Compras de natal e a teoria da mente

Sempre escuto todo mundo que escreve dizer o quanto busca inspiração nas coisas do dia-a-dia para escrever. Comigo, claro, não é diferente. Também é claro que não consegui escapar do furor das compras de natal. Na verdade nem me esquivo muito, adoro fazer a lista dos presenteados, entrar nas lojas e ficar pensando no que dar a cada um, o que combina mais com cada parente ou amigo e foi justamente isso que suscitou o ensaio natalino de hoje.
Ao parar diante de um produto e imaginar o quanto ele combina com alguém o que estamos fazendo é colocar à prova, talvez à prova mais difícil do ano, a teoria da mente. Teoria da mente é a habilidade de atribuir ao outro um desejo ou uma intenção.
Ninguém é capaz de provar a mente dos outros, só temos acesso a nossa própria mente com seus desejos e intenções (E olhe lá! Meu pai psicólogo e frequentemente indeciso, além de excelente companhia nas cerimônias natalinas, diria.) através da introspecção. Mas obviamente temos uma possibilidade de perscrutar, mesmo que imprecisamente, a mente alheia.
Quando olhamos para a cara de um deputado dando depoimento numa CPI e sacamos que ele está mentindo, esta é a teoria da mente. Quando deixamos de dizer uma coisa a alguém para não magoá-lo, esta é a teoria da mente. Quando escolhemos um presente com nossa parca renda para alguém de quem gostamos por combinar com aquela pessoa, esta é a teoria da mente outra vez.
Feliz natal a todos e espero que a teoria da mente de quem lhes presenteou tenha funcionado a contento.

Tudo em um ano 11 – Tetrápodes

Predadores e parasitas são ameaças ecológicas que aterrorizam qualquer um, mas nenhuma força ecológica é mais poderosa do que a competição. Há cerca de 365 milhões de anos, o que cairia no dia 22/12 de nosso ano cósmico, foi exatamente a competição que mudou nossa história para sempre.

Com a deriva continental grandes massas de terra submersas em um extenso e produtivo oceano começaram a, por um lado, colidir e formar grandes continentes emersos, e por outro se afastar e formar profundos oceanos pobres em nutrientes. Em ambos os casos a área disponível para todos aqueles organismos marinhos (plantas, invertebrados e vertebrados igualmente) viverem caiu drasticamente. Isto fez com que a competição na água se tornasse quase insuportável. Deram-se bem os organismos que conseguiram sobreviver à competição ou se adaptar à vida no meio de oceanos ou sobre os continentes.

Foi assim que um grupo de peixes que faziam respiração pulmonar passou a ocupar a terra, arrastando-se por aí usando nadadeiras modificadas em patas. Este grupo ainda precisará descobrir uma maneira de impermeabilizar suas peles sensíveis ao ar seco, inventar uma maneira de desvincular sua reprodução da água e adequar seus rins a funcionar com menos solvente. Mas estava dado o ponta-pé inicial para o abandono da água e a vida dos vertebrados terrestres.

Pensamento de Segunda

A primeira meta da educação é criar homens capazes de fazer coisas novas, não simplesmente repetir o que outras gerações já fizeram. A segunda meta é formar mentes em condições de criticar e não aceitar tudo que a elas se propõe.
Jean Piaget

Tudo em um ano 10 – Vertebrados

Dentre a diversidade da vida há uma gigantesca miríade de organismos singulares e interessantíssimos em sua maneira de resolver os problemas que sobreviver e deixar descendentes impõem. Um dos grupos singular de espécies surge hoje em nosso ano cósmico. Seria uma covardia ressaltar a origem das singularidades apenas deste grupo sem um motivo claro se não fosse este grupo o nosso próprio. Então, hoje, 17 de Dezembro, começamos a narrar a evolução dos vertebrados.

Há apenas dois dias cósmicos os animais tornaram-se multicelulares e hoje uma série de características já nos tornam únicos. Temos um bastão de tecido flexível, mas não elástico, ao longo de todo o eixo de nosso corpo, temos fendas na faringe que não só nos permitem respirar como capturar alimento como uma peneira captura pedaços de laranja, temos uma cauda após o ânus.

Por estes dias surgirão outras mudanças fantásticas em nossos corpos que nos permitirão realizar coisas que nenhum animal sonharia. Uma mandíbula nos fará deixar o posto de presas e nos tornarmos predadores temidos. Apêndices pares nos permitirão nadar com maior eficiência, atingirmos outras formas de nos deslocarmos pelo mundo e, um dia, manipular objetos ao nosso redor. Uma caixa rígida protegerá o principal de nosso sistema nervoso, permitindo-lhe se desenvolver e especializar. Não mais importante do que tudo isto, agora passamos a ter um conjunto de vértebras que ajudam a sustentar nossos corpos que podem crescer bem mais.

Tudo em um ano 9 – Metazoários

Uma explosão de vida maravilhosa ocorreu há 580 milhões de anos. Se toda a história do universo coubesse em um ano, o surgimento dos organismos multicelulares teria ocorrido por volta do dia 15 de Dezembro apenas. Hoje foi a primeira vez que grupos de células, em vez de viverem separadamente, passaram a uma vida colonial mais complexa, com divisão de tarefa e dependência entre estas células a tal ponto de algumas delas separadas não sobreviverem.

É basicamente nisto que consiste a multicelularidade dos metazoários. São organismos que se alimentam de outros e têm corpos formados por diversas células interdependentes. O que, no entanto, resultou em mais um leque de possibilidades para estes organismos. Ao tornarem-se multicelulares eles passaram a resistir mais ao ambiente, a explorar melhor os recursos, a se diversificar a ponto de dar a impressão de durante o Cambriano, período do surgimento dos metazoários, a vida ter florescido em abundância estonteante o suficiente para impressionar um paleontólogo cético.

