Viagem no tempo


Devido ao meu passado e formação como professor, as analogias têm em mim, como noutros, um fascínio e utilidade únicas.
Sempre as utilizei como forma de introduzir e sistematizar diversos conceitos das Ciências Naturais.
Os alunos gostavam e pediam sempre mais, embora seja difícil e não aconselhável em todas as situações.
Uma das analogias práticas que utilizava era em relação à enormidade do tempo geológico. Depois de lhes ter dado rolos de máquina registadora, bem como uma folha com as diversas idades e acontecimentos geológicos, pedia-lhes para marcarem, cronologicamente e com distâncias proporcionais à idade dos acontecimentos, no rolo esticado, esses mesmos acontecimentos. Era uma actividade de que gostavam – inicialmente, porque os libertava das habituais cadeiras e interagiam em grupos e no final…devido ao resultado prático.
Imaginemos uma realidade bem conhecida – viagem entre duas cidades do nosso país, Porto e Lisboa – pela auto-estrada.
Agora comparemo-la com os acontecimentos biológicos e geológicos do nosso planeta (desde a formação do planeta – Porto – até à actualidade – Lisboa).
A distância percorrida nesta viagem comum – 300 km – vai ser proporcional à idade da Terra, i.e., partimos do Porto (0 km) ao mesmo tempo que o nosso planeta é formado (4600 milhões de anos – MA).
A saída dos Carvalhos é o equivalente na nossa viagem à formação da Lua (4500 MA). A atmosfera terrestre ter-se-á formado junto a Santa Maria da Feira, tendo as primeiras rochas, ou pelo menos as de que há registo, surgido na zona de Estarreja (3960 MA).
Quando o nosso carro está a circular entre Aveiro sul e a Mealhada (_3400 MA) terão aparecido a primeiras formas de vida – bactérias e algas.
45 quilómetros adiante e devido à actividade fotossintética dos primeiros seres vivos, a atmosfera já apresenta concentrações de oxigénio razoáveis.
Iremos necessitar de atingir a zona de serviço de Santarém para conseguir observar os primeiros animais (unicelulares), ocorrendo os primeiros seres vivos pluricelulares em Aveiras (_700 MA).
Os primeiros peixes e as primeiras plantas terrestres apareceram sensivelmente na mesma zona – no Carregado.
Em Vila Franca de Xira surgiram os primeiros insectos; quatro quilómetros depois chegam os primeiros répteis (340 MA) e, se quisermos observar os primeiros mamíferos e aves, teremos que passar Alverca (180 MA).
O planeta será coberto pelas cores das flores primitivas pouco antes de Santa Iria da Azóia (150 MA), extinguindo-se os dinossáurios cinco quilómetros após. Os Alpes são formados quase após circularmos 300 metros (60 MA).
A colisão da Índia com a Ásia, que irá dar origem aos Himalaias, ocorrerá praticamente já em Sacavém e quando as primeiras ferramentas de pedra forem inventadas estaremos já a 100 metros da Torre de Belém.
Já depois do carro estacionado, caminhamos em direcção à Torre de Belém- a 33 metros o Homem descobre o fogo; a 7 metros surge o Homem de Neanderthal e a apenas 1 metro a agricultura.
Poderíamos continuar a nossa analogia com acontecimentos da História da Humanidade, mas as distâncias envolvidas seriam pouco práticas…estaríamos já com o nariz “colado” à Torre de Belém!!
Fundamental, nesta como na analogia que utilizava nas escolas onde dei aulas, é compreender e tentar intuir (será que alguém é capaz?) a imensidão do tempo geológico.
Eu não podia deixar de sorrir quando os meus alunos vinham ter comigo, muito aflitos, “Professor, isto deve estar errado. O Homem só aparece num bocadinho muito pequenino da fita!!!”
Pois é…há pouco tempo, mesmo no finalzinho da fita…
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 06/04/2006)

Velhos Recordes


A maioria das pessoas, onde se incluem em especial as crianças, quer sempre saber quais foram os maiores, os mais rápidos, os mais ferozes, “os mais” qualquer coisa…
Falo obviamente dos ” mais ” entre os dinossáurios.
Obviamente estas questões merecem e têm merecido a atenção dos paleontólogos – tamanhos, pesos, velocidades atingidas, são exemplos de assuntos para os quais são necessárias respostas paleobiológicas.
Outro tipo de questão, importante, mas que não provoca o despertar de atenção do grande público é a questão da antiguidade relativa de um determinado grupo de dinossáurios.
Primeiro será útil responder a como se atribuem idades a um determinado grupo de dinossáurios.
Essencialmente a ferramenta geológica a que os paleontólogos recorrem é a Estratigrafia e a um dos seus Princípios básicos – Princípio da Sobreposição dos Estratos.
Este princípio diz-nos que as rochas favoráveis ao aparecimento de fósseis são designadas sedimentares. Estas formam-se pela deposição de sedimentos de outra rochas preexistentes em ambientes marinhos, lacustres e fluviais.
Se uma rocha sedimentar se encontra sob outra, então a mais antiga, em situações “normais”, é aquela que está situada inferiormente, uma vez que se depositou primeiro.
Utilizando aquele princípio, comparando as características geológicas de vários locais, os estratígrafos vão datando (e fazem-no há bastante tempo) as diversas rochas sedimentares.
Se um fóssil é formado numa rocha sedimentar, é natural que tenha a mesma idade da rocha onde aparece. Parece simples. E é.
Assim, os paleontólogos servem-se das tabelas de idades das rochas sedimentares para datarem os fósseis nelas encontrados – se um dinossáurio for descoberto uma rocha com 150 milhões estratigraficamente terá…150 milhões de anos!
Um dos mais antigos saurópodes (dinossáurios quadrúpedes e de pescoço e caudas compridos) foi o Tazoudasaurus. Este dinossáurio foi descoberto em rochas que datam do Jurássico inferior – cerca de há 180 milhões de anos. Este animal, pelo que foi dito anteriormente, apresenta a “bonita” idade de…180 milhões de anos.
O Tazoudasaurus não foi seguramente o maior dos dinossáurios (tinha “apenas” 9m de comprimento, pouco comparado com os 40m de alguns dos seus “primos” mais recentes).
Então porque é tão importante?
O Tazoudasaurus é um dos mais antigos saurópodes que se conhece. Desta forma tem servido para que os paleontólogos respondam a algumas questões: como foi a história evolutiva deste grupo? Como terá surgido a locomoção quadrúpede nestes animais?

