Cientista bom não morre, entra para a história

Entrou para a história hoje, aos 89 anos, o cientista Crodowaldo Pavan. Pavan, um de meus avós acadêmicos (orientador de minha primeira orientadora), foi pioneiro na genética do Brasil imergindo na biologia molecular poucos anos depois da descoberta do DNA por Watson e Crick. Pavan descobriu em uma espécie de moscas brasileiras que a quantidade de DNA nas células aumenta independente da divisão celular, formando o que Pavan chamou de um pufe. A participação dele como meu avô acadêmico não foi assim tão direta, ele orientou um trabalho com peixes de caverna, algo bastante fora de seu escopo. Mas isso só mostra sua versatilidade. Ele foi presidente da SBPC e do CNPq na década de 80, trabalhou na Universidade do Texas e até recentemente ainda era muito ativo nos laboratórios do ICB da USP e na Associação Brasileira de Divulgação Científica. Uma máquina! O mundo decidiu que a ciência brasileira precisava tanto de mais Pavan que suas células começaram a se multiplicar incessantemente. Pavan foi vítima de um câncer.

Obtido em www.faculty.uca.edu

Pavan nasceu como biólogo na convivência com André Dreyfus, catedrático da genética na Biologia da USP, sob a orientação de Theodozius Dobzhansky e como bolsista da fundação Rockefeller. Minha lembrança dele é de um professor polêmico e apaixonado. Cada ensinamento nascia de longos causos que nós alunos quase nunca imaginávamos onde iria dar, mas que sempre carregavam uma moral da história. Não se controlava muito em suas opiniões sobre o que discordava e não poupava neurônios para construir críticas. Um dos principais desdobramentos da biologia molecular, por exemplo, a genômica, era atacada por Pavan sem dó. “Sem uma pergunta e uma hipótese não há ciência.” Dizia ele, “e a genômica se atem a descrever sequências genéticas.” Não posso deixar de concordar, assim como listar espécies ou comportamentos não é ciência.
Boa noite, Pavan. Obrigado por tudo o que nos deixou. Durma bem.

Ciência Cotidiana 7 – Onde encontro um pé de trigo selvagem?

Por Eduardo Bessa com a supervisão da Prof. Virgínia Azevedo, especialista em melhoramento genético vegetal da UNEMAT

Estamos no Oriente Médio de 19 mil anos atrás. O local onde estamos um dia será a fronteira de Israel com a Síria. Somos um grupo de caçadores coletores nômades, nosso clã estabelece residência em um local, ali arma tendas nas quais as mulheres cuidam das crianças e coletam frutos e raízes para comer. Os homens passam um ou vários dias vagando pelas redondezas caçando pequenos cervos, cabras e o que mais puderem abater. Quando o alimento começa a escassear levantamos acampamento e nos mudamos para outro local ainda inexplorado e o ciclo recomeça. Nossos pertences não podem ser muitos devido à dificuldade de carregá-los na migração. Tanta andança impede que tenhamos muitos filhos e que os velhos vivam mais por incapacidade de acompanhar o grupo. Há escassez de proteína na alimentação, já que a caça é pouco produtiva. A vida não é fácil no começo do Período Neolítico. Num determinado momento de nossa evolução cultural uma nova técnica foi inventada. Embora aparentemente trivial, ela levou muitos anos para surgir, mas provocou uma vantagem tão grande àqueles que a realizavam que rapidamente a técnica se espalhou por todas as culturas que tinham contato naquele período. Era a agricultura.
A agricultura consistia em coletar na mata sementes dos vegetais mais utilizados na alimentação e plantá-las nas redondezas das vilas. Método semelhante foi realizado com os animais de caça que, em vez de abatidos, eram presos e alimentados até que se reproduzissem e fossem mortos para servir de alimento. Desta forma, era bem menos necessário migrar de uma área para a outra atrás de comida, era mais fácil adquirir proteína essencial para a ovulação e a população humana teve sua primeira explosão.
De quase 20 mil anos para cá muita coisa mudou. As plantas mais consumidas não mais eram coletadas nas matas, mas eram cruzadas dentro das próprias lavouras. Assim, apenas as mais vantajosas eram usadas como reprodutoras: os milhos mais doces, as batatas mais resistentes a fungos, as maiores abóboras. Esta técnica chamada de seleção artificial fez com que as plantas cultivadas fossem diferindo cada vez mais de seus ancestrais selvagens.
Com o advento da genética um segundo grande passo da evolução das plantas cultivadas ganhou terreno. O melhoramento genético dos vegetais trouxe ainda mais produtividade e vigor aos cultivares. Foi a chamada revolução verde que ocorreu na década de 1960 e junto trouxe o uso de fertilizantes, maquinário agrícola e agrotóxicos. Mais uma vez os vegetais cultivados diferiam de seus ancestrais selvagens. Só para se ter idéia, a soja não aguentava o fotoperíodo (a duração do dia) do Brasil, que hoje é o segundo maior produtor mundial do grão. O arroz é uma planta aquática da China, só crescia em solos alagados, mas através do melhoramento genético passou a tolerar solos secos em sua variedade conhecida como arroz de terras altas.
É por isso que não existe um pé de trigo igual aos que plantamos brotando naturalmente em lugar nenhum do mundo, o trigo atual é uma planta artificial, hexaplóide (com seis conjuntos de cromossomos ao invés dos dois usuais) e autógama, é capaz de se autofecundar, ao contrário da maioria das plantas selvagens. O milho, por exemplo, deriva de uma planta chamada teosinte, era bem menor do que a espiga de milho que conhecemos, tinha grãos com cores diferentes que variavam do amarelo pálido, roxo, preto ao vermelho, isso na mesma espiga. Até hoje produtores tradicionais usam variedades multicoloridas chamadas de milho crioulo, bem mais resistente a pragas do que o milho amarelinho que comemos cozido.