Por que o Lago Paranoá de repente se enche de plantas?

 

“Nada es más simple

No hay otra norma

Nada se pierde

Todo se tranforma”

(Jorge DrexlerTodo se Transforma)

 

Adoro crianças e suas perguntas. Uma vez escrevi que todo o mundo nasce cientista, somos nós adultos que assassinamos o espírito indagador das crianças reprimindo suas perguntas, assim, encomendei de uma amiga minha uma coletânea das melhores perguntas que o Víctor Gabriel, filho dela, fez e ficaram sem resposta na certeza de ser uma fonte inesgotável de bons posts. Desta forma, dou por inaugurada a série “Víctor Gabriel pergunta e o Tio Bessa se vira para responder”! A pergunta que intitula este post me foi enviada por ele.

Víctor, quando li a sua pergunta logo me lembrei do enunciado de Lavoisier musicado pelo Jorge Drexler no trecho que transcrevi acima. Na verdade o Einstein subverteu um pouco isto, mas para todos os efeitos em nossa realidade mais simples ele ainda vale. Nada vem do nada, matéria não surge do nada, oxigênio não surge do nada e nem plantas aquáticas. Tudo são peças de um grande quebra-cabeças, mesmo que não saibamos que peça está faltando. Veja se eu estou certo: O lago Paranoá é uma represa artificial no meio da cidade de Brasília feita para amenizar a baixa umidade do inverno candango. Há nele algumas plantas, mas vez por outra, especialmente assim que voltam as chuvas, essa população de plantas explode sem uma razão aparente. É isso?

Ok, não deveria ser tão esquisito assim. A grama volta a crescer, as árvores retomam suas folhas, tudo fica mais verde depois que as chuvas voltam. A água deveria explicar isso. O que parece não se encaixar é que são plantas que vivem na água, elas não estavam sofrendo com a seca. Por que então elas crescem mais? Vamos pensar na chuva, ela não leva apenas água. Repare que a chuva carrega consigo, depois que cai no chão, um monte de coisas como folhas, lixo, esgoto. Cientistas, que são pessoas que adoram inventar nomes estranhos dizendo que é para facilitar, chamam isto de lixiviação. Misture cocô de galinha, restos de comida e folhas com terra e deixe passar algum tempo. O que temos? Adubo! E se misturarmos os mesmos ingredientes à água? É adubo igual, mas adubo para plantas aquáticas! Novamente os cientistas inventores de nomes chamaram isso de hipereutrofização, mas no fundo é adubo mesmo. E adubo faz plantas crescerem, até os aguapés do lago Paranoá. O lixo e esgoto viram adubo que viram planta que enchem o lago, tudo se transforma. CQD!

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Búfalos no meio de um camalote, um banco de aguapés no pantanal. A eutrofização pode ser um processo natural!

 

Não se deixe enganar, porém. Aguapés são naturais, chuvas são naturais, transformar-se é natural. O que não é natural é ter tanto lixo e esgoto nas ruas para a chuva levar para o lago. Sei que o governo de Brasília já tentou vários projetos para melhorar as condições do nosso lago, algumas tentativas bem desastradas, outras boas. Mas se as pessoas não colaborarem jogando lixo e seus esgotos do jeito certo, não há governo que dê conta de despoluir o lago. Assim, as plantas que, de uma hora para outra, surgiram no lago podem ser consideradas um termômetro para mostrar quanta poluição existe naquela água.

Pensamento de Segunda

Um bom mestre tem sempre esta preocupação: ensinar o aluno a desvencilhar-se sozinho.
André Gide

Pensamento de Segunda

É tolo tentar responder uma questão que você não entende. É triste ter de trabalhar para um fim que você não deseja. Coisas como estas frequentemente acontecem na escola.
Polya

Bessa e borboletas hipocondríacas no Correio Braziliense

Só vi hoje, mas na edição de ontem do Correio sairam algumas declarações minhas a respeito de um trabalho bem interessante enfocando Borboletas monarcas desovando em plantas medicinais para evitar um parasita. O texto pode ser lido aqui.

Mudança

Tenho um vergão vermelho em minha canela e minha esposa ri de mim. As diversas camadas de epiderme foram arrancadas pela quina de uma caixa de papelão cheia dos meus livros no chão da sala. Agora a derme aparece como um tecido rosado, úmido e ardido. Mas esta não é a única marca em meu corpo, há outras contusões. Me mudei de casa estes dias e ainda não está formado em meu mapa cerebral a disposição das coisas.

Há em nosso cérebro uma área responsável por identificar a posição de tudo em nosso corpo, é o córtex somato-sensorial. Em parceria com o cerebelo, ele e o córtex motor primário nos fazem arquitetar nossos movimentos friamente calculados baseando-se em uma memória da disposição das coisas conhecidas. Se nosso corpo muda de forma muito rapidamente (como durante um espichão da adolescência ou após a perda de um membro num acidente) o mapa do córtex somato-sensorial não teve tempo de se atualizar ainda. Isto gera dois fenômenos interessantes: os membros fantasmas de pessoas amputadas, tão bem descritos em diversos ensaios de Oliver Sacks e da Suzana Herculano Houzel; e a natureza inexoravelmente estabanada de nossos adolescentes. Enquanto minha memória não fixar a posição dos móveis e objetos na casa nova ainda irei dar diversas topadas, sempre achei que a canela foi talhada pela evolução para encontrar objetos no escuro.

O pior é que entender fisiologicamente o que está acontecendo não me traz consolo nenhum. Melhor eu encerrar este post e ir ajudar minha mulher a enxugar e engavetar os talheres ou minha próxima mudança será para uma casa sem ela!