Ao contrário dos mamíferos, que evoluíram a partir de ancestrais quadrúpedes, os dinossáurios iniciais eram bípedes.
Posteriormente, os paleontólogos ainda não perceberam bem porquê, desenvolveram a locomoção quadrúpede.
A locomoção bípede dos humanos é uma excepção dentro dos mamíferos – desenvolveu-se por diversos motivos que, melhor que ninguém, arqueólogos e antropólogos conseguem explicar.
No caso dos dinossáurios os “aberrantes” são os quadrúpedes – saurópodes, estegossáurios, ornitópodes, entre outros.
É esta uma das questões que mais atraem os paleontólogos envolvidos no estudo da locomoção entre os dinossáurios – mudança biológica radical ao nível da locomoção, de duas patas para quatro patas.
O leitor seguramente entenderá o radicalismo deste tipo de mudança na locomoção se recordar o caso da família turca que, devido a anomalias genéticas, se desloca em quatro membros – mãos e pés servem à locomoção.
Para além de todo o valor simbólico que encerra, este exemplo atraiu muitos investigadores pois poderá permitir avaliar e melhor compreender como se deslocavam os nossos antepassados.
De forma equivalente é de toda a importância para o estudo da vida na Terra e de um dos grupos que a dominou, perceber os mecanismos biológicos ligados ao surgimento da locomoção quadrúpede nalguns grupos de dinossáurios.
Regressando ao tema inicial, ao avaliarmos um dinossáurio tão antigo como o Tazoudasaurus, o que está em causa não é mais um recorde para o Guiness da Paleontologia; o importante neste exemplar é que permite identificar factores paleobiológicos que possam ajudar à compreensão da “revolução” na locomoção bem como a história evolutiva dos enormes saurópodes.

P.S.- escrevo esta pequena crónica enquanto espero, há cerca de 7 horas, no aeroporto de Casablanca, depois de ter estado alguns dias a estudar o Tazoudasaurus em Marraquexe …
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 23/03/2006)