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Obtido em www.gmo-safety.eu

Governos de países como Peru e Índia têm incentivado os produtores a manter variedades de seus vegetais de cultivo nativos (milho e arroz, respectivamente) de forma a ter um plantel de genes diversos que podem ser a salvação de nossas monoculturas caso surja uma praga dos principais alimentos utilizados. Imagine um fungo que acabe com toda a plantação de arroz do mundo. Com a baixa diversidade genética nesses vegetais uma praga que afete um pé de arroz afetaria potencialmente todos os pés de arroz. Um bom enredo para um holocausto ficcional. Foi isso que aconteceu com as batatas na Irlanda em 1845, o que levou, em grande parte, à colonização dos Estados Unidos. Diversidade genética é primordial para a conservação de qualquer espécie viva, de micos leões dourados a pés de arroz, milho ou trigo.

Manchetes comentadas 14 – Onça capturada em condomínio no interior de SP

Às minhas amigas Grazi e Paula, das cidades visitadas pelas onças

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Obtido em www.fiocruz.br

Na manhã de hoje, noticiou o Estadão, uma onça parda foi capturada dentro de um condomínio próximo a Sorocaba, interior paulista. A suçuarana escalou uma árvore e só foi retirada pelos funcionários do Zoológico com a ajuda de dardos tranquilizantes. É a segunda onça dessa espécie encontrada em áreas urbanas do interior de São Paulo essa semana, a outra foi capturada próximo a Jundiaí.
Onças são predadores de topo de cadeia. As duas espécies existentes no Brasil, onça pintada e onça parda ou suçuarana, estão criticamente ameaçadas de extinção segundo a red list da IUCN, ONG responsável pela avaliação do risco de extinção de diversas espécies no mundo todo. O principal motivo do risco que esses animais correm é a destruição de seus habitats. De fato, destruição de habitats é a maior causa de extinções para todas as espécies do mundo, seguido de invasões biológicas, crescimento populacional humano, poluição dos recursos naturais e extrativismo.
Predadores como as onças têm um problema a mais ao terem seus habitats deteriorados, por estarem no topo das cadeias tróficas os predadores precisam de uma quantidade maior de alimento. Na maioria dos ecossistemas a energia vem diretamente do sol, mas é fixada pelos vegetais através da fotossíntese. Esta energia é distribuída para os outros organismos da teia alimentar à medida que herbívoros comem os vegetais, depois servem de alimento para predadores. Contudo, a cada passo dessa cadeia alimentar, um pouco da energia presente no alimento é desperdiçada por pura entropia. Deriva disso o fato das cadeias alimentares nunca serem muito longas. Também deriva disso a necessidade que as onças têm de mais alimento. Se o habitat das onças é degradado junto vai boa parte do alimento de que ela tanto necessita, o que pode levar à morte ou emigração. No caso dessa notícia levou à emigração da onça para o condomínio. Quando o controle de uma população acontece por falta de alimentos dizemos que há um controle bottom-up, ou de baixo para cima da cadeia alimentar.
Após a captura a onça foi levada para o zoológico de Sorocaba, recebeu um chip para rastreamento e fez um exame de DNA. Na tarde do mesmo dia foi solta em uma reserva. O risco dessa introdução não é nulo, a onça introduzida poderia ter levado consigo uma doença que afetará a população local de onças, todo o processo de manuseio pode ter debilitado a onça, favorecendo sua morte ou ainda a onça introduzida poderia impactar a população local de presas. A população de cotias dessa reserva, por exemplo, poderia estar em um fino equilíbrio com a de seus predadores. Com a introdução de um novo predador haveria um efeito top-down, ou de cima para baixo na cadeia alimentar, sobre a população de cotias. A introdução perfeita só seria feita após saber o estado de saúde do animal a ser introduzido e as condições ecológicas do ambiente que o receberá, algo bem improvável em nossas matas megadiversas. A reintrodução foi, certamente, a melhor opção para esses dois animais, mesmo que não fosse em condições ideais.

