Blogs, dinos e derivados…

Porto-Lisboa em 4600 milhões de anos

Devido ao meu passado e formação como professor, as analogias têm em mim, como noutros, um fascínio e utilidade únicas.

Sempre as utilizei como forma de introduzir e sistematizar diversos conceitos das Ciências Naturais.
Os alunos gostavam e pediam sempre mais, embora seja difícil e não aconselhável em todas as situações.
Uma das analogias práticas que utilizava era em relação à enormidade do tempo geológico. Depois de lhes ter dado rolos de máquina registadora, bem como uma folha com as diversas idades e acontecimentos geológicos, pedia-lhes para marcarem, cronologicamente e com distâncias proporcionais à idade dos acontecimentos, no rolo esticado, esses mesmos acontecimentos.

Era uma actividade de que gostavam – inicialmente, porque os libertava das habituais cadeiras e interagiam em grupos e no final…devido ao resultado prático.

Imaginemos uma realidade bem conhecida – viagem entre duas cidades do nosso país, Porto e Lisboa – pela auto-estrada.
Agora comparemo-la com os acontecimentos biológicos e geológicos do nosso planeta (desde a formação do planeta – Porto – até à actualidade – Lisboa).
A distância percorrida nesta viagem comum – 300 km – vai ser proporcional à idade da Terra, i.e., partimos do Porto (0 km) ao mesmo tempo que o nosso planeta é formado (4600 milhões de anos – MA).

A saída dos Carvalhos é o equivalente na nossa viagem à formação da Lua (4500 MA). A atmosfera terrestre ter-se-á formado junto a Santa Maria da Feira, tendo as primeiras rochas, ou pelo menos as de que há registo, surgido na zona de Estarreja (3960 MA).

Quando o nosso carro está a circular entre Aveiro sul e a Mealhada (3400 MA) terão aparecido a primeiras formas de vida – bactérias e algas.
45 quilómetros adiante e devido à actividade fotossintética dos primeiros seres vivos, a atmosfera já apresenta concentrações de oxigénio razoáveis.
Iremos necessitar de atingir a zona de serviço de Santarém para conseguir observar os primeiros animais (unicelulares), ocorrendo os primeiros seres vivos pluricelulares em Aveiras (700 MA).

Os primeiros peixes e as primeiras plantas terrestres apareceram sensivelmente na mesma zona – no Carregado.
Em Vila Franca de Xira surgiram os primeiros insectos; quatro quilómetros depois chegam os primeiros répteis (340 MA) e, se quisermos observar os primeiros mamíferos e aves, teremos que passar Alverca (180 MA).
O planeta será coberto pelas cores das flores primitivas pouco antes de Santa Iria da Azóia (150 MA), extinguindo-se os dinossáurios cinco quilómetros depois. Os Alpes são formados quase após circularmos 300 metros (60 MA).

A colisão da Índia com a Ásia, que irá dar origem aos Himalaias, ocorrerá praticamente já em Sacavém e quando as primeiras ferramentas de pedra forem inventadas estaremos já a 100 metros da Torre de Belém.
Já depois do carro estacionado, caminhamos em direcção à Torre de Belém- a apenas 33 metros o Homem descobre o fogo; a 7 metros surge o Homem de Neanderthal e a 1 metro surge a agricultura.

Poderíamos continuar a nossa analogia com acontecimentos da História da Humanidade, mas as distâncias envolvidas seriam pouco práticas…estaríamos já com o nariz “colado” à Torre de Belém!!

Fundamental, nesta como na analogia que utilizava nas escolas onde dei aulas, é compreender e tentar intuir (será que alguém é capaz?) a imensidão do tempo geológico.
Eu não podia deixar de sorrir quando os meus alunos vinham ter comigo, muito aflitos, “Professor, isto deve estar errado. O Homem só aparece num bocadinho muito pequenino da fita!!!”
Pois é…há pouco tempo, mesmo no finalzinho da fita…

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 06/04/2006)

Imagens – daqui

RODRIGUES SOLITÁRIO

rodriguessolitaireHá uns tempos, o meu amigo e biólogo Jesus Marugán-Lobon, contava-me que em espanhol existe uma expressão que é “estar de Rodriguez”.
Esta expressão significa que o parceiro/a vai de viagem sozinho/a ou que um dos membros do casal fica a trabalhar enquanto o outro vai de férias com a prole.

