama, de uma maneira acidental e imprevisível, condicionando evolutivamente a actualidade biológica.
A Paleontologia vai buscar as suas ferramentas quer à Biologia quer à Geologia. Esta ciência, ao contrário da biologia ou química, não é uma ciência experimental. Os paleontólogos raramente são capazes de testar as suas hipóteses através de experiências laboratoriais; contudo, e apesar disso, conseguem testá-las.A descoberta de Archaeopteryx (fóssil animal do Jurássico que “representa” um dos elos de transição evolutiva entre os dinossáurios e as aves, com características anatómicas de ambos) fez ampliar a hipótese, já anteriormente proposta, da relação de parentesco entre aqueles grupos animais. Descobertas posteriores, especialmente as feitas no séc. XX, vieram acrescentar mais provas ao processo hipotético-dedutivo de testagem daquela hipótese.
As comparações feitas por Georges Cuvier no século XIX entre os Mamutes e os elefantes actuais não proporcionaram apenas evidências das extinções em massa (acontecimentos originados por causas geológicas, biológicas ou mesmo extra-terrestres que originaram o desaparecimento em grande escala de fauna e flora); originaram igualmente implicações sócio-políticas, em que revolução e substituição eram mensagens implícitas. De igual modo, a história da Terra e a das nações pareciam sofrer de processos semelhantes.
Os fósseis são parte das “coisas da Terra” que nos são contadas… Dão-nos a conhecer o que não podemos experimentar pelos sentidos – o passado, o desaparecido, aquilo que foi, quando não estávamos cá.
Imagem – “A menina e o mar” ©2005-2007 renatoalvim)
FRACASSO CHINÊS
“China reassures scientists not to fear failure
(Reuters) – China will tolerate experiment failures by its scientists to ease pressure, encourage innovation and cut the chances of fraud, a top official said on Thursday.”
Sempre pensei que o erro e o fracasso constituiam componentes fundamentais do “processo científico”.
Agora o governo chinês vem descansar os seus cientistas para que não temam o falhanço e o fracasso.
Esta desculpabilização institucional visa fomentar a “criatividade”, aliviar a enorme “pressão” bem como evitar a “fraude científica”.
Quando por lá trabalhei e contactei com diversas realidades de investigação paleontológica, verifiquei a enorme tensão produtiva em que viviam os meus colegas chineses.
Parecia-me que esse comportamento semi-obsessivo se devia mais ao carácter laborioso típico dos asiáticos do que, mais pragmaticamente, aos enormes “incentivos” financeiros concedidos pelo governo sempre que, por exemplo, uma nova espécie de dinossáurio é descoberta ou um paper na Nature é publicado.
Por respeito e pudor não avançarei valores.
Agora constato que não era nenhuma produtividade típica dos asiáticos.
A pressão oficial devia ser tanta que, oficialmente, tiveram que a conter.
Fonte da notícia – aqui