Pensamento de segunda

“Compreendamos o que nossos genes egoístas estão tramando, porque assim nós teremos ao menos a chance de frustrar suas intenções. Algo que nenhuma espécie jamais aspirou.” (Richard Dawkins)

Ciência à Bessa na Rádio Tangará

Pessoas, este que vos digita vos falará amanhã, sábado das 8:30 às 10:30 horário local (ou seja, 9:30 às 11:30 do horário de Brasília). Participarei de um debate pela rádio Tangará sobre o dia mundial da água. Para ouvir o programa sintonize seu radinho em 640 AM ou clique aqui no horário marcado.

Homem primata

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Semana passada, em meio aos posts sobre seleção sexual, fui a um show conjunto dos Paralamas do Sucesso e Titãs, duas de minhas bandas nacionais favoritas desde a adolescência. O show foi excelente, uma meninada numerosa muito mais nova do que eu e as bandas, Hebert Vianna cantando Polícia e Paulo Miklos cantando Óculos, duelo de cordas entre o Bellotto e o Bi Ribeiro, músicas das antigas que eu nem achei que eles fossem tocar. MARAVILHOSO!!! Como não podia deixar de ser, no meio do show minha cabeça insana foi invadida por pensamentos etológicos.
No meio do solo de Uma Brasileira, reparei que a platéia toda levantou os braços e começou a acenar no ritmo da música. Até vi mais ou menos a hora que a idéia surgiu de um grupo que estava bem perto do palco, mas logo se disseminou por toda a pista. Naquele exato momento saquei meu celular para filmar o comportamento e ilustrar esse post, que àquela altura já estava prontinho na minha cabeça, mas a imagem ficou tão ruim que desisti de usá-lo.
A socialidade traz uma série de vantagens aos organismos que optam pela vida em grupo, proteção contra predadores, melhores resultados na caça, acesso fácil a parceiros sexuais, por exemplo. Mas também há custos como a competição por alimento e a disseminação veloz de doenças contagiosas. Nossa espécie, como bom primata, é uma das mais sociáveis que existe, por isso temos muitos comportamentos que favorecem nossa socialidade. Coexistir num grupo depende muito de aceitação, cada integrante tem que viver na tênue linha que separa o prazer dos interesses pessoais e o dever dos interesses grupais sem que nenhum dos dois prevaleça. Assim, toda oportunidade de demonstrar que integramos um grupo é aceita muitas vezes sem nem passar pela nossa consciência.
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Quantas zebras você vê na foto?

Outras espécies sociais, como as zebrinhas listradas, vivem em bandos que são uma boa forma de evitar virar comida de leão. Aquele monte de barras pretas e brancas correndo causam uma grande confusão no predador, desde que o grupo ande sempre coeso e em sintonia. As zebras que fogem a este padrão são presas mais fáceis e são negativamente selecionadas segundo a teoria de Charles Marvin Darwin. Portanto, teimar em não copiar um comportamento que uma parte do bando realiza pode ser uma boa forma de morrer.
Pode ser que tenha sido por causa desse comportamento de manada que todo o mundo ergueu os braços junto e começou a acenar no ritmo da música. Reagir de forma homogênea e comportar-se igual aos que nos cercam traz segurança e aceitação. Deve ser lindo ver do alto do palco a platéia toda reagindo à sua música em sintonia, ritmo e harmonia. Valeu pelo show Titãs e Paralamas!
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Obtido em: www.oglobo.com.br