9 Mitos/Confusões sobre Dinossáurios/Paleontologia


Tal como temos ideias pré-concebidas em relação à política, ao futebol e à vida em geral, também no campo da Paleontologia é habitual termos concepções que não correspondem ao que a Ciência conhece.
Porque a literacia científica é importante.
1-Os dinossáurios eram animais “estúpidos” – este conceito é, erroneamente, apoiado pelo facto de que se extinguiram. A paleontologia sabe que o grupo de animais designados de dinossáurios foi, em maior ou menor grau, dominante em diversos ecossistemas durante mais de 170 milhões de anos; em termos comparativos o Homem, como espécie, habita o nosso planeta há uns míseros milhões de anos…estúpidos?
Não.
Cumulativamente conhecem-se hoje restos fossilizados de dinossáurio – Troodon – em que a relação tamanho corporal/tamanho craneal é bastante elevada levando os paleontólogos a especular se aquele grupo de animais não possuiria padrões de comportamento bastante desenvolvidos.
2-Steven Spielberg no “Parque Jurássico” foi o primeiro a “utilizar” os dinossáurios no cinema – ao contrário do que geralmente se pensa, a utilização dos enormes animais do Mesozóico não foi uma ideia original de Hollywood. O primeiro filme de animação tinha como personagem principal um dinossáurio saurópode, ou melhor uma “menina” saurópode de nome Gertie. Foi realizado em 1914 por Winsor McCay (também autor da famosa obra “O pequeno Nemo); McCay foi influenciado por uma visita que efectuou ao Museu de História Natural de Nova Iorque, tendo ficado tão impressionado com o Brontosaurus (hoje designado Apatosaurus) em exposição que o decidiu “utilizar” no primeiro filme de animação.
Ao longo da história do cinema contam-se imensos exemplos que integram como personagens os dinossáurios; apenas dois exemplos: “O Mundo Perdido” de 1925 e “Quando Os Dinossauros Dominavam a Terra” de 1970.
3- Os arqueólogos estudam os dinossáurios e os fósseis – tal como não são os paleontólogos que estudam os vestígios da Humanidade em Foz Côa ou no Egipto, também não são os arqueólogos que estudam as formas de vida preservadas sob a forma de fósseis – esse é o trabalho do paleontólogo.
4- Na linguagem do dia-a-dia a utilização das palavras “dinossauro” e “fóssil” estão associados a conceitos ultrapassados – televisão, rádio, jornais e mesmo nas conversas quotidianas veiculam as palavras dinossáurio e fóssil associadas a conceitos de objectos, ideias ou pessoas que estão ultrapassadas, velhas e antiquadas. Apesar de nalguns contextos aquela associação fazer sentido, na maioria dos casos é errada, pois os dinossáurios foram animais excelentemente adaptados aos seus ambientes e constituíram um grupo de sucesso durante muitos milhões de anos (ver ponto 1).
5- Homem e dinossáurios foram contemporâneos – nos exemplos cinematográficos atrás referidos, em obras literárias (“O Mundo Perdido”, “Lost World” no original, de Sir Arthur Conan Doyle) e séries televisivas (“Os Flinstones”, por exemplo), o Homem e os dinossáurios coexistem em ambientes mais ou menos remotos.
Sob um ponto de evolutivo e da História da Vida, esta perspectiva, obviamente, não está correcta. Entre os dois grupos de seres vivos existem um “fosso” temporal de mais de 60 milhões de anos! Os antepassados do Homem moderno, num sentido amplo, terão surgido há cerca de 4 ou 5 milhões de anos, tendo os grandes sáurios desaparecido há 65 milhões de anos.
Mas para efeitos ficcionais o devaneio artístico é bem tolerado…
6- Todos os grandes répteis do Mesozóico eram dinossáurios – embora os dinossáurios dominassem um grande número de ecossistemas não eram o único tipo de fauna.
Dimetrodon, Pteranodon (pterossáurio), e Megalneusaurus (réptil marinho) não eram dinossáurios e são alguns exemplos de outros répteis contemporâneos dos grandes sáurios. Tal como hoje não existem unicamente mamíferos em diversos ecossistemas, também no Mesozóico não existiam só dinossáurios…
7- Os dinossáurios eram voadores e habitavam também os mares – os dinossáurios eram animais exclusivamente terrestres. Répteis como os pterossáurios (voadores) são normalmente confundidos com os dinossáurios; embora parentes próximos, não pertencem ao mesmo grupo. Tendo em atenção que os dinossáurios são os antepassados das aves, então podemos dizer que existiram dinossáurios voadores; mas tendo em atenção essa ressalva…
De maneira semelhante, existiram e desapareceram no mesmo momento grupos de répteis parentes dos dinossáurios que habitavam o meio aquáticos – os ictiossáurios, os plesiossáurios e os mosassaúrios.
8- Todos os dinossáurios eram enormes – embora uma das estratégias evolutivas desenvolvida pelos dinossáurios fosse o aumento de tamanho, conhecem-se actualmente algumas espécies de pequeno porte. Exemplos como Procompsognathus e Echinodon apresentavam tamanho que variavam entre o 1,20 e 1,50.
9- Os mamíferos só apareceram depois de os dinossáurios se extinguirem – os últimos anos têm permitido reformular esta ideia; foram descobertos mamíferos fossilizados na China que transformaram a ideia que os nossos antepassados longínquos eram de tamanho muito reduzido e viviam em poucos ambientes.
O Repenomamus foi descoberto recentemente e permitiu saber os mamíferos apresentavam tamanhos maiores do que se pensava e, mais surpreendente, se alimentavam, sempre que podiam, de dinossáurios! Este facto foi provado quando se descobriu este animal com restos fossilizados de um dinossáurio no seu interior. Podemos, desta forma, perceber que os mamíferos ancestrais não eram inofensivos como se suponha, aproveitavam as oportunidades que a Natureza lhes oferecia…
P.S.- para quem estiver interessado aprofundar os conhecimentos sobre a influência dos dinossáurios na cultura popular pode tentar obter o excelente livro Starring T-Rex: Dinosaur Mythology and Popular Culture publicado pela Indiana University Press e, infelizmente, sem edição em português. Escrito pelo catedrático de Paleontologia e cinéfilo José Luís Sanz, da Universidad Autónoma de Madrid.

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 02/03/2006)