Um pouco à semelhança do que acontecia no filme “O pecado mora ao lado (The Seven Year Itch)” onde Marylin Monroe atormenta um desgraçado “Rodriguez” que ficou em NY a trabalhar, enquanto o resto da família goza o prazeres da praia.

Na altura achei piada à expressão “Estar de Rodriguez”, sobretudo devido ao meu apelido, e perguntei-lhe se sabia a sua origem.
Explicou-me que deveria ter estar relacionado com a ave Pezophaps solitaria (solitário-de-Rodrigues, em alusão à ilha de Rodrigues no arquipélago das Maurícias).
Esta ave columbiforme não voava e era aparentada com o Dodó, tendo-se extinguido no séc. XIX.

Achei curiosa esta associação quer ao nome quer ao comportamento.

Alguém sabe mais associações de nomes animais ou plantas a nomes/comportamentos de pessoas?

Imagens – daqui e daqui

Sem radar? Onychonycteris finneyi

Nancy Simmons, do American Museum of Natural History, e restante equipa que publicou a descoberta na revista Nature, avançam que a nova espécie de morcego- Onychonycteris finneyi – ainda não possuiria a capacidade de eco-localização, ou seja, o típico “radar” dos morcegos.

Esta conclusão provém da ausência, no Onychonycteris finneyi, de estruturas osteológicas (ósseas), no ouvido interno, necessárias à eco-localização. As proporções e anatomia dos membros anteriores permitem inferir uma capacidade de voo semelhante aos actuais morcegos.

Esta descoberta vem apoiar a hipótese que o voo em Chiroptera (a Ordem dos morcegos) é anterior ao desenvolvimento do “radar”. Esta hipótese já havia sido apontada anteriormente já que a combinação de capacidade de voo, capacidade respiratória para o voo e eco-localização deva ser uma novidade evolutiva e, consequentemente, mais recente que qualquer uma daquelas isoladamente.

Com a provecta idade de 52 milhões anos, foi descoberto em 2003 no estado do Wyoming.
Para além de permitir perceber melhor a evolução dos morcegos, representa também o seus mais antigo representante, originando ainda, pelas suas características morfológicas, uma nova Família e Género.

Referências
Simmons, N.B., K.L. Seymour, J. Habersetzer, and G.R. Gunnell. 2008 . Primitive Early Eocene bats from Wyoming and the evolution of flight and echolocation. Nature 451, 8 14 de Fevereiro.

Speakman, J.R. 2001. The evolution of flight and echolocation in bats: another leap in the dark. Mammal Rev. 2001, Volume 31, No. 2, 111–130.

Imagens
Simmons et al. 2008

AMNH photo (nota: foto da investigadora Nancy Simmons com um representante actual de Chiroptera)

Candidatura Ibérica a Património Mundial da UNESCO – jazidas de dinossáurio

Em relação a esta notícia – aqui – só poderei, para não ser acusado de opinar excessivamente sobre assuntos que me são tão próximos, acrescentar o seguinte:
faltou falar do papel absolutamente fundamental da investigação feita nos últimos 15 anos por Vanda Faria dos Santos e que culminou na sua tese de doutoramento Cum Laude.
Este trabalho é um dos exemplos de investigação que sai da esfera do conhecimento puro e entra na aplicação quotidiana, por intermédio da divulgação do património Natural (como eu gostaria de ver comentada esta frase por Desidério Murcho ou Ludwig Krippahl!).
Sem esse trabalho, não teria sido possível levar à preservação e musealização in situ da Pedreira do Galinha ou o conhecimento das jazidas de Vale de Meios, Carenque ou Pedra de Mua (no cabo Espichel).
É um trabalho que não é visível a olho nu mas que está lá.
É um trabalho feito quer no contacto com os políticos, quer no contacto com o grande público.
Mas, acima de tudo, é um trabalho de divulgação e protecção do património natural feito contra os bem pensantes ou apenas contra a ignorância, sejam da casa ou de fora dela.

Parabéns Vanda!

Imagens – National Geographic Portugal; gráfico de Carlos Marques da Silva e Vanda Faria dos Santos

Fósseis, animais e outros que tais…

A não perder a Palestra do paleontólogo Carlos Marques da Silva do Dep. de Geologia da Faculdade de Ciências da UL, hoje, dia 24 de Janeiro, pelas 21h30 (vá lá, as novelas não são nada comparadas com este folhetim evolutivo…), na Galeria Matos Ferreira (bom programa antes de irem beber um copo ao Bairro Alto), na R. Luz Soriano, 14 e 18, à calçada do Combro.