Pensamento de segunda

“Aprendizado por vivência é quando dizem: ‘Sabe isso que você acabou de fazer? Então, não faça.'” (Douglas N. Adams)

Ops! O pensamento de segunda hoje caiu na terça. Coisas da migração

5- Love me, love me, pretend that you love me. Fool me, fool me, go on and fool me…

This is the english version of this text

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Male wasp with pollinia on its back pseudocopulating with the orchi labellum.
Obtained from: anu.edu.au

For our Grand Finale I reserved what should be the greatest humiliation to the endless quest for pleasure that we males do. Plants also need to transfer their male gametes from one individual to another, aiming this Angiospermae started counting on animals like hummingbirds, bees and butterflies, the pollinators. In most of the cases there is na exchenge between pollinators and plants. Bees take some of the pollen for food, hummingbirds feed on the flower’s nectar, but in the case I am to tell today the pollinator is fooled by the plant. The orchid Chiloglottis trapeziformis has its labellum fisically modified and chemically similar to the female of its pollinator wasp Neozeleboria cryptoides. As it blooms the flower starts spreading the sweet scent of the fertile female wasp, what attracts the males from all over. Males grab the labellum of the orchid, a modified petal, and cover themselves with pollen while they think they have a pure moment of bliss with the fake-female. After that they fly away and find another flower that they imediately stick to taking it for another generous female and, while it is sexually dedicated to this new “lover”, transfers the pollen from one orchid to another.

5- Ou você me engana ou não está madura. Onde está você agora?

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Vespa macho com a polínia nas costas pseudocopulando com o labelo da orquídea
Obtido em: anu.edu.au

Para nosso Grand Finale reservei o que talvez seja a maior humilhação à incessante busca por prazer que nós machos fazemos. Plantas também precisam transferir seus gametas masculinos de um indivíduo para outro, para isto as angiospermas passaram a contar com a ajuda de animais como beija-flores, abelhas e borboletas, os polinizadores. Na maioria das vezes há uma troca entre o polinizador e a planta polinizada. As abelhas aproveitam parte do pólen para sua alimentação, beija-flores nutrem-se do néctar, mas no caso que narrarei hoje o polinizador é enganado pela planta. A orquídea Chiloglottis trapeziformis tem seu labelo fisicamente e olfativamente semelhante à fêmea de sua vespa polinizadora Neozeleboria cryptoides. Ao desabrochar a flor começa a dispersar o doce perfume da vespa fêmea fértil, o que atrai machos apaixonados de todos os cantos. Os machos atracam-se ao labelo da orquídea, uma pétala modificada, e se cobrem com o pólen enquanto pensam ter um momento de puro prazer sexual com a falsa fêmea. Em seguida encontram outra flor que abordam pensando tratar-se de mais uma fêmea generosa e, à medida que dedica-se sexualmente a esta nova “amante”, transfere o pólen de uma orquídea à outra.

4- I die for you, you know it’s true. Everything I do, I do it for you…

This is the english version of this text
In many cases females of some species are not as interested in sex as their candidates. To calm them down the males often offer nuptial gifts such as packages of food. There hasn’t got to be some fancy cherry chocolates, a dead fly will do just fine. There are many hypothesis that explain the evolution of this behaviour: the gift may serve to lure females into mating, may be an investment of the male on the offspring or just a way to escape from the female post-sex hunger. There is also evidence on either directions. Some species of Empidae flies give their females a pack, the males wham, bam and thank you maam’ while the female unwrap the pack just to find out it was empty! Other studies on crickets and Beetles showed that larger nuptial gifts resulted in larger or faster growing eggs. Finally, among the Pisaura mirabilis spiders, not giving the females, much larger then the males, something to eat during the sex nearly always means that the male will become the main dish.
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Obtained from: www.nationalgeographic.com

In fact, our extreme example of male dedication today comes from these guys who consider sex the perfect way to die. The black widow, for example, eats her husband while they mate. There is evidence that males that don’t allow to be eaten do not have enough time to fertilize the eggs and the ones that escape before being killed do not have as many descendents during their whole lives as the ones that accept the tragic fate of dying in her beloved’s chelicerae.