“Falsificações” Naturais


Os Executivos são todos iguais.
Estejamos onde estivermos, conseguimos identificar um quadro importante de uma empresa – o vestuário, o calçado e os adereços são semelhantes. Independentemente das diferentes empresas a que pertencem, percursos de vida, educação e anos de carreira, um executivo transmite uma imagem perfeitamente identificável, estejamos em Nova Iorque, Tóquio ou na Bolsa de Lisboa.
Mas para que utilizo eu uma das imagens de marca do capitalismo?
Tal como os executivos adoptam uma imagem semelhante, a Natureza reproduz formas e funções semelhantes em organismos muito diferentes.
Tubarões e golfinhos, ao nível do seu plano corporal, são muito semelhantes, apesar de um ser um peixe e o outro um mamífero, e estarem separados evolutivamente por 400 milhões de anos.
Tubarões e golfinhos podem ser apontados como exemplos de Evolução Convergente – aquisição independente de características físicas semelhantes por parte de seres vivos muito diferentes.
Existem outros exemplos de Evolução Convergente: os membros anteriores das aves, dos morcegos e dos pterossáurios (répteis voadores, parentes e contemporâneos dos dinossáurios) apresentam formas seme lhantes. Embora de grupos diferentes, separados por milhões de anos de evolução, possuem estruturas anatómicas que lhes permitem (ou permitiam, no caso dos pterossáurios) uma mesma função: voar. A locomoção bípede (somente nos dois membros posteriores) evoluiu convergentemente nos humanos e nas aves – nestas surgiu há mais de 200 milhões de anos, nos seus dinossáurios antepassados; nos seres humanos, a transição para a locomoção bípede, há uns meros milhões de anos…
Os leitores e os pombos partilham, convergentemente, este tipo particular de locomoção com alguns roedores, com os cangurus e com alguns lagartos – facultativamente nestes.
Mas qual o “motivo” da Natureza para organismos tão afastados, em termos evolutivos, apresentem estruturas e funções tão semelhantes?
A primeira justificação passa pelos condicionamentos de design e de eficiência orgânica.
Quem não tem muita paciência para cuidar de plantas em casa conhece os cactos. Estas plantas apresentam formas características, adaptadas aos climas desérticos – forma alongada ou arredondada, sem folhas (para não perderem água) e as folhas que possuem estão transformadas em espinhos e tecidos internos capazes de retenção de água. Mas, onde ia eu?
A maioria dos amantes de cactos não sabe é que… está a ser “traída”! Não possuem cactos (família Cactaceae e originários da América do Norte) mas sim plantas da família Euphorbiaceae. Mas a “traição” é justificável… As plantas que consideramos cactos desenvolveram, pelo fenómeno de evolução convergente, formas idênticas às plantas dos westerns. Vivendo em climas igualmente áridos, mas em África, as Euphorbiaceae necessitaram de adaptar a sua estrutura para evitar perdas de água e…”imitaram” os cactos!
A segunda razão, por detrás da evolução convergente, envolve o sucesso da imitação.
Podemos utilizar um exemplo da cultura humana – a música. Já todos nós constatámos que quando um grupo musical tem sucesso logo aparecem vários outros a o imitar. As condições do mercado e do gosto musical num determinado momento são as certas, de maneira que os imitadores também vingam, por se aproveitarem de um modelo vencedor. Na Natureza, a “imitação” estrutural também funciona de uma maneira equivalente. Por exemplo quer os veados quer os cavalos desenvolveram membros finos e esguios, assentes no desenvolvimento do dedo III (central) e redução dos restantes. Estas adaptações permitiam a optimização da corrida. Quer uns quer outros tinham o mesmo tipo de predadores e, ao longo de milhões, desenvolveram anatomias semelhantes.
A Selecção Natural conduziu espécies competidoras de um mesmo ecossistema por trilhos evolutivos paralelos, pois o sucesso evolutivo estava dependente da economia da forma, da função e do design. Todos nós já constatámos que quando um determinado produto tem sucesso comercial, logo aparecem imitações. É o ritmo da sociedade de consumo.
Ainda bem que não existem patentes na Natureza!
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 16/02/2006)

Tamanho…com tamanho se paga!


Para alguns morcegos a vantagem sexual tem o seu preço – maiores órgãos sexuais, cérebros menores. Complementarmente verificou-se que espécies de morcegos em que as fêmeas são promíscuas, os machos apresentam orgãos sexuais maiores.

Na semana passada foi publicado um artigo (Mating system and brain size in bats. Proceedings of the Royal Society of London, Series B.) que analisou 334 espécies de morcegos (à excepção dos roedores, os morcegos são o grupo de mamíferos mais diversificado) e constatou que os morcegos com maiores cérebros apresentavam testículos mais reduzidos.
Os investigadores referem que esses dois órgãos necessitam de grandes quantidades energéticas para se manterem e renovarem.
Assim as espécies de morcegos necessitam de optar, com vista a atingir um balanço óptimo. Este facto – gestão energética – é fundamental para todos os animais, mas para os morcegos ainda mais. Devido ao seu modo de vida – voam – e apresentam uma grande superfície corporal, devido às membranas alares, as perdas energéticas são muito grandes.
Os investigadores igualmente constataram que em espécies cujas fêmeas eram promíscuas (mais do que um parceiro) os respectivos machos apresentavam maiores testículos. Em espécies em que se verifica a “fidelidade” da fêmea observou-se o inverso.
Curioso é o facto de os cientistas terem previsto que os machos de fêmeas promíscuas devessem ter cérebros maiores, para evitarem serem “enganados”. Verificaram o oposto. Segundo os autores deste estudo a monogamia deverá ser um comportamento mais exigente a nível neurológico do que se pensava.
Não pude deixar de sorrir…

Diz-nos uma das leis da Evolução – Lei de Cope – que os animais têm tendência para aumentar de tamanho ao longo do tempo, dentro de uma linhagem.
A lei de Cope, apesar de ter mais de um século de existência, é actualmente ainda pouco conhecida.
O aumento de tamanho, implícito na Lei de Cope, supõe vantagens evolutivas
Entre as vantagens evolutivas de um maior tamanho contam-se a defesa contra predadores bem como vantagem na predação, maior longevidade, vantagem intraespecífica (entre membros da mesma espécie) e interespecífica (de diferentes espécies), entre outras,
Mas ser grande acarreta também alguns problemas – os animais necessitam de maior tempo de desenvolvimento (quer pré- quer pós-natal), de maiores quantidades de comida bem como susceptibilidade à extinção – como apresentam tempo entre gerações maior têm menor capacidade para se adaptarem a alterações ambientais.