Integrada no ciclo “Do Grão ao Planeta”, a palestra intitula-se “Gravado na Pedra: Registo Fóssil e Evolução”

“Quando se fala de evolução a primeira coisa que nos vem à mente é: progresso!

No dia a dia, quando se usa o termo evolução, ele é quase sempre empregue como sinónimo de melhoria. E quando se fala de “evolução biológica”, uma vez mais, por arrastamento, a ideia dominante, é que se está a falar de “progresso biológico” ao longo do tempo. Pois se os mamíferos (entenda-se: nós!) ainda cá estão e os dinossáurios se extinguiram… devemos ser melhor que eles. É a “Evolução”!

Contudo, evolução não significa progresso, nem semanticamente, nem biologicamente. Evolução é mudança! É transformação! É, parafraseando Camões, mudarem-se os tempos e mudarem-se as vontades; mudar-se o ser e mudar-se a confiança; pois todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades.

A “Evolução biológica”, por outro lado, não é “apenas” uma teoria, é um facto! Os grupos biológicos variam, modificam-se ao longo do tempo, e isso pode ser constatado inequivocamente. Esse facto está bem patente no mundo em que vivemos, quer no mundo vivo, biológico, quer no seu registo fossilizado, geológico. A “Teoria da Evolução”, por seu turno, é a construção mental que procura explicar os factos evolutivos e que, fazendo-o, permite formular um grande número de previsões sobre a evolução biológica. São coisas distintas, ainda que intimamente interligadas.

A palestra “Escrito na Pedra” abordará a Evolução Biológica e a Teoria da Evolução Biológica e, com base em exemplos paleontológicos, retirados do registo fóssil, abordará conceitos evolutivos básicos, evidências concretas e, espera-se, desmistificará mitos e desfará equívocos da Evolução.”

Imagens – Carlos Marques da Silva

Ornitorrinco via os dinos passar

Quando escrevi “Chernes e ornitorrincos”, este estudo ainda não tinha vindo a público.
Paleontólogos do Museu de Vitória, Austrália, descobriram fósseis de ornitorrinco muito mais velhos do que até agora se sabia. Estes materiais paleontológicos datam do Cretácico inferior, Aptiano, entre os 112 e os 125 milhões de anos, e “puxam” a história evolutiva deste mamífero ainda mais para o passado da Terra.

Embora não sejam idênticos ao modernos ornitorrincos, Ornithorhynchus anatinus, as características anatómicas observadas (através de tomografia computadorizada) nas mandíbulas fossilizadas permitiram identificá-las como pertencentes à mesma família – Ornithorhynchidae.
Ao contrário dos actuais ornitorrincos que têm uma estrutura semelhante a bico, os seus antepassados possuíam dentes.

Os ornitorrincos viram os dinossauros a passar…

O artigo é hoje publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences.

Imagem: daqui

Quem és tu, Zé rato? Josephoartigasia monesi

Josephoartigasia monesi é a sua graça. Viveu durante o Pliocénico no Uruguai e é o maior roedor que já viveu.
Este “rato” podia atingir as 2.5 toneladas.

Referência Andrés Rinderknecht and R. Ernesto Blanco. The largest fossil rodent (2008). Proceedings of the Royal Society, B | doi:10.1098/rspb.2007.1645 [PDF grátis]
Imagem daqui

Na China – I

A “história” chinesa foi bastante complicada – ver post com outra das histórias.

O contacto inicial foi feito com Xu Xing do IVPP. Ele é responsável por mais 20 espécies novas de dinossáurios e publicou mais de 10 artigos na Nature.
Para além de me receber, propôs-me também iniciar trabalho de análise morfológica 3D de crâneos de Psittacosaurus, em conjunto com um aluno seu de doutoramento (foto).

