Fórmula 1 ou Contas de Merceeiro?
Da leitura rápida dos jornais da manhã resultam três memórias, interligadas, ou talvez não.
Afirma primeiro Nuno Crato, em páginas do DN, que o país tem que ajustar orçamento do ministério da Educação às suas possibilidades. Do país, não dele.
Do que tenho visto, as talhadas de aprendiz de magarefe financeiro feitas na Educação impossibilitarão que algum dia se faça o que fez o engenheiro chefe da Red Bull (Fórmula 1): ter formação mais do que excelente e capacidade de resposta célere em situação de aperto.
O orçamento para a Educação, no país destes dias, apenas dará para fazer as contas como as da tabela do campeonato: duas equipas com os mesmos pontos apesar de o somatório dos resultados ser diferente.
Este orçamento para a Educação fará de nós merceeiros de contas erradas ao invés de engenheiros de Fórmula 1.
Imagens: da edição do Diário de Notícias de 27 de Novembro de 2012.
O Panda Catalão
É uma típica imagem chinesa aquela que agora vem da Catalunha – o panda.
Quase todas as crianças reconhecem este animal e uma parte delas sabe que este mamífero vive actualmente na China. Talvez a maioria dos adultos desconhecerá é que o mais antigo panda gigante viveu há cerca de 11 milhões anos na península ibérica.
Os vestígios fossilizados de um antepassado do panda gigante foram encontrados numa jazida fossilífera de Saragoça, designada Nombrevilla 2.
O Kretzoiarctos beatrix passa a ser o mais antigo representante da subfamília Ailuropodinae, grupo a que pertencem as formas extintas e as formas actuais do panda gigante, tendo os sedimentos onde foi encontrado a idade de 11.6 milhões de anos.
Até esta descoberta, o mais antigo antepassado procedia do Miocénico chinês, com uma idades que variavam entre os 7 e os 8 milhões de anos. A descoberta das mandíbulas e dentes fossilizadas, levada a cabo por paleontólogos do Instituto Catalão de Paleontologia, faz recuar assim o retrato da evolução do panda gigante em três milhões de anos, ampliando igualmente a imagem da distribuição geográfica passada deste mais do que emblemático animal actualO panda gigante (Ailuropoda melanoleuca) constitui há muito motivo de debate científico pois de há muito que se discute a sua origem e a sua relação na família Ursoidea, sendo este posicionamento apoiado por dados moleculares que o remetem como grupo-irmão do ursos.
Esta nova espécie fóssil, o Kretzoiarctos beatrix [1], para além de representar o mais antigo antepassado do panda gigante, constitui também o mais antigo vestígio de um ursídeo na península ibérica.
Sobre a possibilidade deste antepassado ter coloração branca e preta típica dos seus descendentes, os paleontólogos não confirmam dado não haver material fossilizado que o permita inferir [2].
Os paleontólogos que estudaram este material referem ainda que na origem da extinção deste animal terão estados alterações ambientais com impacto direto nos ambientes em que este panda viveria – as florestas densas e húmidas terão sido substituídas por ambiente mais abertos e secos [2].
Há 11 milhões de anos, tal como hoje, o clima a condicionar de sobremaneira a existência das espécies…ainda assim, viva a panda catalão, viva!
(artigo publicado no jornal Sul Informação)
[1] Abella J, Alba DM, Robles JM, Valenciano A, Rotgers C, Carmona R, Montoya P, & Morales J (2012). Kretzoiarctos gen. nov., the Oldest Member of the Giant Panda Clade. PloS one, 7 (11) PMID: 23155439
[2] http://www.livescience.com/24788-oldest-panda-fossils.html
Imagens:
A – reconstituição de Kretzoiarctos beatrix ; daqui – SINC
B – restos encontrados de Kretzoiarctos beatrix; de [1]
C – distribuição actual e do passado recente do panda gigante (Ailuropoda melanoleuca); daqui – WWF
Dinossauros com prazo de validade
“Podemos ressuscitar dinossauros a partir do ADN, como fazem no Jurassic Park”.
É uma das perguntas mais populares nas minhas palestras. Procuro sempre responder que, em termos teóricos, eventualmente seria possível fazê-lo num futuro mais ou menos próximo.
Boa!, vislumbro nos olhos das pessoas.
O olhar de alegria das pessoas que escuta a primeira parte da minha resposta desaparece num ápice quando acrescento que o principal problema reside na capacidade de resistência do ADN.