A Natureza não pára de assombrar.
Não a podemos interpretar de forma antropocêntrica, especialmente quando discutimos comportamentos animais.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 26/01/2006)

Fósseis – História e mitos populares

Os fósseis ao longo dos tempos nem sempre foram encarados como registo de uma vida passada que permitem reconstituir tudo aquilo que se passou biologicamente no nosso planeta. Associações dos fósseis a acontecimentos históricos bem como tradições e mitos populares de várias partes do mundo são inúmeros. Alguns deles são aqui referidos.
Fóssil deriva do termo fossilis referido pela primeira vez por Plínio, o Velho (23-79 DC). A sua raiz fossus, particípio passado de fodere (i.e. cavar), significa literalmente “o que se extrai cavando“.
Adrienne Mayor refere no seu livro “The first fossil hunters” que na origem da figura mitológica Grifo estarão estado os dinossáurios. Senão vejamos o seu raciocínio: no séc. VII A.C., os gregos estabelecem contactos com nómadas Saka (exploradores de ouro no deserto de Gobi). Estes povos da Ásia central referiam que existia um monstro protector das reservas de ouro que teria cabeça e asas de águia num corpo de leão – é o nascimento da lenda do grifo na cultura grega. Nos anos 20 do séc. XX são descobertos dinossáurios no deserto de Gobi, um dos quais o Protoceratops – dinossáurio com uma projecção craneal semelhante a um bico.

A enorme semelhança de aspecto entre os restos de Protoceratops e a figura mitológica do grifo poderá explicar que os primeiros gregos (desconhecedores dos dinossáurios) tenham tomado conhecimento do seres do mesozóico muito antes de Richard Owen os definir no séc. XIX.

Outro dos exemplos históricos em que o registo fóssil e a história se cruzam diz respeito a Santo Agostinho (Aurelius Augustinus, 354-430 DC).
Em 413, no seu livro A Cidade de Deus, é referido um molar gigantesco atribuído a um gigante ancestral. Como outros autores até aí, pensava que os fósseis eram o resultado do Dilúvio. Acreditava igualmente que os seres humanos haviam diminuído de tamanho ao longo dos tempos. Esse molar seria um vestígio desses tempos em que os humanos apresentavam um tamanho colossal – hoje sabemos que esse molar não é mais do que o resto fossilizado de um parente dos actuais elefantes.

Belemnite

Em relação a um dos fósseis comuns no registo paleontológico português – belemnites – também existem várias crenças populares. As belemnites são o resto fossilizado de seres marinhos semelhantes a lulas e que habitavam o planeta nos tempos dos dinossáurios. Os restos que são preservados apresentam uma forma cónica, parecida com balas. É a sua forma que contribui para que vários povos expliquem a sua origem de maneiras distintas da real – resto de um ser vivo.

A designação inglesa para belemnite é thunderstone (pedra-de-raio) pois pensava-se que resultavam da queda de um relâmpago. No folclore chinês as belemnites são conhecidas como Jien-shih ou pedras-espada. Na Escandinávia aqueles fósseis são vistos como velas de elfos, gnomos ou de fadas. Nalgumas áreas ainda são actualmente designadas de vateljus que em sueco significa literalmente luzes de gnomo.

Outro modo de explicar o aparecimento de fósseis é a sua atribuição a fenómenos religiosos.
As amonitesmoluscos cefalópodes marinhos semelhantes aos Nautilóides, existentes em várias afloramentos do país, exs: Figueira da Foz, Peniche.Na zona de Whitby, Inglaterra, considerava-se que eram restos petrificados de cobras que outrora haviam invadido esta área. A praga havia sido terminada por Santa Hilda (614-680 DC), que as transformou em rochas.

Orthosphynctes sp., Portugal

Associadas ao deus egípcio Ammon (representado por vezes com cornos retorcidos, de onde deriva o nome amonites), eram encaradas pelos gregos clássicos como símbolos sagrados capazes de curar mordeduras de cobra, cegueira, esterilidade ou impotência. Alguns romanos acreditavam que podiam prever o futuro se dormissem com uma amonite piritizada sob o travesseiro.

Dentes de tubarão fossilizados (geralmente de Carcharodon) eram utilizados como amuletos contra venenos. As designações tradicionais para estes fósseis incluíam Glossopetrae (língua de pedra), Linguae Melitensis (línguas de Malta) ou Linguae S. Pauli (línguas de São Paulo). Esta última é explicada pela seguinte associação entre um facto bíblico e a consequente exploração popular. Como referido em Actos dos Apóstolos (28:2-7), São Paulo, em Malta, foi mordido por uma cobra. Este atirou-a para a fogueira não tendo sofrido qualquer dano físico.