Durante a primeira semana de estadia em Pequim, Dong Zhi-ming, um dos “pais” da Paleontologia de dinossáurios na China, encontrava-se em Pequim de visita. Falei com ele, contei-lhe o meu projecto e ele convidou-me para, passados 4 dias, nos encontrarmos no sul da China, em Lufeng. Comecei logo a tratar das coisas (arranjar avião pois Lufeng, na província de Yunnan, fica próximo da fronteira com o Vietname e do Laos) e a improvisar os meus planos iniciais.
Passados esses dias aterrava em Kunming onde tinha colaboradores de Dong Zhi-ming à minha espera, para uma viagem de carro de cerca de duas horas até Lufeng.
Estive cerca de uma semana trabalhando sobretudo em prossaurópodes, o mais famoso dos quais é o Lufengosaurus (do nome da cidade), mas também em diversos saurópodes, alguns dos quais ainda não descritos.
Fiz também prospecção no campo em conjunto com Dong Zhi-ming nas famosas jazidas do Triásico desta região.
Este investigador ficou tão impressionado com o meu trabalho que me propôs que regressasse para descrever novos materiais (provavelmente novas espécies, das centenas de ossos que eles têm em preparação), mas essa história fica para mais tarde…

Em Lufeng fui brindado com os manjares entomológicos que os meus colegas me tinham reservado – sou extremamente alérgico à picada de abelhas e vespas e quando me puseram à frente um prato de larvas e vespas adultas ia caindo para o lado!
Neste jantar, para além de Dong Zhi-ming e colaboradores, estavam também quatro colegas da Mongólia Interior, conhecidos, entre outras atributos, por serem resistentes aos efeitos do álcool. Para os chineses, quem aguenta bem a bebida é porque é bom líder, disseram-me.
Para além de convidado, era estrangeiro, e nisso os chineses são muito formais, de maneira que de 5 em 5 minutos levantava-se um chinês, fazia-me um brinde e bebíamos ambos um trago de aguardente de arroz. Como eles eram dez e eu o único convidado, tive que efectuar vários brindes com aguardente…
Dong Zhi-ming contou-me, no dia seguinte, que os colegas mongóis tinham ficado impressionados comigo porque nunca abandonei as boas maneiras nem alterei o tom de voz, e isso para eles é sinal de força interior. Não sei se é ou não, o certo é que nesse dia tinha uma certa dor de cabeça!

Lufeng é uma cidade muito pequena, mesmo para os standards chineses, semi-rural e onde quase nunca vão estrangeiros – é impressionante como estavam sempre a olhar para mim quando andava na rua…!
Recordo-me de sair um dia à noite e num restaurante (o mais próximo que se pode dizer daquele espaço…) onde entrei para me aventurar nas surpresas gastronómicas, estar vazio. Passada meia-hora, já quase não haviam mesas para chineses que apenas tinham dois objectivos: beber chá e mirar o ocidental que pensava em dinossáurios saurópodes, enquanto tentava adivinhar o que lhe tinham colocado no prato!

Foi também em Lufeng que ao sair de um riquexó motorizado (basicamente uma moto com uma cobertura atrás – foto) me deixaram à porta de uma pensão que não era a minha. Era de noite, não tinha o nome do sítio onde estava nem tão pouco sabia minimamente onde me encontrava. Para além de não esperar que alguém soubesse falar inglês, e o meu ultra-básico mandarim não dar para me safar daquela situação, foram uns minutos de completa impotência. Senti-me ao mesmo tempo como uma criança perdida no supermercado e como um adulto imbecil. Depois de ter recuperado a calma abordei o condutor do riquexó com as palavras “Kong long, kong long!” que significam “dinossáurio, dinossáurio”, uma das poucas que sei em mandarim.
Após o ter repetido várias vezes e o chinês ter recuperado das gargalhadas iniciais, lá deduziu que eu queria que ele me conduzisse ao Museu dos Dinossáurios.
É que a partir do Museu sabia eu o caminho!
Terminei a noite, com a cabeça de fora da caixa motorizada a gesticular “esquerdas e direitas” até ao meu hotel no sul da China.
Já andei por grande parte do mundo e nunca me tinha sentido tão “perdido” como naqueles cinco minutos…

Poema, dinos e abóboras

Em resposta ao elogioso post da Abobrinha, apenas uma imagem e um poema de Ogden Nash.

Fossils

At midnight in the museum hall
The fossils gathered for a ball
There were no drums or saxophones,
But just the clatter of their bones,
A rolling, rattling, carefree circus
Of mammoth polkas and mazurkas.
Pterodactyls and brontosauruses
Sang ghostly prehistoric choruses.
Amid the mastodontic wassail
I caught the eye of one small fossil.
Cheer up, sad world, he said, and winked-
It’s kind of fun to be extinct.