Ou seja, o ADN tem um prazo de validade, de resistência às alterações, e que a sua preservação, durante milhões de anos, é muito diminuta, acrescento.
O ADN após a morte do organismo é rapidamente atacado por nucleases (enzimas) que superam o trabalho reparador de outras enzimas. Este ataque origina a quebra das ligações entre os nucleótidos que constituem as cadeias de ADN. Ainda que as condições de preservação sejam excepcionais, como baixas temperaturas, dessecação rápida ou que as células sejam preservadas em altas concentrações salina, o ADN sofre para além do ataque das nucleases outros males: radiação, oxidação ou hidrólise (1). Todos estes factores originam que as propriedades do ADN de animais ou plantas muito antigos não sejam preservadas.
Mas a minha resposta à pergunta “É possível ressuscitar um dinossauro através do ADN fossilizado?” tem agora uma nova actualização: calculou-se o prazo de validade para que o ADN mantenha as suas características intactas* e este prazo é de…6.8 milhões de anos (2).
É esta a janela de tempo estabelecida por Mike Bunce, da Universidade de Murdoch (Austrália) e colegas, nos quais se incluem Paula F. Campos, da Universidade de Coimbra e Museu de História Natural de Copenhaga.
Analisando uma amostra de ADN mitocondrial de 158 fragmentos de osso da Moa (ave extinta australiana) os investigadores determinaram que o máximo temporal para a preservação do ADN é de 6.8 milhões de anos.
Apesar de este prazo ser inferido a partir de modelos matemáticos e estar condicionado por condições físicas específicas, não deixa de ser um tecto temporal máximo que impede muitas especulações.
O prazo de validade, passe a expressão dos lacticínios, revelado por esta recente investigação desmoraliza a hipótese de que o ADN dos dinossauros não-avianos estivesse em condições, quando a técnica o permitisse, para reconstituir esses animais do passado.
Enquanto recuperamos da desilusão de alguma vez podermos ver vivo um dinossauro não-aviano, porque não conhecer melhor os descendentes dos dinossauros, numa palestra sobre as Aves em Lagos, ou mesmo reviver a vida dos dinossauros desaparecidos, como na exposição “T. rex quando as galinhas tinham dentes”, a partir da próxima 2ª feira no Pavilhão do Conhecimento?
Referências:
(1) Nicholls H (2005) Ancient DNA Comes of Age. PLoS Biol 3(2): e56. doi:10.1371/journal.pbio.0030056
(2) The half-life of DNA in bone: measuring decay kinetics in 158 dated fossils.
Imagens: Luís Azevedo Rodrigues
Mãe é Mãe e com o ADN do Filho
A mãe compreende até o que os filhos não dizem.
(máxima hassídica)
A ligação entre mãe e filho é forte. Dizê-lo é banal, redundante, superando esse vínculo quase todas as relações afectivas ou biológicas.
Publicada há menos de uma semana, uma investigação científica revelou que o ADN dos filhos por vezes invade as células cerebrais das suas mães. Este fenómeno biológico há muito que é conhecido por ocorrer em vários órgãos, no fígado por exemplo, mas nunca havia sido quantificado em células cerebrais.
Os resultados apresentados na revista PloS One (1) apontaram a presença de material genético masculino nos cérebros das respectivas mães. O ADN circulou dos filhos varões para o corpo materno, num fenómeno denominado microquimerismo fetal.
59 cérebros foram autopsiados neste estudo, revelando que 37 das mães (63%) possuíam um gene específico do filho. As mães “contaminadas” com ADN da descendência apresentavam também poucas evidências de doenças neurológicas como o Alzheimer. Para um dos autores deste estudo, William Burlingham, não existe ainda uma explicação para esta correlação entre a presença de ADN do filho e a ausências de alterações neurológicas (2).
Como foi identificado o ADN dos filhos no cérebro das progenitoras?
O método mais prático de identificação do ADN estranho à mãe envolveu localizar o gene DYS14 do cromossoma Y, uma vez que apenas os homens possuem este cromossoma, facilitando assim a descoberta de material genético que não seja da progenitora. Este método não descarta a hipótese de que ADN feminino tenha o mesmo tipo de migração para o cérebro das mães, apenas facilita para já a identificação de ADN de origem masculina.