Como castigo divino as cobras terão perdido o seu veneno bem como os olhos e língua ficando para sempre os vestígios preservados sob a forma petrificada.

(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 29/09/2005)

Imagens: da Wikipedia, páginas de Belemnites e Amonites.

Rua Cuvier – Paris


(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 29/07/2005)
Durante as últimas duas semanas de Julho encontrei-me a estudar as colecções de dinossáurios do Museum National d’Histoire Naturelle (MNHN) em Paris.
Chamou-me a atenção, desde o primeiro dia que aí cheguei, que o MNHN se encontra limitado pelas ruas Cuvier e Buffon. Aparentemente faz todo o sentido esse enquadramento toponímico uma vez serem aqueles dois dos grandes naturalistas gauleses. Cuvier é considerado actualmente um dos fundadores da Paleontologia de Vertebrados (da qual faz parte o estudo dos dinossáurios).
Georges Cuvier (1769-1832) foi contratado para ensinar anatomia em 1785 por Geoffroy Saint-Hilaire, fundador do MNHN, numa época em este museu oferecia uma série de oportunidades a jovens investigadores. Progrediu academicamente tendo obtido a regência daquela cadeira em 1802.
Dizia-me Daniel Goujet, actual responsável pelas colecções do MNHN, que Cuvier criou uma autêntica linha de montagem de dissecação de animais actuais bem como de fósseis que iam sendo recolhidos e trazidos para o museu. A maioria dos fósseis estudados era de vertebrados da bacia de Paris. A análise das estruturas dos diversos esqueletos, permitiu a Cuvier constatar que existiam estruturas nos organismos que se podiam comparar e estabelecer paralelismos, quer ao nível da origem quer ao nível da função.
Os membros anteriores de uma baleia e de um ser humano têm a mesma estrutura e origem, e apesar de terem diferentes funções, constituem estruturas homólogas. Os organismos podem ser assim relacionados com base na sua estrutura interna. Desta maneira se criou os fundamentos da Anatomia Comparada, campo do conhecimento fundamental na paleontologia. Este conjunto de informações obtidas do estudo das estruturas zoológicas pode ser aplicado ao registo fóssil, permitindo estabelecer relações de parentesco entre a diversidade de fósseis.
Por exemplo se um determinado animal apresenta um conjunto de dentes cuja forma, número e disposição é semelhante ao de um actual roedor podemos afirmar que esse animal do passado deveria ter tido o mesmo tipo de alimentação que o actual. Membros de diferentes animais mas com idênticas proporções permitem afirmar, em termos gerais, que esses animais têm o mesmo tipo de locomoção.
Cuvier devido à sua investigação em Anatomia Comparada permitiu que a Paleontologia de Vertebrados tivesse uma das suas principais ferramentas metodológicas.
Não foi unicamente no campo do estudo anatómico que Cuvier se distinguiu. Até aos trabalhos de Cuvier o conceito de extinção não existia. Cuvier ao estudar os restos fossilizados dos Mamutes europeus e dos Mastodontes americanos conseguiu provar que estes animais estavam relacionados com os actuais elefantes e que se haviam extinguido. Esta inferência pode parecer muito elementar mas foi, naquele tempo, uma verdadeira revolução. A extinção das espécies foi referido na sua obra “Discours sur les révolutions de la surface du globe” publicada em 1812.
Cuvier oferecia assim à Paleontologia o seu objecto de estudo. Aquela obra teve implicações filosóficas e teológicas, já que pressupunha que toda a vida na Terra não havia sido sempre a mesma mas, pelo contrário, tinha sofrido alterações e modificações. Essas alterações, segundo Cuvier, foram consequência de eventos catastróficos na história da Terra, seguidos do aparecimento de novas espécies – tinha sido assim formulado o Catastrofismo.
Cuvier introduzira o conceito de extinção que surgia como consequência de cataclismos naturais e em determinados episódios da história da Terra.
Durante os dias em que percorri os espaços outrora de Cuvier não pude de deixar de esboçar um sorriso amarelo quando verifiquei que as galerias de anatomia comparada em que foram desenvolvidos as metodologias da paleontologia são actualmente ocupadas por gabinetes dos serviços administrativos do MNHN…

PATAGÓNIA


“Existem dois motivos para se ir para a Patagónia: a curiosidade ou o lucro.”
George Gaylord Simpson, 1930

Dado que aos paleontólogos o lucro, esse que resulta de um acumular de bens materiais lhes parece estar vedado, somente a curiosidade parece guiar e conduzir a sítios tão inóspitos e inacessíveis como a Patagónia.
Parece que terá sido também a curiosidade, durante a sua famosa viagem no HMS Beagle, a caminho das Galápagos, que terá levado Darwin, em Dezembro de 1833 a desembarcar em terras da Patagónia. Desembarcou em Puerto Deseado, tendo registado no seu diário comentários sobre a natureza do passado geológico desta região.
Darwin concluiu que conchas fósseis que recolheu só poderiam ser encontradas dado, num passado remoto, aquelas paragens terem sido um fundo marinho. As suas observações sobre geomorfologia, geologia do Quaternário e glaciologia da Patagónia e da Terra do Fogo terão provavelmente contribuído para o desenvolvimento da sua teoria evolutiva.
O Museu Nacional de História Natural/Universidade de Lisboa irá participar numa expedição paleontológica na província patagónica de Neuquén durante os meses de Abril e Maio. Será a primeira expedição paleontológica à Patagónia que conatrá com portugueses.
Esta província tem contribuído pelo aumento do conhecimento paleontológico da vida no Mesozóico. Giganotosaurus carolinii, o maior dos dinossáurios carnívoros, foi descoberto em El Chocón, em 1993 por uma equipa de paleontólogos da Universidad Nacional del Comahue e do Museo “Carmen Funes” de Plaza Huincul. Para se ter uma ideia do tamanho gigantesco deste carnívoro, o seu crâneo mede aproximadamente 1,80 metros comprimento, enquanto que o comprimento total do animal se estima em 16 metros.
Os dinossáurios carnívoros mais primitivos que se conhecem – Eoraptor e Herrerasaurus – foram igualmente descobertos na Patagónia. Apresentam características anatómicas que permitem aos paleontógos integrá-los no grupo dos “Senhores do Mesozóico”; foram escavados no oeste da Argentina (formação Ischigualasto) com idade do Triásico superior, cerca de 230 milhões de anos.
Em 1997 foram descobertos ovos com embriões de saurópodes (grupo de dinossáurios de pescoço e cauda compridos) numa jazida designada Auca Mahuevo. Associados aos ovos fossilizados (com mais de 80 milhões de anos) foi possível reconhecer e mapear diversas estruturas identificadas como ninhos. Desta forma confirmou-se que estes dinossáurios apresentavam uma organização social muito complexa, onde existiriam colónias semelhantes às das aves.
Entre os recordes patagónicos conta-se o maior dinossáurio que se conhece e recebeu o nome de Argentinosaurus. Este enorme animal tinha cerca de 40 metros de comprimento podendo atingir as 100 toneladas de peso.
As faunas fósseis argentinas e em especial as da Patagónia, para além das suas particularidades, permitem também aos paleontólogos tentar perceber se existiam as mesmas faunas nos actuais continentes sul-americano, africano e australiano.
Durante grande parte do mesozóico, aqueles continentes encontravam-se unidos numa enorme massa continental a que se dava o nome de Gonduana.
Desta forma, a existência de grupos de dinossáurios semelhantes em continentes actualmente afastados permitem que se perceba como e quando os continentes estavam unidos.
A Patagónia é assim um território ainda inexplorado e que exerce um fascínio enorme no imaginário de grande maioria das pessoas e como se viu com um importante e grande passado geológico.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 15/04/2005)

O Desmontar da Exposição – Museu Carnegie de História Natural (MCHN)


No estudo de colecções de dinossáurios, qualquer paleontólogo sabe que, por melhores que sejam as condições do Museu, se trabalha num ambiente com muito pó. Já trabalhei em diversas colecções paleontológicas e é uma realidade chegar ao fim do dia com o nariz cheio de poeira. Desta vez, no Museu Carnegie de História Natural (MCHN) a poeira era diferente. Uma pequena camada de pó, diferente do que eu até aí tinha observado, cobria os exemplares que estudava. Durante os primeiros dias especulei para mim próprio quais seriam as razões desse tão pouco habitual revestimento. Pensei no tipo de rochas das quais procediam os fósseis que eu estudava, pensei noutras razões, mas nada aparentemente fazia muito sentido.
Yvonne Wilson, preparadora de fósseis do MCHN, explicou-me então que essa camada que polvilhava todos os exemplares não tinha uma origem natural, mas em dezenas de anos de indústria siderúrgica e nos produtos por ela libertados. Pedia-me desculpa e dizia que Pittsburgh sempre tinha sido conhecida por uma cidade suja, no sentido em que se encontrava constantemente tisnada por essa poeira industrial.
Desde há cerca de 30 anos que Pittsburgh tem perdido população. É actualmente uma cidade bastante mais empobrecida do que num passado recente. São as consequências do gradual desaparecimento das indústrias metalúrgicas nos países desenvolvidos.
Poderá parecer um pouco exagero da minha parte, mas desta vez tinham sido os ossos fossilizados a revelarem-me um pouco da história de uma cidade e dos seus habitantes …

Enquanto trabalho com os exemplares de dinossáurios no MCHN, para além de todos os pensamentos científicos que têm que estar presentes, não podia deixar de sentir toda a história de trabalhos de pesquisa, recolha e prospecção feitos nos finais do século XIX e início do século XX.
Foi todo esse esforço que me permite e a outros paleontólogos, actualmente, desenvolvermos a nossa investigação.
Há como que duas histórias a decorrerem no meio deste “filme”: a história biológica dos animais extraordinários que foram os dinossáurios, uma história com mais de 150 milhões de anos; outra, a dos exploradores e investigadores que há mais de 100 anos, fascinados e atraídos pela descoberta, iniciaram uma verdadeira odisseia em busca do entendimento do passado da Terra.
Quando foi inaugurado, no dia 11 de Abril de 1907, o Museu de História Natural Carnegie, na altura Instituto, foi um dos primeiros museus a ter um dinossáurio completo montado e exposto.
O MCHN foi criado por Andrew Carnegie, milionário, que ficou fascinado pelas evidências da vida passada. Durante os últimos cem anos, Carnegie apoiou a ciência e a cultura tendo sido o fundador de uma rede de bibliotecas públicas que actualmente serve a população americana. Para além do já referido museu de História Natural, Carnegie fundou o Museu de Arte Carnegie, o Museu de Ciência e o Museu Andy Warhol, todos em Pittsburgh.