Microquimerismo fetal
O microquimerismo fetal é o fenómeno biológico pelo qual há transferência de material genético (ADN) entre dois indivíduos, sendo anteriormente conhecida a transferência entre a mãe e o feto ou mesmo entre irmãos gémeos durante a gestação. Conhecidas igualmente eram as trocas de material genético entre irmãos não gémeos já que existe em circulação, no corpo da mãe, ADN de um irmão mais velho e que, eventualmente, passará para o irmão mais novo.
A longevidade desse ADN estranho no corpo da mãe pode mesmo atingir os 27 anos após a gravidez (3). A difusão de ADN entre indivíduos está associada ao desenvolvimento de algumas doenças auto-imunes como o lúpus eritematoso sistémico ou doenças reumáticas.
Os resultados agora publicados deste tipo de microquimerismo fetal não deixam de serem surpreendentes mas lançam sobretudo muitas questões biológicas, como por exemplo:
Qual o papel do ADN do filho no cérebro das mãe?
Qual a relação entre a presença daquele ADN em diferentes quantidades em zonas distintas do cérebro materno?
Qual a interpretação para a correlação positiva entre a quantidade de ADN filial e a menor probabilidade de a mãe desenvolver Alzheimer?
Para além destas questões biológicas, não deixo de me impressionar também pelo valor emotivo deste fenómeno. À carga afectiva que liga a mãe e o filho acresce agora uma ligação que se estende às células cerebrais, fonte de todas as emoções e pensamentos.
Mãe é mãe. E mais o é com o ADN dos filhos.
REFERÊNCIAS:
(1) Chan WFN, Gurnot C, Montine TJ, Sonnen JA, Guthrie KA, et al. (2012) Male Microchimerism in the Human Female Brain. PLoS ONE 7(9): e45592. doi:10.1371/journal.pone.0045592
(2) http://www.the-scientist.com/?articles.view/articleNo/32678/title/Swapping-DNA-in-the-Womb/
IMAGEM: “Petrograd Madonna”, de Kuzma Petrov-Vodkin (1878-1939)
As Maravilhas de S.J. Gould
As sete escolhas do paleontólogo e biólogo evolutivo Stephen Jay Gould para as Maravilhas do Mundo.
Não deixam de ser surpreendentes as escolhas de tão óbvias – óbvias para biólogos e paleontólogos, penso eu…
Perfeitamente justificadas e descritas por um grande cientista, historiador da Ciência e, sobretudo, uma mente brilhante, que tive o prazer de conhecer pessoalmente.
Um vídeo a ver e ouvir até ao fim…
E quais seriam as vossas escolhas de maravilhas da História Natural?
(primeira parte do vídeo)
(segunda parte do vídeo)
Imagem: daqui
O que Fazer Com Isto?
A questão não deverá ser nova e provavelmente existirão soluções mas que fazer com estas algas que ciclicamente dão à costa em grandes quantidades.
De certeza que poderiam ser aproveitadas para consumo animal ou para adubar os terrenos.
Esta última solução era (é?) ainda utilizada na minha na Ria de Aveiro, sendo o material recolhido na ria denominado de moliço (fundamentalmente plantas aquáticas). Daí o nome moliceiro para o barco onde eram recolhido o moliço que serviria depois para adubar terrenos.
Nestes tempos de utilização, reutilização e poupança, que fazer com as algas ou outros materiais biológicos que dão à costa?
P.S. – fotos da Praia da Rocha, 30 de Setembro de 2012. Luís Azevedo Rodrigues.
NEI 2012 | Centro Ciência Viva de Lagos
As actividades durante a semana da Noite Europeia dos Investigadores (NEI 2012) no Centro Ciência Viva de Lagos.
A Amonite e o Mamífero
Os companheiros de uma vida escolhem-se, por vezes.
Os companheiros para toda a vida, por vezes, esbarram um no outro e acabam por compartir um comum e eterno caminho de tempo e de espaço.
Acasos, dizem.
Dois seres vivos que apenas partilham um ancestral de há centenas de milhões de anos, partilham agora um descanso em conjunto.
Do mamífero, apenas se sabe o nome e a profissão – militar, dos finais do dezanove, em linguagem de historiadores.
A amonite, de tempos jurássicos, repousou sem vida em fundos marinhos. Da campa rochosa de origem marinha, os humanos deram-lhe uso para outra laje, a do mamífero militar.
Jazem juntos, agora, lá para os lados de Tavira.
O mamífero e a amonite.
P.S. várias amonites numa campa junto à Igreja do Carmo, Tavira.
Uma das várias paragens da visita de Geologia e Paleontologia urbanas “Do Museu Ao Convento”.