Os dinossáurios foram o “motor de arranque” para toda uma investigação científica que foi, é e (espero) continuará a ser levada a cabo pelo Museu Carnegie de História Natural. Mas a investigação científica não se limitou à paleontologia – paleontologia de mamíferos, botânica, zoologia, genética entre outras foram áreas do conhecimento que beneficiaram do fascínio que os enormes animais exerceram, primeiro sobre Andrew Carnegie, e depois sobre gerações de americanos que visitaram o MCHN.

Tive o prazer e a honra de ser o último investigador a estudar os ossos fossilizados de Apatosaurus e de Diplodocus, tal como estavam montados desde 1907.
No dia em que acabo este artigo inicia-se o desmontar da exposição – nos próximos dois anos, os dinossáurios que “acompanharam” a vida de gerações de americanos vão ser retirados como momento inicial de uma nova exposição paleontológica a ser inaugurada em 2007. Nos próximos dois anos vão “repousar” e ser preparados. Regressarão à exposição segundo os mais recentes conhecimentos paleontológicos (postura, enquadramento ecológico passado, etc).
A renovação ascenderá a 35 milhões de dólares mas como qualquer empreendimento deste tipo levado a cabo nos EUA não deixará de render e trazer dividendos, quer económicos quer científicos.
Não posso deixar de pensar que a divulgação e cultura científica podem render benefícios, não só a longo prazo, por intermédio de uma sociedade cientificamente mais culta, mas também a curto prazo constituíndo mais uma oferta no cada vez maior mercado do lazer.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 18/03/2005)

O mamífero que comia dinossáurios

O mamífero que comia dinossáurios

Em 2003 agricultores chineses descobriram dois esqueletos de um tipo do animal nunca antes visto: um mamífero do tamanho de um cão que viveu há 135 milhões de anos.
A descoberta revoluciona o conhecimento actual de que os mamíferos mais desenvolvidos da época dos dinossáurios não eram do tamanho de pequenos roedores.
No interior de um dos esqueletos – onde foi outrora o seu estômago – os paleontólogos encontraram um conjunto de minúsculo dos ossos, os restos que pertenceram a um pequeno dinossáurio de aproximadamente 13 cm de comprimento – o Psittacosaurus.
Os cientistas dizem que o achado irá provocar a reavaliação dos actuais conhecimentos sobre as relações entre mamíferos e dinossáurios durante o Mesozóico – os mamíferos afinal não eram os seres indefesos e minúsculos que até hoje se pensava.
Os fósseis, classificados como Repenomamus, foram encontrados na província de Liaoning na China, uma região que tem fornecido numerosos fósseis originais nos últimos anos. Esta descoberta aparece publicada no jornal científico Nature.
Os mamíferos, tradicionalmente encarados como pequenos e periféricos na evolução dos vertebrados do Mesozóico são, em face desta nova descoberta, olhados com outros olhos – já imagino a satisfação e os sorrisos dos meus colegas paleontólogos que estudam mamíferos, que agora já têm também as suas estrelas nos “combates” jurássicos!!
Os mamíferos procuravam e consumiam aquilo que podiam (à semelhança do que acontece actualmente), até dinossáurios. Alguns dos nossos antepassados de maior dimensão competiam com os dinossáurios por territórios e alimentos. Nem sempre os leões são os reis da savana tal como os dinossáurios não eram os senhores absolutos do Mesozóico!
Outras mudanças importantes no conhecimento científico da História da Vida no obrigaram a rever conceitos anteriormente estabelecidos. É o caso da descoberta do Celacanto na década de 40 do século passado. Até esse momento pensava-se que este peixe estava extinto, limitando-se os investigadores a analisarem o seu registo fóssil. O Celacanto é considerado actualmente um fóssil vivo pois, ao longo dos últimos milhões de anos, não apresenta diferenças anatómicas significativas com os seus parentes actuais.
Um outro caso de como os conceitos científicos são alterados diz respeito aos dinossáurios saurópodes. Estes animais de enorme tamanho e peso, com caudas grandes, foram, nos primórdios da Paleontologia, descritos como animais que necessitariam viver semi-imersos em ambientes aquáticos (um pouco à semelhança dos hipopótamos). Este facto era devido à sua enorme massa corporal que, segundo os cientistas do início do século passado, os impediria de viver em terra firme. Hoje em dia, graças aos estudos de biomecânica e de análise das suas pegadas, sabemos que eram animais dinâmicos e activos, deslocando-se um pouco como os actuais elefantes e não estando confinados a viverem mergulhados na água
A Paleontologia, tal como outros campos da Ciência, é feita de revisões, de avanços e mudanças de rumo, de olharmos a mesma coisa com olhos diferentes ou com os mesmos olhos olharmos novas coisas.
(Publicado no jornal O Primeiro de Janeiro a 24/01/2005)